sábado, 27 de agosto de 2011

Dedicação Exclusiva

Ainda agora, ao abrir meu e-mail, recebi uma mensagem desesperada da minha sobrinha Mayda, pedindo ajuda para analisar uns dados da sua pesquisa de Mestrado em Educação. Ela faz o curso no sistema b-learning em um convênio com a Universidade de Brasília e uma universidade holandesa, viabilizado pelo IMIP, onde ela gerencia uma UTI adulto. Apesar de muito novinha, a danada está indo muito bem na vida profissional, o que me enche de orgulho. Precisa apenas sanear alguns gaps emocionais, mais isso é coisa dos arrobos da juventude, vem com o tempo de experiência em cima desse mundo. Talvez eu saiba disso, porque ela é muito parecida comigo, daí a identificação. O fato é que ela cursa o mestrado em serviço, ou seja, continua dando seus plantões intermináveis numa instituição de saúde de referência em Pernambuco. E isso não é nada fácil. Mas, as situações podem ser sempre um pouco pior. Outro dia, conversava com minha irmã Vilma, que está às voltas com as correções de sua tese de doutorado em Química. O fato é que Vilma faz o curso e trabalha o dia inteiro na UFPE, dá aulas à noite numa Faculdade privada do Recife. E tem três filhos: uma adolescente, uma pré-adolescente e um pequenino de 5 anos. Para completar o rol, o marido também está terminando a Tese de doutorado em educação. Literalmente, uma família de loucos.

Vendo o exemplo dessas pessoas tão próximas, não há como fechar os olhos para minha própria realidade: eu vivo um sonho de consumo de todo professor brasileiro. Começando pela minha situação funcional, a AESGA me tem em Dedicação Exclusiva. Isso significa que eu trabalho apenas em uma instituição que me paga o suficiente para viver adequadamente. Não somos ricos, eu e os cinco ou seis colegas que tem D.E. na AESGA, mas podemos concentrar o nosso trabalho em uma só instituição, e nessa profissão, isso é um luxo. Já fui "caxeira viajante" da educação básica, já andei muito de carro de passageiro para os interiores, já cheguei ao trabalho até na mala do carro de passageiros. Já tive 33 diários de classe para preencher no final do ano. D. Dita, minha querida diretora de Saloá ficava impressionada com essa rotina de corre prá lá e pra cá que mantínhamos. Ela dizia sabiamente: "nesse ritmo, vocês não chegam aos quarenta! E o dinheiro que ganham não vai dar nem para pagar a casa de repouso quando vocês estiverem loucos!"Aprendi direitinho e tratei de pular fora, consciente de que é uma condição suicida, mas que o professor da educação básica brasileira não tem outra alternativa. Para educação básica brasileira não formamos professores, formamos kamikazes.

Pois bem, quando me inscrevi no processo seletivo da Universidade de Aveiro, nunca imaginei que seria aprovada. Quando vi o resultado, o meu primeiro pensamento foi: "pronto, agora lascou!" A minha rotininha de correria para IES estava definitivamente transformada. Um mês antes de mim, o colega Ricardo, também professor da UPE (sem D.E., tá vendo?) havia se afastado para cursar o doutorado em História na PUC/SP. Encaminhei os meus pedidos de licença de formação, que foram prontamente deferidos, até porque a Reitora da nossa IES, tão pequenininha lá no interior de Pernambuco, pensa grande e percebe a importância da titulação e da construção de competências dos professores. Em todos os momentos, o apoio instituicional tem sido incondicional. Vim para Portugal com D.E. Estamos instaladas em um pequeno apartamento (um T0 tamanho de um ovo!) com três janelas na zona histórica da cidade, à 5 minutos à pé da Universidade, e à duas ruas da escola de Luiza. Quem me mantem financeiramente é aquela pequena instituição de Garanhuns, que já há 36 anos vem formando pessoas em nível superior.  Além dos serviços domésticos, que quase não fazia mais no Brasil, cuido de Ana Luiza e estudo. Quando recomeçarem as aulas dela, eu ficarei das 9h às 17h30min com o tempo dedicado à investigação, com orientação de um professor compometido, humano e bem humorado. Isso é um luxo absoluto, apesar das dificuldades e apertos que passamos em terras européias. 

Assim, eu fico vendo a correria de minhas colegas do curso, que se desdobram entre aulas e formações para dar conta das atividades. Olho para minha irmã, e não compreendo como ela consegue manter-se de pé ao final do dia e esfriar a cabeça para corrigir a tese. Me impressiona a menina que tem que tomar decisões de vida e de morte em uma UTI, enquanto pensa nos artigos inacabados aguardando no posto da enfermagem. Eu vivo um luxo num T0, graças à Deus. Graças a pequena instituição de ensino  lá do interior de Pernambuco, que quando respondo de onde sou, os colegas arregalam os olhos de espanto. "Pensava que tu eras da UFPE!" chegou a me dizer uma companheira da USP. Explico com um sorriso que o sistema Federal não é tão bom quanto a pequena IES que me mantém. É por isso que quando algum colega diz que eu não voltarei para lá, eu retruco categórica: lá é o meu lugar, é onde apostaram todas as fichas em mim. Não vim para ficar. Até porque tenho D.E. a um homem que me mantem aqui, me incentiva e me apoia. Me ajuda a ultrapassar os momentos mais difíceis, mesmo para enfrentar velhos fantasmas. É o melhor pai que minha filha pode ter. Não se encontra isso em qualquer lugar, não é mesmo?

Saudades de hoje: Do meu trabalho e das pessoas maravilhosas que tenho oportunidade de conviver lá.

Té manhã, fiquem com Deus.    

6 comentários:

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  2. Realmente é um privilegio poder dedicar-se completamente a formação. Principalmente num país que não apoia a quem deseja melhorar. Louvo o seu desprendimento em deixar a sua familia, seu emprego , o seu país para alçar voos mais longos. Apesar de eu achar que na primeira oportunidade após a titulação o que agente mais quer é um contrato através de um concurso publico, pois tenho certeza, que as instituições pequenas e as privadas como a que eu trabalho não dao as condições de trabalho que uma instituição federal proporciona.
    Boa sorte no curso e realmente vc tem um otimo orientador! amo de paixão!
    Bjos e Bjos
    Te amo!

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  3. Ainda esclarecendo os professores e técnicos da federal quando fazem doutoramento fora da sua sede vão com salário integral e bolsa das agencias de financiamento e inclusive existem cotas especificas para os docentes e técnicos das universidades.
    De fato quando saímos para nos capacitarmnos fora temos todo tempo do mundo para os estudos. Entretanto, nem sempre é possível isso dado o compromisso que temos com a família, o trabalho, as nossas atividades. Mas é possível conciliar trabalho e estudo e ainda ser feliz aqui em Pernambuco, pois há boas instituições em diversas áreas do conhecimento e com a vantagem de não ter que reconhecer o diploma, o que é um risco que todo mundo corre ao fazer estudos no exterior.

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  4. Vc descreveu exatamente o q tô passando... entre uma intercorrência e outra, olho pros meus papeis em cima da bancada do posto e chega dá vontade de chorar.... Muito obrigada pela ajuda e segura a onda, estamos c vc...Sei que a distância dói, mas é para um bem maior! bjss Mayda

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  5. Pois é... Admiro bastante a força de vontade e o desdobramento de vocês. As minhas dificuldades maiores no momento são quanto a distância e a cultura. Estudar e trabalhar a este nível não é nada fácil, por isso agradeço a Deus a oportunidade de num país como o nosso que professor é tão desvalorizado fazer parte e uma instituição pública municipal e tão pequena que tem gente que diz que não vale nada, mas que investe no desenvolvimento de pessoas como a AESGA tem feito. Os riscos existem, mas, assumimos todos. Faz parte da vida.

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  6. Ai, juro que lendo o post e os depoimentos me deu vontade de chorar... adoro todas vcs irmãs e filha queridas, me orgulho muito de ser irmã e mãe de vcs. Bjos e muita força!

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