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domingo, 1 de outubro de 2017

"Estudanta"


Pronto, então parece que finalmente, no início de Outubro, começa a primavera nos lados de cá. depois das chuvas, é sempre bom prestar atenção no caminho, pois os pássaros estão voltando. E no nosso trajeto casa-escola-casa, como ainda há umas áreas com pequenas chácaras lá por trás do IBN, sempre avistamos pássaros bem bonitos: bem-te-vis, anuns, lavandeiras, garrichas e um pássaro azul e preto, que não sei o nome. Infelizmente, na área da nossa casa quem mandam são os pardais. Eles só perderam a majestade quando uma família de gaviões fez um ninho numa árvore do quintal da vizinha da frente. Deram para mundo o mundo e só voltaram quando os gaviões se mudaram. Acho que os bebês cresceram e foram cantar noutra freguesia. O tempo passa para todos.

Nessa brincadeira, andei fazendo umas contas: não é que a minha graduação em Geografia completa 21 anos em 2017? Alcançando a maioridade, imagino o quanto a ciência do espaço mudou em duas décadas. Hoje em dia, as coisas são muito rápidas, embora tenhamos que ter paciência para que algumas inovações tecnológicas cheguem em nosso cotidiano. Outro dia, o Prof. Otto Benar partilhou no Facebook este filme do Amazon Go:
  

Fiquei tão impressionada com esse sistema! tão tecnológico, tão independente, e tão responsável. Depois, Mahria partilhou-me também, e ainda ontem mandou-me um vídeo semelhante, de um empresa oriental. Ontem, Gustavo mandou esse video da Amazon para o grupo Imprensa AESGA, quando discutíamos o trabalho na pós-modernidade. Pelo que vemos, a cada dia que passa, as tecnologias podem mudar o nosso dia-a-dia, facilitando tarefas repetitivas em enfadonhas.  O mercado de trabalho é dinâmico e também reflete essas mudanças. Há inúmeros casos de trabalhadores que perdem seus postos de trabalho por conta da evolução tecnológica. Eu mesma já passei por isso! talvez vocês não saibam, mas o meu primeiro emprego foi numa Rádio. Trabalhei por dois anos na Rádio Marano, em Garanhuns. Na minha carteira de trabalho consta o registro de "auxiliar de escritório" (mais genérico, impossível). Passava minhas oito horas diárias atendendo telefones e anotando as mensagens dos apaixonados do Rádio Toque. Ô coisinha brega! Mas, na época, início dos anos 1990, era um sucesso na cidade e na região. Também era responsável por datilografar as programações. Ronaldo selecionava as músicas em blocos de cinco (geralmente quatro nacionais e uma internacional), em um monte de disco de vinil, e eu datilografava a "playlist" em duas vias: uma ia para o estúdio e a outra ficava na pasta para a inspeção do ECAD (Direitos Autorais).  Pois bem, vejam as rádios hoje: tudo informatizado, programação digital, mensagens via waths app. Certamente não existe mais a telefonista nem a moça que "batia" a programação. O tempo passa e as coisas mudam.

Pois bem, durante sete anos fiz as provas de Geografia do Vestibular da AESGA. Ao todo, foram 14 provas, e obtive até um bom resultado: das 140 questões inéditas, forjadas no meu juízo (assava até uma semana pensando nas questões e uma semana construindo-as, um trabalho minucioso), apenas uma questão foi anulada por erro meu. Contudo, as coisas mudaram e as provas tipo ENEM tornaram-se o modelo a ser seguido, e vamos considerar que é bem complicado ser multidisciplinar quando o sistema insiste em ser disciplinar. Então, chegou um momento que já estava me repetindo e pedi baixa da função: a última prova parecia um dinossauro falando.

Voltei inquieta do 6º Congresso Íbero Americano de Análise Qualitativa. Ouvi muito sobre educação e decidi experimentar uma coisa nova. Quem tal enfrentar um curso em EaD para, como cliente conhecer melhor antes de criticar? Decidi por um curso de Licenciatura em Pedagogia, ofertado no modelo semi-presencial pela UNOPAR, cujo polo de Garanhuns é administrado por professores amigos. No dia 27 de agosto, num domingo de manhã, Tony me deixou no prédio da antiga Bhrama, onde atualmente funciona a Universidade. Esperamos um bocado na guarita da frente, até que nos liberaram para entrar no prédio, éramos uns 70 candidatos para os mais diversos cursos. Fizemos uma redação e aguardamos o resultado através do portal da instituição. No dia 30.08 avisaram aos aprovados e daí, ao processo de matrícula. Tive que contar com a eficiência de Ivania, da Secretaria de Educação para encontrar a minha ficha 19, pois fiz o nível médio (no tempo eram "Estudos Gerais") no Colégio Municipal Padre Agobar Valença, que já é extinto. 

As aulas começaram no dia 14 de setembro no 1º período Flex, pois o grupo em que entrei já está no segundo semestre. Vou lá toda quinta-feira, onde temos um primeiro momento com o professor (gravado) e o segundo momento com a tutora local, uma garota bem novinha, de voz aguda. A sala tem mais de 50 alunas e, se não me engano, apenas três caras. A maioria do pessoal vem das cidades vizinhas em ônibus escolares financiados pelo FNDE. O material na plataforma é muito bom: vemos os vídeos, lemos os textos, fazemos as atividades online e vemos essas aulas.   Na última quinta-feira foi a prova de Políticas Públicas da Educação, e as minhas colegas (que me desculpem os caras, mas as meninas são maioria) estavam mais barulhentas do que sempre. Fico quieta no meu canto, observando as figuras, aprendendo e apreendendo a situação. Até agora, me sinto meio como Perry, o Ornitorrinco, meio agente secreto, disfarçada de "estudanta", torcendo para que minha formação avançada não seja um obstáculo à convivência.

Então, voltei aos bancos escolares.   Na Faculdade, disse a Profa. Rosa Antunes da minha nova condição. Ela, pedagoga da velha guarda, aposentada da UPE, com 50 anos de educação, ficou tão satisfeita que, no outro dia, forçou o filho a abrir os baús e trazer de casa esses livros para me ajudar, que já estão devidamente acomodados na minha estante: 



Fiquei muito feliz, pois é a minha parte na herança da velha. Ela, que tem me ensinado tanto, confiou-me parte dos livros, e sempre vem conversar sobre temas da pedagogia, às vezes até esquecendo que eu não sou propriamente uma debutante na educação. Vou vivendo um módulo de cada vez e aprendendo coisas novas.Neste último módulo, estudamos as políticas e o financiamento da educação brasileira, e foi muito interessante saber que muito foi idealizado, mas, que ainda há um abismo entre a teoria e a prática. Nesse aspecto, nada mudou. Resta a esperança, pois no grupo, apesar de heterogêneo, há algumas jovens com carinhas de menina, e, não sou eu que irei promover o choque de realidade. Que o cotidiano se encarregue disso, da forma mais suave possível.

Fiquem com Deus. 




domingo, 19 de julho de 2015

Mais-valia

Um dos ditos populares que eu mais gosto é "cada um sabe de si", pois traduz exatamente , e com extrema simplicidade, a relatividade das coisas. O que pode ser bom para mim, pode não ser para o outro. Mas, uma coisa é certa: é necessário pesar e medir, além de colocar-se no lugar do outro para viver na prática o senso de justiça que muitas vezes professamos em altos brados, mas, de boca pra fora. 

Nestes últimos dias tenho refletido muito sobre as relações de trabalho e suas nuanças. A bem da verdade, três fatos despoletaram as minhas elucubrações acerca do termo "mais-valia" proposto por Karl Marx: 1) a situação funcional da nossa empregada doméstica, 2) a extinção do recesso do FIG para os professores que tem parte de suas cargas horárias em serviços administrativos, na escola em que trabalho, 3) Um convite de colaboração à uma Universidade particular. Começando pelo começo: as leis trabalhistas deram uma volta de 360 graus na vida de patrões e empregados domésticos, obrigando o cumprimento das leis quanto a garantia do direito trabalhista. Juro que tentei, mas, a carga tributária encarece imensamente o trabalho da doméstica, de forma que, seguindo a maré, convidei a nossa colaboradora a uma conversa para revermos o seu contrato, uma vez que não consigo cumprir com as obrigações patronais. Afinal de contas, não somos empresa com fins lucrativos. Pagar salário (e tributos) quando se é assalariado é difícil. Hoje em dia, só tem empregado doméstico quem pode MESMO. Além disso, chega a hora em que precisamos refletir se realmente existe uma necessidade da colaboração. Quem tem menino pequeno, deve cortar um dobrado, mas, a minha já está uma moça, além disso fizemos um estágio de sobrevivência na Europa, onde empregado doméstico é artigo de alto luxo. Ninguém morre por cuidar da própria vida, e o plano é contar somente com a colaboração de uma diarista, eliminando os vínculos empregatícios. Como diria minha mãe, "em terra de sapo, de cócoras com eles." Tenho certeza que não sou a única que se encontra nessa encruzilhada. 

No segundo fato, perdemos o recesso da escola, embora eu tenha argumentado da importância do trabalhador da educação ter um tempo técnico para organizar as ideias. Na verdade, meus argumentos não têm lá muito peso na gestão da IES, mas mesmo assim, o vício em reivindicar não me permitiu exercitar o direito de ficar calada. E essa semaninha do FIG nos fará imensa falta. Para o trabalho do professor ser bem sucedido é necessário desenvolver a criatividade. Este aspecto é alimentado a partir das aprendizagens, nomeadamente, na construção de saberes que não estão diretamente relacionados com o objeto de trabalho. Ou seja, quando aprendemos coisas que não tem nada a ver com o que trabalhamos, desenvolvemos capacidades de mobilizar saberes para enfrentar novas situações, através da inovação. Infelizmente, os tribunais de contas da vida não têm a capacidade de perceber as especificidades laborais, e joga todo mundo no mesmo balaio que eleva o "bater o ponto" ao aspecto mais importante da vida do trabalhador. Educação com qualidade se faz com educação de qualidade. A repetição de velhas fórmulas desgastada somente favorecem o comodismo. De qualquer forma, "manda quem pode, obedece quem tem juízo." Assim caminha a humanidade.

O terceiro fato, lembrou-me um texto escrito pelo colega José Maria Leitão, quando fazíamos mestrado. Em linhas gerais, o texto relacionava o valor da hora-aula dos professores com a hora laboral cobrada por outros trabalhadores, como os prestadores de serviços. O colega, de forma bastante bem humorada, relatou no texto que, numa manobra de trânsito, o seu veículo havia sido atingido e amassado de leve o para-choques traseiro. Quando levou ao conserto, ficou impressionado com o valor cobrado pelo lanterneiro. No mesmo dia, deveria levar um saco de estrume para adubar o jardim, daí, foi inevitável comparar o preço do serviço do lanterneiro, da bosta de boi e da hora-aula do professor da rede pública estadual. Pois, esta semana, a tubulação do nosso banheiro resolveu entupir. Quando utilizávamos o chuveiro, a água ficava empoçada, e demorava uma eternidade para escoar. Recorri a Ilma, que conhecia um homenzinho que fez um serviço parecido na casa dela. Contatos feitos, 'Seu" Miguel veio à nossa casa, e com uma super engenhoca aspiradora, sugou o que estivesse impedindo a passagem da água a partir da caixa de gordura. Cobrou-nos 375 reais, por mais ou menos 45 minutos de trabalho, sem sujeira, sem quebrar nada, sem estresse. Foi caro, mas, ficamos satisfeitos, afinal como diz Tony: "eu não saberia fazer". Então, foi inevitável relacionar com a proposta que me foi feita por uma unidade universitária para um serviço. Um dia de trabalho (e não era qualquer dia, era um sábado, em que até taxista cobra bandeira 2), das 9h às 17h, com a gratificação simbólica de 300 reais. Então, comparei o meu trabalho com o de "seu" Miguel e cheguei a triste constatação que o companheiro José Maria Leitão chegou na sua experiência, brilhantemente relatada há mais de 10 anos: o trabalho intelectual não vale nada. E se for relacionado à educação então, a situação é gritante. Na última vez que cumpri a penitência de pintar cabelos (agora já não é mais uma diversão: é obrigação, pois os pratinhas começar a fazer minha cabeça!) Kátia, cabelereira-e-professora-de-português da rede estadual pernambucana, me mostrou um vídeo de um sujeito fazendo uma conta, comprovando que é melhor ser pedinte do que ser professor. O sucateamento da profissão é tão evidente, que outro dia, a Professora Edilma me dizia que se um filho dela inventasse de ser professor, levava uma sova. A mais-valia de Karl Marx, da exploração do homem pelo homem aplica-se com crueldade ao cotidiano dos professores, seja de forma explícita, como na rede estadual pernambucana, seja na forma implícita, e não menos cruel, como o corte de verbas destinadas à pesquisas, pois corta-se o investimento mas não se reduz em um milímetro as exigências aos docentes, transformando o professor de ensino superior num refém do Currículo Lattes.

Tratando a educação como negócio, busca-se aumentar as margens de lucros. E os interesses dos trabalhadores são relegados a segundo plano. Talvez estejamos militando em uma profissão em extinção. Nesse caminhar, pergunto:quem irá ensinar os seus filhos a ler?

Até amanhã, fiquem com Deus.
        

domingo, 28 de dezembro de 2014

Mal do século

Estive fora uns dias e me permiti não escrever, não abrir e-mails, ver pouca rede social. Como o meu telefone é jurássico, tudo me ajuda a desconectar um pouco. Às vezes é preciso. Alguns leitores me perguntaram a razão do "sumiço". Não foi nada. Apenas, estava dando um tempo para renovar as energias e o vocabulário. 

Neste meio tempo, seguindo um hábito de anos, juntamos nossas coisas e pegamos a estrada. Como estamos promovendo uma reforma na nossa casa inacabada, cuja obra já vai bem adiantada (o pior já passou, pelo menos para este ano!), escolhemos roteiros curtos, para uma viagem breve e de carro. Nesta época é possível arranjar passagens aéreas a um preço acessível, mas, com os roteiros que os voos fazem no Brasil, é preciso pensar duas vezes antes de se "aboletar" num avião. Graças a teoria geral das licitações, em uma viagem de trabalho, meus colegas pegaram um voo mal assombradíssimo de Belo Horizonte-Recife. Gastaram 24 horas para chegar, com paradas e trocas de aeronave em São Paulo, Brasília e Salvador. Eu já peguei uma baldeação para Porto Seguro (BA), que foi para Campina Grande (PB), depois para Salvador (BA), para depois pegar um teco-teco para o litoral sul da Bahia, onde o Brasil nasceu. Com Luiza à tiracolo, realmente, ninguém merece. Como as férias é um tempo de não se estressar, é melhor ver direitinho os roteiros para não consumir o tempo precioso com esperas, apesar de sempre darmos graças ao chegar. 

Desta forma, juntamos nossos troços, deixamos a chave com Ilma, para ela vir colocar comida para Juju, e, seguimos viagem. A primeira parada foi em João Pessoa (PB), onde ficamos dois dias. Depois, seguimos para Natal (RN), onde ficamos mais três dias. Viagem curta em tempos de pouco dinheiro. Quem já enfrentou a saga de uma obra, sabe bem o que estou falando. Havíamos feito as reservas no meio do ano, de forma que conseguimos pacotes com preços até camaradas. E passamos uma curta e feliz temporada, mas,voltamos cheios de boas histórias e com energia renovada.  

Contudo, constatamos que o trânsito das cidades, independente do seu porte, é o mal do século. Resgato o termo utilizado nas escolas literárias do final do século XVIII, que explorava livremente a imaginação e as emoções. Logicamente, fui pesquisar para me lembrar que no Brasil, este movimento é representado pela Segunda Geração Romântica, e, que,  de acordo com a definição encontrada no livro Dicionário de Termos Literários, de Moisés Massaud, o Mal do Século é definido como “Pessimismo extremo, em face do passado e do futuro, sensação de perda de suporte, apatia moral, melancolia difusa, tristeza, culto do mistério, do sonho, da inquietude mórbida, tédio irremissível, sem causa, sofrimento cósmico, ausência da alegria de viver, fantasia desmesurada, atração pelo infinito, “vago das paixões”, desencanto em face do cotidiano, desilusão amorosa, nostalgia, falta de sentimento vital, depressão profunda, abulia, resultando em males físicos, mentais ou imaginários que levam à morte precoce ou ao suicídio”. (http://www.infoescola.com/literatura/sentimentalismo-mal-do-seculo/). Não se espantem, não fui acometida de uma depressão inoportuna. Peço de empréstimo o termo para refletir acerca do mal das cidades no nosso século. Nos filmes de ficção científica, o cinema projetava o futuro com carros voadores. Não chegamos a este desenvolvimento tecnológico e os carros ainda estão trafegando ao rés do chão. Contudo, impulsionados pela melhoria econômica, todo zé-mané no Brasil possui o seu carrinho. E olhando bem, até que a nossa frota é bem servida. Penso, leigamente, que há um grande percentual de carros novos e semi-novos a rodar nas nossas cidades. O problema é que a frota cresceu igual a fome na Lei de Malthus, ou seja, exponencialmente. Já as cidades têm basicamente a mesma infraestrutura viária da década de 1970. Resultado: engarrafamentos monstruosos e muita vida desperdiçada a trocar marchas num ritmo lento. 

Quando falamos nas capitais no nordeste do Brasil, sempre apontamos o trio Fortaleza-Recife-Salvador com pequenas sucursais do inferno na terra, especialmente nos horários de alto movimento. As demais capitais são sempre relacionadas como calmas, e, João Pessoa (PB) é considerada um modelo de tráfego. Então, o que vocês acham de passar uma hora e quarenta minutos para sair de Tambaú até o Centro da Cidade? Considerando que isso se faz cruzando apenas uma Avenida (Av. Presidente Epitácio Pessoa), perdemos uma manhã inteira para visitar o Centro Histórico da capital paraibana, que precisa urgentemente de manutenção. Para completar, pegamos um protesto de vans do transporte escolar, que cobravam providências da agência de gestão da Prefeitura quanto a repressão ao transporte clandestino de estudantes. Confirmou-se, na ocasião, que eu tenho realmente um imã para protestos. Em toda cidade que chego, há em decurso uma passeata, manifestação, greve, o raio. Igualmente, para entrarmos em Natal, passamos uma hora na Av. Ayrton Senna andando à 20 km/h (que ironia!), mesmo tendo passado um pouco das três horas da tarde. Enquanto nós, de férias, gastamos o nosso tempo que poderia ser investido à beira da piscina ou levando lapadas das ondas de Ponta Negra no trânsito lento, comentávamos sobre a situação de vivenciar todo este tráfego todo santo dia. Deus me livre de cidade grande. 

Mas, enquanto mal do século, o trânsito caótico não é privilégio das grandes cidades. Basta conferir um sábado pela manhã na Avenida Santo Antonio, em Garanhuns. Primeiro, que não há como estacionar. Segundo, que o trânsito é lento mesmo às 9 horas da manhã. Outro dia, vinhamos nas proximidades do Pau Pombo (Parque Ruber van der Linden), quando Paul Mccartney começou a tocar "Once upon a long ago" no rádio do carro. Comentei com Tony que gostaria que o caminho fosse maior para que eu pudesse ouvir a música inteira. Mas, o meu itinerário  reduzia-se a visitar a Caixa Econômica, e, o pagamento das contas, seria feito mesmo à pé, pois a nossa cidade é bem pequena. A música tem 4 minutos e 11 segundos. Pronto. Quem conhece Garanhuns, sabe que é um pulo, apesar da ledeirinha (nada mansa) do SESC. Pois, por causa do trânsito, deu para ouvir a música duas vezes. Além do excesso de viaturas (como dizem os portugueses!) obviamente fomentado pelo péssimo transporte urbano, nós sofremos as penas do transporte alternativo. Sem preconceito, é uma constatação: os motoristas das vans dessas cidades pequenas do entorno são um castigo. Param em qualquer lugar, são mal educados e abusados. Há momentos em que a avenida atravanca porque alguns desses "donos da rua" decidem que devem parar. E nem tente passar na faixa de pedestre quando algum deles aproxima-se: tenha amor a sua vidinha.  

O trânsito está mesmo muito ruim. E não adianta dizer que é porque eu morei algum tempo na Europa, onde as coisas são bem organizadas. Já tentou trafegar numa rotunda (giradouro) em Garanhuns? Tanto a nossa vizinha da AESGA, que dá acesso à avenida Caruaru, quanto essa nossa que dá acesso a Cohab II, mesmo estando certos no giro, e tendo a preferencial, quem manda é quem vem da estrada. E se for um carro grande, tá lascado, espere para não levar uma lapada. Da mesma forma que o mal do século XIX era a tuberculose, do século XX, a AIDS, hoje julgo que enfrentamos o mal maior: a individualidade, a falta de solidariedade e a completa ausência de gentileza e educação. E isso se reflete no modo como nos portamos no trânsito. E o pior é que para isso não existe vacina, nem coquetel de remédios. Se os pais fazem barbeiragens ao levar as crianças para a escola - e vemos isso todos os dias durante o ano letivo no Colégio XV, ao tentar levar uma vantagem desrespeitando as normas do bom tráfego, os pais imbecis educam os filhos pelo péssimo exemplo- , não vejo muita perspectiva de mudança. A não ser que doa na parte mais sensível do cidadão na sociedade capitalista: o bolso.

Vamos confiar que isso tudo irá melhorar em 2015.

Até o ano que vem! Sejam felizes hoje e sempre.

Fiquem com Deus.    

sábado, 6 de abril de 2013

Matematicando

Estamos a viver um abril furioso. Foi assim que aquele rapaz até bonitinho que apresenta o Jornal da tarde deu-nos boa tarde ontem às 13hs. E quando fomos ao lanchinho sagrado do final de tarde de todas as sextas, entendi muito bem porquê do "furioso". Os antigos dizem que isso cá sempre foi assim, o problema é que o tempo estava muito mau, e que toda gente adaptou-se a tudo que é ruim. Comprova a experiência o dito popular português: "Abril, águas mil", com aquele "l" engraçado que os lusos pronunciam no final das palavras. E eu fui pelo caminho pensando naquele filme do Walter Salles, "Abril Despedaçado". Um filme lindo, de fotografia perfeita e atuação impecável do bonitinho e talentoso Rodrigo Santoro. Ultimamente, ao final de duas sessões de mesa-cadeira-computador, ando assim: uma coisa lembra outra que não tem nada a ver e os meus pensamentos andam mesmo furiosamente despedaçados. Deve ser sintoma de algum mal que não quero saber. Quem sabe com mais umas confusões, eu não me aproxime mais um pouquinho de José Luis Peixoto?  Melhor deixar isso para Matheus Rocha, e seu infindável talento de construir metáforas. Eu já passei da idade de escrever por enigmas.
 
Nunca fui muito talentosa com as matemáticas. Números sempre me deixaram embaraçada. Ao fazer o mais simples dos cálculos, sinto uma tentação irresistível de contar nos dedos. Confesso que às vezes meto as mãos nos bolsos e conto secretamente. Habilidade matemática não tem nada a ver com escolarização, haja vista os meninos de Terezinha Carraher e seus relatos no clássico educacional brasileiro "Na vida dez, na escola zero". Minha mãe fez até o segundo ano primário numa escola rural e fazia "contas de cabeça", e quando eu tinha problemas com a matemática da escola, ela dizia: "essa menina não dá nem para contar bananas na feira" ou: "Não sei pra quê estudr tanto, e não saber fazer nem uma conta de cabeça". E quando ela me mandava estudar, argumentando que "filha de pobre tem que estudar para arranjar um bom emprego, porque marido rico não se arranja", eu contra argumentava lembrando-lhe da história do "pra quê estudar tanto...". Ela refutafa o meu contra-argumento com um faltal: "estudando, já está assim, imagine se não estudar. Passe!" Não há argumentos contra a lógica materna. A verdade é que eu me perdia naquelas contas com as palmas de bananas nas mãos: "3 e 3, 6. 3, 9. 3, 12." A matemática me aterrorizou até o 8º ano, quando estudei com Josevalda Cavalcanti, a professora de matemática mais paciente do mundo. Contudo, o sentimento daquele ano era apenas uma paixão passageira, e a lua de mel com Fórmula de Báscara acabou-se no segundo ano do secundário, quando eu quase me estrepo e o querido professor de Física sentenciou: "Você nunca vai passar num concurso público. Seu lugar é num balcão de comércio." Felizmente, ele estava errado, pois as "contas de padaria" se faz mesmo é no balcão de comércio. Além disso, a vida apresenta alternativas e cada um encontra o seu melhor caminho.
 
Contei essa história a Luiza, depois que ela se deseperou porque não acertava fazer as divisões por dois algarismos. Como a vida corre em ciclos, não me livrei da matemática completamente. Na última etapa de estudante em Portugal, a pequena anda às voltas com as matemática. A herança genética é implacável. E eu fico numa situação dificil, pois não consigo ajudar muito. Ela faz as contas, tira a prova e depois faz o cálculo na calculadora. Quando fez as quatro contas que a professora apontou como TPC (tarefa para casa. Apesar dos guris ficarem na escola os dois horários, ainda há TPC), atirou o telemóvel sobre a cama e chorou, dizendo que a calculadora só dava outro resultado. No momento seguinte, reconheceu que não acertava por alguma artimanha dos destino. Esperei ela acalmar-se e contei a minha história. Não é um bom exemplo para uma mãe, mas, eu não ia mentir diante do desespero infantil que me cortava o coração, e arrematei: "estude isso aí para passar na prova. Na vida, você usa a calculadora, o computador, o escambau." E fui ajudá-la com mais três contas. A primeira, ela fez, eu fiz e a "calculadora deu outro resultado". Eu fui ensinar, e no final das contas, ela que me ensinava, porque eu me enrolava com os "vai um". Minha dislexia numérica aflorou e eu dizia "321", enquanto o número era "231". Ela ria-se dos meus enganos e da minha confusão. Apesar de tudo, conseguimos acertar 2 das 3 operações e ela foi dormir mais tranquila.
 
No outro dia, recomendei que informasse a situação à professora. A Puri não vacilou: "Fizeste três contas e acertastes duas? Vais ao quadro e aponta-as. Ensinas aos teus colegas."  Quando fui buscá-la para o almoço, ela disse-me exultante, que havia acertado 2 das 3 contas. Fiquei feliz. Ela vai acabar dando a volta a isso tudo. Afinal, o mundo tem múltiplos caminhos e coisa e tal. Se não fosse assim, quem sofre de fobia numérica, tem dificuldade até para memorizar número de telemóvel, ou de fazer uma estimativa para antecipar se o dinheirinho vai dar para pagar as compras no supermercado (quem foi o santo que inventou os pagamentos por cartão de débito?) não superaria as resistências do meio. E eu sou prova viva de que o nosso potencial biótico (e criativo) é sempre maior. Dá-se um jeito, mesmo quando teve que estudar Estatística. Mas, Deus é bom e inventaram o SPSS.
 
Vou hoje mesmo acender uma vela para esses anômimos que com suas criações maravilhosas me ajudam a conviver com minhas fraquezas. É por isso que eu amo a tecnologia!
 
Até amanhã, fiquem com Deus. 
 
       

sábado, 4 de agosto de 2012

Quem teme perder...


Os dias passam rápido nos trópicos. Num instante terminou o mês de julho e já estamos no primeiro final de semana de agosto. Um pouco mais, comemora-se dia dos pais. Depois, aniversários em série. Assim, o mês de chuva galopa no calendário, e nas folhinhas fico vendo os dias a escoar, clareando uma evidência: tenho menos de um ano para entregar o documento provisório da tese, se quiser voltar para casa, definitivamente. E ainda falta tanto! Esta semana, fizemos a primeira formação com os nossos professores. Apesar de não ter conferido a avaliação deles sobre a atividade, os comentários são tão bons que anima-me para as próximas formações. Delineamos a recolha de dados da tese através de três formações: 1) Desenvolvendo o pensamento crítico; 2) Questionamento como estratégia de ensino e de aprendizagem e 3) Argumentação e construção de conhecimentos. A primeira, orientei-a eu, pois, não conseguimos a participação do Prof. Rui Vieira por três motivos: a internet do Brasil é péssima e fazer uma conferência à distância em pleno inverno é um risco. Outro problema era o fuso horário. A hora que é viável para Portugal é impossível para os nossos professores, cuja maioria tem a docência como segunda atividade profissional. E o maior impedimento: em Julho e Agosto, os professores portugueses estão em férias. E quando entram de férias, não atendem nem ao Papa. Estão certos. Trabalham duro o ano inteiro, produzem, dedicam-se. Férias são sagradas, tempo de descansar, renovar e curtir a família. O professor foi muito gentil e orientou-me no planejamento, me passou textos e permitiu o uso de sua imagem em uma palestra gravada. Infelizmente, tive que cortar uma parte do material, pois o tempo ficou curto; em compensação, os colegas participaram ativamente das discussões, demonstrando interesse e engajamento. Os meus colegas de trabalho são excelentes, verdadeiros parceiros desta jornada. Estou esperançosa que tudo funcione bem e o tempo seja suficiente para tantas atividades.

Mas, nem tudo são flores. Desde que regressei, tenho a impressão de que há uma fila de doenças se revezando para “atravancar o meu caminho” (Obrigada, Mário Quintana). São mazelas bobas, nada grave: uma infecção intestinal, uma crise de fígado, um resfriado. Depois, uma crise da doença mais chata do mundo e agora uma confusão hormonal. Não mata, mas, maltrata. De certa forma, parafraseando os velhos, ainda bem que eu vim morrer em casa. Pior seria, se pior fosse. O problema é que estes pequenos males atrapalham a concentração e a dedicação à leitura e a escrita, resultando em atrasos e chateações. Houve dias em que eu estava tão fraca que me apetecia mais ficar enrolada na cama à frente da TV, acompanhando os Jogos Olímpicos, com Luiza a brincar com os bonecos aos meus pés.

Minha primeira Olimpíada foi a de Moscou, em 1980. Apesar do boicote motivado pela Guerra Fria, foi impossível não se apaixonar pelo mascote, o Ursinho Misha. Foi a primeira vez que vi pelo ecrã da tv preto e branco a ginástica olímpica, a natação, o atletismo. O nosso fascínio pela ginástica era tanto, que eu e Vilma nos pendurávamos nos galhos do pé de seriguela no fundo do quintal, arriscando a vida num tombo vertiginoso até o chão coberto de musgos e ervas. Recordava disto, em meio a risadas, ao assistir fascinada à exibição dos maravilhosos atletas ucranianos no exercício das argolas com a mesma cara de esforço de quem toma um cafezinho no balcão do bar. Parecem até que nascem e se criam pendurados no ar, dando cambalhotas impossíveis com os seus corpos elásticos e perfeitos.

Gosto de esporte, apesar de ser uma preguiçosa convicta. Se algum exercício físico fizer, resulta unicamente da pressão de em evitar um infarto. Ou seja, vou porque é o jeito, mas não gosto. Há muitos anos atrás frequentei o judô. Mas, eu era a pior aluna do mundo, só dava para cair e arroxear os joelhos. Nunca fui de grandes esforços, prefiro a hidroginástica da terceira idade. Contudo, em todo lado que for, por mais fracassada que tenha sido a experiência, sempre aprendemos algo, e, foi no judô que me aproximei da filosofia japonesa. O povo japonês é fantástico, são os mais competentes em construir fusões de sucesso. Conseguem conciliar tradição e modernidade, aliam a simplicidade à elegância, estão quase sempre magros e longevos. Dos japoneses, só não gosto da comida: não sei como alguém consegue comer alga com peixe cru e arroz “unidos venceremos”, e ainda achar gosto naquilo. Para tudo, há um limite.

Nas primeiras aulas de judô, antes de sabermos caminhar direito no tatame, aprendemos com Jigoro Khano que “quem teme perder, já está vencido”. Infelizmente, essa máxima essencial para a vida, não é ensinada na escola e é tão mal vivenciada no esporte. Conversava com Tony sobre isso ao pequeno almoço: o atleta brasileiro, em linhas gerais, sofre de uma fragilidade emocional, que aflora principalmente se somos favoritos a vencer. Sei que Sannya e Izabel devem ter uma boa explicação para este comportamento. Talvez, tão acostumados a perder, tememos ver o mundo do lugar mais alto do pódio. É na pressão que aflora a síndrome de “vira-lata” citada por Lula, e, em frente aos olhos eletrônicos do mundo, caímos, erramos, não pontuamos e perdemos. Parece-me que falta um preparo emocional para além do preparo físico, do talento e da técnica. Por outro lado, não é concebível que um atleta se entristeça e faça cara de enterro porque ganhou a medalha de bronze, quando após si há cinco candidatos que se tivessem se esforçado só mais um bocadinho, chegariam lá. É estranho e contraditório: tem medo de vencer, mas se sente na obrigação de ganhar. É a perniciosa filosofia do Sidnelson (lembram daquela personagem pernóstica do comercial do Tênis Rainha?), que sentenciava: “Você não ganhou o segundo lugar, você perdeu o primeiro!” A cobrança exarcebada atrapalha o rendimento do atleta, do estudante, do candidato. O “já ganhou” tem um efeito devastador na concentração emocional para a disputa. Quantas vezes nós não perpetuamos esta concepção quando cobramos demasiado e valorizamos de menos o que fazem as nossas crianças?

Nordestinizando o pai do Judô: Quem tem medo de viver, nasce morto. Quem não se dispõe a errar, jamais saberá se realmente tem competência para realizar coisas. Ademais, quebrar a cara até que poderia ser esporte olímpico. Assim como a dor, a decepção é prova inconteste de que estamos vivos.

Até amanhã, fiquem com Deus.  
PS: Não sei porque não consegui colocar o video do Sidnelson. Quem quiser ver a peça, o título  é Sidnelson Ultra Fitness.

terça-feira, 19 de junho de 2012

Fechando as malas

Enfim, olho para o calendário com a figura de Nossa Senhora de Fátima e uma paisagem do amanhecer em Jericoacoara e, já é dia 19 de junho. Como diz Tony Neto, depois que passa, o tempo passa rápido. Faz 60 dias que contamos os dias para chegar amanhã. É que como aquele quadro célebre  do Gugu, "De volta para minha terra", amanhã vamos atravessar, finalizando a primeira etapa desta temporada portuguesa. Nem precisa dizer que estou com imensa saudade da minha gente, da minha casa eternamente em obras, da minha vizinhança simples, mas, muito humilde e solidária. Sinto falta do meu trabalho, dos meus colegas e dos meus alunos. Já é hora de voltar.

Temos aproveitado muito a oportunidade que a vida nos deu. Sair do Brasil e vir estudar em Portugal numa das 100 melhores Universidades do mundo é um privilégio. E fazer um doutoramento a tempo integral é um privilégio aumentado: a maioria dos meu colegas dividem-se entre o trabalho e o estudo, em cursos modulados. Apesar dos tropeços do início, cursei os créditos no primeiro ano, e o segundo ano foi dedicado ao desenvolvimento da primeira versão do embasamento teórico da tese e para a construção dos instrumentos de coleta de dados e dos modelos de intervenção, que serão aplicados no período de julho a setembro, na AESGA. Escolhi a instituição que trabalho como terreno da investigação como forma de retorno ao investimento que tem sido feito nesta formação. Vivo aqui à tempo inteiro para investigação com o meu salário de professora de ensino superior. Apesar de muita gente achar que vivo nadando em dinheiro e sem nada para fazer, a realidade é exatamente o contrário: a Europa está atravessando uma profunda crise econômica e hoje, diferente de 12 anos atrás, quando o meu orientador e sua esposa trocaram o Brasil por Portugal, não há disponibilidade de bolsas de estudo, principalmente para estrangeiros que tenham alguma fonte de renda. Assim, temos contado as moedas para manter-nos. Além disso, há que se dedicar muito tempo à investigação. Ninguém pense que vem para uma Universidade européia, e que vai poder fazer as coisas à meia boca. É necessário sentar-se e gastar o tempo em estudar, principalmente para reduzir as deficiências da formação. Assim, acostuma-se a passar 7 a 10 horas diárias, sentadinho na cadeirinha, estudando. No início o corpo dói, a cabeça gira, há mil e uma coisas mais interessantes para fazer do que ler uma carrada de artigos e escrever uns tantos outros.  Mas, faz-se o hábito. Afinal, vim aqui para isso.

Terminou também o ano letivo para Luiza, que concluiu com avanços significativos o 3º ano. Desenvolveu muito bem a leitura e a escrita, além de ter alcançado grandes progressos na matemática. Para quem chegou aqui, como diria minha mãe "puxando uma cachorra", mesmo tendo concluído o 2º ano no Brasil, inscrita novamente no 2º, só conseguia média 60 em matemática, alcançar média 82 é uma melhoria importante. Está estudando bem inglês, embora escreva melhor do que fale, e continua gostando muito de estudo do meio, uma junção de Geografia, História e Ciências. Acostumou-se com a ginástica, muito mais puxada que no Brasil; adora as ciências experimentais e a música. Convive bem numa escola multicultural. Na sala de Luiza só falta um Russo para ser a miniatura do BRIC - Luiza é do Brasil, Ayat é da Índia. Nuno Hong e Angelo Wong são chineses. A professora Purificação aproveita-se da diversidade e promove o intercâmbio de saberes entre os meninos. No final, todos saem ganhando. Só não teve acordo com o xadrês: odeia! Quando o professor não está olhando, as meninas passam o tempo a inventar histórias românticas com os cavalinhos e peões. Participa atividades extra, como o cortejo das energias renováveis, manifestação pública das escolas do agrupamento para desenvolver uma consciência ambiental sustentável. Outro dia, estávamos estudando, e ela veio com os símbolos da nacionalidade. Disse-me solenemente que iria cantar o hino do nosso país, e tascou, desentoada: Às armas, às armas, sobre a terra, sobre o mar..." Interrompi a cantoria: "Ei, que hino é esse?" ela respondeu-me como seu eu fosse uma totó: "É o hino do nosso país, né, mãe!!!" Expliquei que esse era o hino de Portugal, o do Brasil é outro. Ela interrompeu: "então o hino do Brasil é: 'Alto padrão de civismo e de glória, templo sagrado de luz e saber...'" Expliquei entre risos que esse é o hino do Colégio Diocesano, onde ela estudou até vir para cá. Minha filha anda a fazer confusões, entre outras coisas, com o parlamentarismo e o presidencialismo. Ainda tentei ir explicando as duas realidades, mas desisti. Quando voltarmos definitivamente, ela conseguirá destinguir melhor, com a vantagem de conhecer outra cultura.  

Gosto de Portugal. Não estou aqui contrariada e cumpro à risca o juramento que me fiz um dia de somente sair de Garanhuns para viver em um lugar melhor. Espero que a nossa cidade chegue um dia a ser como Aveiro: limpa, organizada, educada e elegante. Uma cidade pequena, mas que tem tudo, onde não andamos nas ruas com medo, onde os condutores param na passadeira, no cumprimento das leis de trânsito, esperando o pedestre atravessar. Uma cidade com uma Universidade realmente universitária, onde não importa de onde você vem, nem como se veste. A efervecência criativa da produção do conhecimento é tão grande que não importa se a pessoa está de chinelos e bermuda, de véu ou de sari. Importa mais as contribuições de cada um para a partilha de saberes. Não há tempo para miudezas.  

Viver fora do seu lugar é uma aprendizagem de amplo espectro: aprende-se de tudo e em todos os lugares. Aprende-se sobretudo a observar para tentar fazer as coisas mais certas o possível. Defendo arduamente o direito do estrangeiro em cometer uma ou outra parvoice, afinal, por mais semelhanças que tenhamos, são culturas absolutamente diferentes, para além do que o Prof. Fernando Ramos classificou como "dois países irmãos separados por uma língua." Com o tempo, vamos aprendendo a entender e comunicar melhor. A convivência ensina que o abuso dos portugueses é apenas o jeito deles, e vamos aceitando-os da maneira que são. Quando me dão uma resposta brusca a troco de nada, dou risada, até porque um  português com a simpartia mulata e a cordialidade indígena é um brasileiro legítimo.

Deixamos alguns amigos, um T0 fechado com uma parede coberta por desenhos. Ficam também alguns livros, roupas e brinquedos. Voltaremos em finais de setembro, junto com as gaivotas.

Até amanhã, fiquem com Deus.

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Doidos

E na hora de começar a escrever o texto, as palavras fugiram, a correr dos meus dedos... Uma lousa branca, sem palavra nenhuma. Talvez seja o contrário da loucura, que para mim são muitas ideias embaralhadas. Há um ditado que diz: "de médico e louco, todos temos um pouco", é uma boa maneira de aceitar que é necessário algum desequilibrio para manter-se (in) sano neste mundo. Quem é muito certinho, muito contido, muito previsível é uma bomba relógio ambulante. Por isso, não se espante se aquele espécime que não erra nunca acabar chutando o pau da barraca. Pessoas não foram feitas para ser esticadas em bastidores, e os nosso bordados cotidianos sempre são um pouco imperfeitos, nem que seja o avesso.

A vida por si só, já é uma imensa fábrica de doidos. E nestes tempos de comunicação em tempo real, multiplica-se este potencial produtivo. Para além da seriedade do sofrimento da loucura, prefiro a comicidade da doidice, pois com doença não se brinca. Mas, há alguns casos que seriam trágicos, se não fossem cômicos. Quem não tem na sua história de vida um doido na vizinhança? A desilusão, a vergonha, a tristeza e a pobreza são fórmulas eficazes de converter uma cidadão aparentemente normal em um doido de rua ou doido na rua. Ainda muito cedo, no Magano, mamãe nos dizia para termos cuidado com os doidos pois não se sabe como eles irão agir. E quando corriamos de Ester Barroada, com a cruel  indiscrição infantil, mamãe dizia áspera: "Acabe com isso, essa coitada não faz mal a ninguém." Assim, ficávamos sem saber ao certo de quem deveríamos correr. A pobre Ester tinha sido uma mulher rica, com casas de aluguel. Uma traição roubou-lhe a beleza, a fortuna e a sanidade.Ficou apenas ela e dois filhos também loucos em um casebre, criavam porcos no quarto contíguo, e o menino pequeno conversava com os bichos, embora nunca tenha falado com gente. Um universo paralelo escupido pela miséria. No caminho da escola encontrávamos sempre Bode Cheiroso, uma alcoolico de rua, com uma história de abandono parecida com a da Ester. No meu romantismo infantil, eu achava que seria uma boa solução se eles se  casassem. Por lá sempre dizem que "o remédio de um doido é outro na porta".

Minha mãe tinha razão de alertar-nos sobre as dificuldades de convivência com os lunáticos. Somente muitos anos depois, já adulta, entendi que o João Bola Murcha era um pedófilo. E nós, meninas pequenas convíviamos com aquele sujeito, que hoje sei o quanto ele é (ou era, nao sei se é vivo, nem quero saber) esqueroso. Se inocencia é perigosa, a distração também o é. Numa ocasião, ao sair apressada do trabalho para a escola, esperava no ponto do autocarro, um doido chamado Jerimum cismou com a minha cara e deu-me um murro no antebraço. Passei vários dias com um hematoma enorme no membro magoado. Creio que foi neste dia que desenvolvi a minha fobia dos doidos de rua. Eu tenho a absoluta certeza, que como os besouros, eles tem marcação comigo. O querido amigo Geovani Melo diz ter: "um pára-raio para doidos em pleno funcionamento". É tanto, que um dia, Geovani e Tony esperavam o autocarro na paragem à frente do Hospital da Providência (Hospital psiquiátrico de Garanhuns) e dois internos observavam a rua do janelão fortemente gradeado, começaram a chamar-lhes a atenção: "Ei! ei! doido!" Enquanto os dois jovens discutiam a quem os malucos chamavam, um lá definiu a parada: "Ei, doido de verde." Às gargalhadas, perceberam que os internos chamavam por Geovani, vestido numa t-shit verde. Pois, eu sou tal e qual. Outro dia quando ia buscar Luiza na escola, um maluco aveirense que anda pelas a discursar em alto e bom som contra o Governo e a Troika, estava fazendo um comício bem no sinal. Vi-o de longe, mas decidi enfrentar a situação pois estava atrasada, não dava para dar a volta no quarteirão para evitá-lo. Quando atravessei a passadeira, ele tascou, apontando para mim com o dedo em riste: "E fora os estrangeiros quem estão em Portugal a roubar os nossos empregos!" Me encolhi toda e apressei o passo, o doido era Xenófobo! Pensei até em correr, mas não ficava bem. Por via das dúvidas, deveria correr pois "doido não tem juízo". Para minha infelicidade, outro dia entrei num supermercado, e lá estava ele, a discursar contra os empresários "todos ladrões". Ninguém merece.

Caetano Veloso explicou muito bem : "De perto, ninguém é normal". E a maior concentração de doido por metro quadrado está nas universidades. A doidice acadêmica atinge indistintamente o corpo docente, os funcionários e alunos. Excluindo aquelas situações que são caso de internação, as instituições de ensino superior formam um agradável e divertido assentamento de malucos. Na AESGA temos uma piada interna sobre a doidice do docente. Numa reunião do Conselho Acadêmico da FAGA, Prof. Elpidinho chegou com esta: o aluno comentou em plena aula de matemática financeira que para trabalhar na AESGA tem que ter três carimbos de doido. É, a doidice deve ser certificada.  Deste dia em diante, ao nos deparar com algum desvairado, nos perguntamos: "Quantos carimbos tu achas que ele tem?" Às vezes nós, os professores, somos vítimas da crueldade dos alunos. Esperávamos o professor novato, recém concursado. E no primeiro dia, o sujeito atrasou-se. Fomos para a porta da sala, olhar o movimento do corredor de baixo, pois a UPE tem uma arquitetura que favorece a "olhadinha". O professor veio, educadamente disse: "Boa noite", e passou direto, à procura da sala. Dimas sussurou: "esse é o cara", identificando no primeiro contato que o mestre cheirava a talco de bebê. Ficamos parados, olhando ele ir até o final do corredor. Na volta, cumprimentou-nos educadamente, com uma voz profunda, e passou direto para o outro corredor. Ficamos contendo as risadas. Pouco depois, ele volta. Nos cumprimenta pela terceira vez, e passa direto mais uma vez. Neste meio tempo, Evaneide chega a porta e pergunta impaciente: "Cadê o professor?" Dimas, responde divertido: "Tá aqui, passeando e cheirando a talco de bebê." Bispo completou: "Já passou aqui três vezes". A caminhada só foi interrompida quando a colega pulou na frente dele e disse: "Ô professor, o 7º de Geografia é aqui!" Aluno é mesmo a imagem do cão. Passamos um tempão tratando-o secretamente por "azualdo", em alusão a azuado, doido. Com a convivência, Prof. Josualdo se revelou um excelente profissional e uma boa companhia para as viagens. Hoje, somos colegas de profissão.          

O ministério da saúde deveria advertir: "o excesso de informação provoca doidice". Eu mesma ando meio perturbada estes últimos dias. Como Augusto dos Anjos, tenho visto couro de rinocerontes nestas árvores aveirenses. Quando estamos sós, as doidices afloram. E tudo parte da mania que tenho (e mania não é nada saudável) de interpretar as reações dos outros, pois o que vemos, pode ser tudo e pode ser nada. Ou pode ser alguma coisa que não poderá nunca vir a ser. Portanto, prefiro aceitar que tive alucinações, e, o que vi ou pensei que vi, não passou de uma miragem neste deserto povoado que atravesso. Nem de longe pretendo me transformar no Negão da Engenharia, o fulano lá no Magano que endoidou de tanto estudar. Se for para escolher um tipo de doido, prefiro o Joinha, o que amava as flores.

Tenham juízo à medida!
Até amanhã, fiquem com Deus.     

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

O novo pai

http://casih.blogspot.com/
Na última sexta feira houve o seminário do segundo ano do Doutoramento. A proposta foi muito interessante: para monitorar o andamento dos nossos projetos, os estudantes do 2º ano (nós) apresentaram os projetos e o estado atual do desenvolvimento da tese aos estudantes do 1ª ano que ainda estão por começar os projetos de investigação.  Cada doutorando dispôs de 20 minutos para comunicar sua proposta e seus progressos, bem como os impasses na construção da investigação.   Foi uma excelente oportunidade para reencontrar os amigos e colegas, que fazem uma falta danada nesta fase de trabalho solitário. Alguns, de tanto vê-los somente no mundo virtual, já estava a me convencer que aparentavam a resolução de 14 polegadas do meu ecrã. Alguns estão mais magros e um, assustadoramente mais magro, quase peso pena. Se fosse meu filho, entrava em regime de engorda rapidinho. Uns muito queridos, aos quais sou grata pela feliz oportunidade de conhecê-los. Outros, nem tanto.  Na apresentação, usei no Powerpoint uma foto de um girassol feita por Valber, que ao fundo vislumbra-se a Catedral de Santo Antonio. Mesmo temendo que a imagem ficasse muito carnavalesca, a imagem adequava bem ao sentido de partilha da nossa proposta de desenvolvimento de pessoas em Comunidade de Prática. 
Apesar de não estar muito bem naquela tarde em que a luz do sol feria meus olhos e pesava ainda mais a minha cabeça de enxaqueca, fui lá e disse o que ando a fazer. Foram muitas apresentações, cada uma melhor do que a outra. Meus colegas são os melhores. Contudo, aguçou-me a atenção um pedaço de conversa que acompanhei antes de iniciar a sessão. Cheguei cedo, pois a minha apresentação estava marcada para as 15hs, hora que a turma do 1º ano, que passara a manhã inteira a conhecer os professores orientadores, retornou do intervalo almoço. Acho que por artes da letra "A" de meu nome, fui escalada para ser a primeira. No hall do Departamento de Educação, encontrei o Ricardo, o único homem da nossa turma. Entramos na sala de seminário juntos e o (Prof.) Luís já estava lá. Enquanto eu ligava o Vermelho no projetor  e localizava a apresentação, eles conversavam... sobre os filhos! Nada poderia ser mais surpreendende do que dois homens jovens, bonitos, profissionais bem sucedidos a compartilhar ideias sobre crianças. Já havia comentado com a Fátima Kanitar após um café na Reitoria, que há uma emergência de um novo perfil de pai. E, apesar disto merecer uma investigação séria (se ainda não houver!) para não ser especulação de quem vive olhando a vida dos outros e tentando entender os comportamentos através dos retalhos públicos que nos doam, penso que este novo pai é uma feliz tendência dos nossos tempos.

Não posso refletir fundamentada em experiência própria, pois a missão do meu pai foi concluída quando ele tinha apenas 44 anos. Eu tinha 5 anos quando ele desencarnou, e minha mãe assumiu e deu jeito a situação caótica em que ficamos. Portanto, baseio-me tanto em leituras de sociólogos sérios, como Gilberto Freyre, quanto no que vejo nas vivências alheias. Na sociedade patriarcal pernambucana o modelo do pai era o provedor, aquele que mantinha a família e não se envolvia em detalhes domésticos. Isso era coisa de mulher.   Lembro-me que Ariano Suassuna disse em uma aula-espetáculo que participamos há muitos anos atrás, que no Nordeste do Brasil a cada quilômetro que nos distanciamos do litoral, onde estão localizadas as metrópoles, o comportamento social é visivelmente mais agarrado às tradições, e muitos pais de hoje ainda são assim: frios, distantes, que calam com um olhar. Estes, raramente se permitem um abraço, um carinho. Renunciam ao exercício do amor, forçados por convenções sociais.

De uns tempos para cá, o  pai começou a conceder-se o direito de participar da educação dos filhos. O pai que ajuda é aquele que está presente e que auxilia, mas que o protagonismo na formação da criança é da mãe. Como disse, ele ajuda mas não assume responsabilidades. A última palavra é sempre da mãe, mesmo que ele acredite que tem poder de decisão. Muitas vezes, acham que é até conveniente portar-se assim, pois, as necessárias medidas pouco populares são tomadas pela mãe ou sua substituta, que pode ser a nova esposa, uma tia ou a avó da criança. Olhando pelo lado positivo, não deixa de ser um avanço.

O novo pai não é essencialmente um pai jovem, pois esse comportamento independe da idade. Mas é um pai que acompanha o desenvolvimento de sua cria e aprende com ela, agregando estas experiências a sua vida. Este homem teme pelos exemplos que oferece aos seus filhos nas suas escolhas cotidianas, e por isso, cuida-se melhor, porta-se bem à medida do possível e busca um mundo mais limpo, mas sustentável, mais justo para seus filhos. Este pai discute com a(o) parceira (o) os valores e as crenças que sustentam a formação moral dos seus filhos. O novo pai partilha o cuidado das "ites" (otities, faringites, amidaligtes...), leva ao parque de diversões e roda no (terrível) carrossel, vai às reuniões na escola, ensina as tarefas, explica o significado das palavras. E sabem dizer não, e ser firmes quando necessário. Também perdem a paciência, erram. Isso é humano e o novo pai não é um super-pai, como também não é somente um pai presente, mas é um pai em ação.

Talvez você mulher que está lendo esteja a pensar: "isto não existe!" Pois, a boa notícia é que este pai é cada vez mais frequente. Mas, para que essa nova paternidade se manifeste é preciso uma mudança de comportamento dos pais e das mães: é necessário educar homens responsáveis e conscientes de seus deveres, pois não é admissível agir como bovinos reprodutores, que espalham seu DNA inadvertidamente por todo lado, e a genitora que tome conta. Afinal de contas, filho é responsabilidade para dois, independente do gênero do casal ou da condição do casal, pois, mesmo que separados, o pai pode ter atitude de novo pai, pois, ex-marido, ex-namorado ou ex-ficante existem, mas de ex-pai, não se tem notícia. É para toda a vida. Para quem é pai e para quem será pai é oportuno lembrar que enquanto há vida, há condições de ser melhor. Depois, ficam apenas as memórias. Às vezes, nem elas.

Deus é sempre muito generoso e nunca nos tira alguém e nos deixa no prejuízo. Comigo, Deus provou a sua generosidade, dando a minha filha o pai que não tive oportunidade de ter. Um misto de sorte e recompensa.

Pensem nisso. 

Até amanhã, fiquem com  Deus.

domingo, 3 de julho de 2011

Educação em tempos de crise

No último dia 01.07 estivemos na Escola da Glória para o resultado final de Luiza. Como vocês já sabem, fiz aquela manobra de matriculá-la novamente no 2º ano, embora tivesse o direito legal de matricular no 3º ano. Penso que optar pela aprendizagem em detrimento do direito foi uma boa opção. Luiza progrediu muito nos últimos meses, tanto na escrita, quanto na matemática. Não é que a antiga escola seja ruim, é que o sistema educacional brasileiros é deficiente, e isso não é novidade nenhuma. É que aqui há um investimento maior em educação, mesmo em tempos de crise. E as dferenças são drásticas, a começar pela filosofia e organização da escola básica.

Apesar da possibilidade de oferta de ensino particular, a educação básica é majoritariamente pública. Ou seja, nas escolas públicas convivem filhos dos portugueses ricos, dos portugueses pobres. E dos imigrantes, ricos e pobres. Todos tem o mesmo ensino, e, as mesmas possibilidades de aprendizagem. O horário das aulas vai das 9h às 17h45min, numa jornada ampliada, que favorece ao desenvolvimento de várias atividades além do estudo da matemática, língua portuguesa e estudo do meio. Os miúdos fazem visitas técnicas em vários pontos da cidade, recebem visitas especializadas. Fazem atividades de ginástica, ingles, ciências experimental, música e artes e palco. Outro dia, Luiza chegou em casa encantada com uma aula-passeio sobre azulejos. E eu, também.  E a informática? está integrada em todas as disciplinas, pois a ideia é que os meninos usem os dispositivos móveis (laptops) interligados à internet para atividades colaborativas, com o uso do Magalhães, o laptop escolar português. O de Luiza chegou essa semana.  

Esses fatores são vantagens em relação a educação brasileira que está muito focada em preparação para exames. Seguindo as diretrizes da União Européia, a educação deve ser uma oportunidade para o desenvolvimento de competências. As salas de aula são compostas por 20, 26 alunos. As mesas sao conjugadas, e os meninos trabalham geralmente em duplas. A mesa da professora fica atrás dos alunos e não na frente, como nas salas de aula tradicionais. Um quadro de giz, um aparelho de som, um computador fixo e muitos livros na estantes. Um aquecedor ajuda a manter uma temperatura adequada no inverno. Na parede próxima à porta, um cabideiro enorme onde eles costumam esquecer os casacos mais pesados.  No outro lado, um armário onde cada aluno tem a sua gaveta com o material: livros, cadernos, uma lata com lápis de cor, lápis de escrever, hidrocor. Nas outras paredes, muitos desenhos coloridos feitos pelas crianças ao longo do período letivo.

Os meninos chamam a professora pelo nome. Nem tia, nem professora. A professora de Luiza é Puri, diminutivo carinhoso de Maria da Purificação. Ela, uma senhorinha de 57 anos, já com tempo de serviço para solicitar a reforma (aposentadoria), elegante e animada, recebe o carinho dos meninos, que disputam aos empurrões o privilégio de carregar-lhe os livros e a bolsa. Tão diferente dos nossos professores esfalfados que quando chegam às vésperas da aposentoria não suportam mais nem ver os alunos, e às vezes precisam ser readaptados, doentes  e desesperançados.

Nem tudo são flores. Em tempos de crise, as constantes modificações nos planos de carreira dos professores assombra os profissionais que estão temerosos em relação ao futuro. Na reunião de final de ano, os pais entram na sala de aula e ocupam os lugares dos filhos. A professora vai de mesa em mesa, mostrar os resultados e fazer as últimas recomendações. Perguntei a Puri se continuaria no próximo ano letivo. Ela esclareceu-nos que dependeria das reformas do governo, pois, não poderia arriscar os direitos de sua aposentadoria... Mas, provavelmente, ficará até o final do 3º ano desse grupo. Isso gerou uma discussão com os demais pais que estavam aguardando a vez do seu atendimento. A crise já atropelou o ensino técnico, que cortou os benefícios dos alunos, que recebiam uma ajuda de custo para o transporte e alimentação. Vai cortar os professores contratados. Cortou a bolsa de 3.000 doutores no primeiro dia de exercício do novo governo. E muita coisa ainda vem por ai.

Apesar dessas previsões tão negativas, tem sido uma excelente oportunidade para nós frenquentar escolas portuguesas. Como somos estudantes a tempo integral aproveitamos a nossa disponibilidade para aprender o máximo possível. Se Deus permitir, Luiza continuará na EB1 Glória, e eu, na Universidade de Aveiro, em busca do conhecimento que nos fez atravessar o mar.

Saudades de hoje: de todas as escolas de Educação Básica que trabalhei, e de minhas amigas professoras, as quais admiro mais a cada dia.

Té manhã, fiquem com Deus.


    

terça-feira, 3 de maio de 2011

Mãe

Domingo passado foi o dia da mãe em Portugal. Interessante como essas datas não batem com o calendário brasileiro. O dia do Pai foi em 14 de março e o da mãe uma semana antes do nosso segundo domingo de maio. Outra coisa curiosa é como se referem a esta data: aqui é dia DA MÃE e dia DO PAI. Nada no plural, isso é coisa do mundo multi-brasileiro.

Domingo fomos passear na cidade sob um céu nada amigável. Nestes últimos dias tem desabado aguaceiros como os do Recife, dos quais eu não tenho a mínima saudade. E olhe que Aveiro tem áreas que também alaga. Essas cidades-Veneza tem esses pequenos problemas. Luiza me comprou um presente, uma camiseta amarela com macacos estampados, ela mesma foi lá, pagou e trouxe o presente, orgulhosa. Nestes momentos, discutíamos a diferença dos termos, singular português e plural brasileiro. "Talvez seja porque mãe só tem uma por aqui, né mãe?", sentenciou a pequena. Concordei, mas me pus a pensar no caso. 

Naturalmente, o Brasil tem suas características multi, e  é justamente o que o faz único: Essa Babel tropical reinventa-se a cada dia. E esse dia DAS MÃES deve ter a suas raízes antropológicas. Lembrando do tempo que passei entre os índios (Fulni-Ô, em Águas Belas, e os Xucurus, em Pesqueira), aprendi que estes tem um modo todo especial de lidar com os filhos, não limitando-se aos registros nos livros de Darcy Ribeiro e Florestan Fernandes. Como vivem em comunidade (apesar dessas populações já há muito tenham sido anexadas a sociedade nacional e até atravessadas por ela), as crianças ainda são patrimônio do grupo. Quando se tem um filho, a responsabilidade pela educação e o cuidado, não é somente da mãe e do pai, mas de todos os mais velhos que tem a incumbência de perpetuar as tradições já tão desgastadas. A escola também tem uma responsabilidade com a educação dos pequenos, hoje existe legislação especifica para a educação indígena, planejada e executada pelos próprios, e não uma educação para o índio, arquitetada nos gabinetes sombrios da capital. Os povos tradicionais são mais pacientes com suas crias, menos estressados com as suas experimentações do mundo. Lembra-me o modo leve que Nell toma conta dos filhos, sem muita neura de mãe enlouquecida com os germes, os vírus e as pestes pós modernas.

Essa coisa de ser plural chega atinge a nossas práticas sociais, não se restringe a um termo, um modo de falar. Quem, em sua trajetória pessoal, não tem aquela que lhe acolheu e lhe tratou como mãe? Depois que minha mãe se foi desse mundo, encontrei uma Mãe Honoris Causa. MhC Genésia é aquela que me apoia, me ouve, e me puxa as orelhas quando necessário, além de ter me acolhido na sua família. Por isso que para mim, domingo que vem é dia DAS MÃES,  com todo plural e toda gratidão a que tenho direito.

Saudade de hoje: Do Prof. Edson Hely, da UFPE,  bravo orientador dos meus primeiros passos na produção científica, e que me ensinou muito sobre os povos indígenas. 


Té manhã, fiquem com Deus!