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domingo, 19 de julho de 2015

Mais-valia

Um dos ditos populares que eu mais gosto é "cada um sabe de si", pois traduz exatamente , e com extrema simplicidade, a relatividade das coisas. O que pode ser bom para mim, pode não ser para o outro. Mas, uma coisa é certa: é necessário pesar e medir, além de colocar-se no lugar do outro para viver na prática o senso de justiça que muitas vezes professamos em altos brados, mas, de boca pra fora. 

Nestes últimos dias tenho refletido muito sobre as relações de trabalho e suas nuanças. A bem da verdade, três fatos despoletaram as minhas elucubrações acerca do termo "mais-valia" proposto por Karl Marx: 1) a situação funcional da nossa empregada doméstica, 2) a extinção do recesso do FIG para os professores que tem parte de suas cargas horárias em serviços administrativos, na escola em que trabalho, 3) Um convite de colaboração à uma Universidade particular. Começando pelo começo: as leis trabalhistas deram uma volta de 360 graus na vida de patrões e empregados domésticos, obrigando o cumprimento das leis quanto a garantia do direito trabalhista. Juro que tentei, mas, a carga tributária encarece imensamente o trabalho da doméstica, de forma que, seguindo a maré, convidei a nossa colaboradora a uma conversa para revermos o seu contrato, uma vez que não consigo cumprir com as obrigações patronais. Afinal de contas, não somos empresa com fins lucrativos. Pagar salário (e tributos) quando se é assalariado é difícil. Hoje em dia, só tem empregado doméstico quem pode MESMO. Além disso, chega a hora em que precisamos refletir se realmente existe uma necessidade da colaboração. Quem tem menino pequeno, deve cortar um dobrado, mas, a minha já está uma moça, além disso fizemos um estágio de sobrevivência na Europa, onde empregado doméstico é artigo de alto luxo. Ninguém morre por cuidar da própria vida, e o plano é contar somente com a colaboração de uma diarista, eliminando os vínculos empregatícios. Como diria minha mãe, "em terra de sapo, de cócoras com eles." Tenho certeza que não sou a única que se encontra nessa encruzilhada. 

No segundo fato, perdemos o recesso da escola, embora eu tenha argumentado da importância do trabalhador da educação ter um tempo técnico para organizar as ideias. Na verdade, meus argumentos não têm lá muito peso na gestão da IES, mas mesmo assim, o vício em reivindicar não me permitiu exercitar o direito de ficar calada. E essa semaninha do FIG nos fará imensa falta. Para o trabalho do professor ser bem sucedido é necessário desenvolver a criatividade. Este aspecto é alimentado a partir das aprendizagens, nomeadamente, na construção de saberes que não estão diretamente relacionados com o objeto de trabalho. Ou seja, quando aprendemos coisas que não tem nada a ver com o que trabalhamos, desenvolvemos capacidades de mobilizar saberes para enfrentar novas situações, através da inovação. Infelizmente, os tribunais de contas da vida não têm a capacidade de perceber as especificidades laborais, e joga todo mundo no mesmo balaio que eleva o "bater o ponto" ao aspecto mais importante da vida do trabalhador. Educação com qualidade se faz com educação de qualidade. A repetição de velhas fórmulas desgastada somente favorecem o comodismo. De qualquer forma, "manda quem pode, obedece quem tem juízo." Assim caminha a humanidade.

O terceiro fato, lembrou-me um texto escrito pelo colega José Maria Leitão, quando fazíamos mestrado. Em linhas gerais, o texto relacionava o valor da hora-aula dos professores com a hora laboral cobrada por outros trabalhadores, como os prestadores de serviços. O colega, de forma bastante bem humorada, relatou no texto que, numa manobra de trânsito, o seu veículo havia sido atingido e amassado de leve o para-choques traseiro. Quando levou ao conserto, ficou impressionado com o valor cobrado pelo lanterneiro. No mesmo dia, deveria levar um saco de estrume para adubar o jardim, daí, foi inevitável comparar o preço do serviço do lanterneiro, da bosta de boi e da hora-aula do professor da rede pública estadual. Pois, esta semana, a tubulação do nosso banheiro resolveu entupir. Quando utilizávamos o chuveiro, a água ficava empoçada, e demorava uma eternidade para escoar. Recorri a Ilma, que conhecia um homenzinho que fez um serviço parecido na casa dela. Contatos feitos, 'Seu" Miguel veio à nossa casa, e com uma super engenhoca aspiradora, sugou o que estivesse impedindo a passagem da água a partir da caixa de gordura. Cobrou-nos 375 reais, por mais ou menos 45 minutos de trabalho, sem sujeira, sem quebrar nada, sem estresse. Foi caro, mas, ficamos satisfeitos, afinal como diz Tony: "eu não saberia fazer". Então, foi inevitável relacionar com a proposta que me foi feita por uma unidade universitária para um serviço. Um dia de trabalho (e não era qualquer dia, era um sábado, em que até taxista cobra bandeira 2), das 9h às 17h, com a gratificação simbólica de 300 reais. Então, comparei o meu trabalho com o de "seu" Miguel e cheguei a triste constatação que o companheiro José Maria Leitão chegou na sua experiência, brilhantemente relatada há mais de 10 anos: o trabalho intelectual não vale nada. E se for relacionado à educação então, a situação é gritante. Na última vez que cumpri a penitência de pintar cabelos (agora já não é mais uma diversão: é obrigação, pois os pratinhas começar a fazer minha cabeça!) Kátia, cabelereira-e-professora-de-português da rede estadual pernambucana, me mostrou um vídeo de um sujeito fazendo uma conta, comprovando que é melhor ser pedinte do que ser professor. O sucateamento da profissão é tão evidente, que outro dia, a Professora Edilma me dizia que se um filho dela inventasse de ser professor, levava uma sova. A mais-valia de Karl Marx, da exploração do homem pelo homem aplica-se com crueldade ao cotidiano dos professores, seja de forma explícita, como na rede estadual pernambucana, seja na forma implícita, e não menos cruel, como o corte de verbas destinadas à pesquisas, pois corta-se o investimento mas não se reduz em um milímetro as exigências aos docentes, transformando o professor de ensino superior num refém do Currículo Lattes.

Tratando a educação como negócio, busca-se aumentar as margens de lucros. E os interesses dos trabalhadores são relegados a segundo plano. Talvez estejamos militando em uma profissão em extinção. Nesse caminhar, pergunto:quem irá ensinar os seus filhos a ler?

Até amanhã, fiquem com Deus.
        

domingo, 7 de dezembro de 2014

Alunos felizes, professores também.

"Sou feliz só por preguiça. A infelicidade dá uma trabalheira pior que a doença: é preciso entrar e sair dela, afastar os que nos querem consolar, aceitar pêsames por uma porção da alma que nem chegou a falecer."

(Mia Couto, In: Mar me quer, p. 9)  


Então, apesar de ter demorado muito, dezembro chegou. Confesso que gosto mais da nossa (des)organização do ano letivo tropical. Nunca me acostumei com aquela coisa de terminar o ano no meio do ano. Com o ano letivo de fevereiro (a depender do carnaval, obviamente) à dezembro, temos uma melhor definição de temporalidade. Além disso, o tempo vai esquentando e a cada manhã aumenta-nos a vontade de que chegue logo o dia de nos estirarmos ao sol em alguma areia branca. Praia aqui é o que não falta, há para todos os gostos e bolsos. Mas, antes do game over letivo, existem as avaliações. E não é de hoje que eu digo que a avaliação é o calcanhar de Aquiles de todo professor. É no processo de avaliação, seja ele classificatório, sumativo ou formativo, o professor precisa estar preparado para as contrariedades. Elas fazem parte do nosso métier. 

Este ano, apesar da sala de aula ser quase o meu habitat natural, não pude reclamar de excesso de trabalho. Como estava concluindo o doutoramento, ganhei o prêmio de ter carga horária reduzida. Com apenas três turmas no primeiro semestre, e duas turmas no segundo, foi até possível fazer uma avaliação bem cuidadosa, apesar dos espinhos da minha área. Como as minhas disciplinas são procedimentais, eu recebo a encomenda (projeto, relatório, plano de negócio, monografia, o que seja o da vez) e tenho que arrancar o resultado do aluno no final do semestre. Ou seja, trabalhamos com vistas a construir um produto, de modo que às vezes me deparo com a cópia de trabalhos, seja total ou parcial. Além do calvário que é arrancar do estudante de graduação uma coisa com "cabeça, tronco e membros", como diria Genésia, amiga, companheira de profissão e mãe honoris causa, tenho que saber lidar com os espertinhos, que acham que o professor de metodologia é um paspalho que qualquer acadêmico recém-nascido pode passar a perna. E nessa batalha, já me formei e dou diploma. Na verdade, estou cansada de correr atrás de imbecis que acreditam que copiar o texto alheio é um bom negócio. Afinal, como disse o nosso colega Dr. Enéas: "Pensam que enganam a quem?"  Na verdade, já aprendi (e me convenci) que há dois grupos de estudantes: 1) O que quer aprender, 2) o que quer passar. Com o primeiro grupo, aprendo a cada dia, com o segundo, posso até me agastar temporariamente. Mas, depois acabo esquecendo, pois é tão miúdo que não merece nem a lembrança. Prefiro falar do primeiro grupo, que, infelizmente, é minoria.

Esse ano, abracei um desafio imenso para alguém nascida e criada na área das ciências humanas: trabalhar elaboração de projetos de pesquisa num curso de Engenharia Civil. Houve momentos que eu ficava insistindo com os meninos para que eles me explicassem melhor o que queriam dizer. Foi um exercício extremamente difícil na primeira turma. Até porque, me pondo no lugar dos estudantes, como acreditar numa professora que não sabia que viga de concreto tem alma? E que as construções sofrem patologias, inclusive podem apresentar recalques? A professora nem sabia que existe um tempo diferencial para a cura do concreto. Para mim, até aquele dia, a cura relacionava-se ao processo saúde-doença, pois já ando há algum tempo aperreando com as normas da ABNT aos estudantes de Administração Hospitalar. Então, estou aprendendo a falar o "engenhariês", e confesso que é bem mais difícil de acertar que o "juridiquês", onde passei dois anos de minha vida, atanazando o juízo dos futuros operadores do direito, antes de largar tudo e vivenciar a temporada portuguesa. A própria metodologia é complicada, pois trata-se de ciências exatas, e todas essas coisas de laboratório, dos quais nunca passei nem perto. Com todas as dificuldades, mais confiantes na linguagem e apoiada no talento dos estudantes, com a segunda turma obtive bons resultados, inclusive com aquele aluno bipolar que trazia um tema de pesquisa por semana. E nesta turma aconteceu-me algo particularmente interessante:  Fui professora de um professor meu. O mundo seu suas voltinhas, e o sujeito que me ensinou matemática na sexta série (na época, falava-se assim), foi meu aluno no 8º período de Engenharia Civil da FACEG. Todas as segundas, eu pedia aos Deuses que ele não lembrasse de mim, pois nunca fui boa com as matemáticas, além de que no período do Adventista, eu era uma peste. Sempre fui muito questionadora, e a adolescência não foi o meu período mais ameno. Somente no último encontro presencial, revelei o fato à turma inteira, e o colega-aluno ficou passado. Também, fazia muito tempo. Aproveitei para agradecer a paciência e me desculpar por qualquer coisa. 

Sobre o meu trabalho, minha mãe certa vez me disse: "Tu não és professora. Professoras são essas que ensinam os meninos a ler. Ensinar a quem sabe é muito fácil". Concordo em parte, e mais ainda quando vou a uma atividade da escola da minha filha. Não sei mais como as professoras do ensino fundamental I e início do fundamental II arranjam tanta ideia para envolver as crianças. Esta semana, mesmo doente, Ilza, minha irmã, voltou ao trabalho com os meninos de um 4º ano, numa escola da zona rural de Garanhuns. Inquieta, engajada, comprometida, juntou-se com outra colega e arranjou um meio de trazer os 29 meninos para conhecer o Natal de Garanhuns. Com o tema "Sonho de criança" a cidade está linda, ornamentada por ursinhos, árvores enfeitadas, casinhas. Um encanto. Os meninos ficaram maravilhados com o passeio. Primeiro, que poucos professores se aventuram a carregar uma turminha de meninos entre 9-10 anos, pois, dá trabalho, de forma que raramente a escola encontra-se com o mundo real. Segundo, que nunca mais esses meninos irão esquecer aquele dia de encantamento. Tanto que uma garotinha foi até a professora e perguntou se podia abraçar os ursinhos. Havia chovido e os ornamentos estavam molhados. Sem pensar duas vezes, a professora respondeu afirmativamente. Só depois, ao reencontrar a menina radiante - e toda molhada - foi que percebeu que não seria uma boa ideia. Mas, para a criança, foi a realização de um sonho. 

Talvez seja isso que nos falte no ensino superior. Vivemos um hiato entre os olhos brilhantes do primeiro dia e o sorriso radiante da formatura. É esse meio campo que precisa ser repensado. No que se pese as responsabilidades pessoais, dos professores e dos gestores das IES com a formação de futuros profissionais, precisamos arranjar estratégias para que estas pessoas, que o destino fez unir, sejam felizes em sua condição de estudante. Não só na entrada ou na saída. Mas, no "entretudo".

Até amanhã, fiquem com Deus. 

PS: "Alunos felizes" é um livro de George Snyders, que trata sobre a alegria nas escolas. Li-o há muito tempo. Penso que já é tempo de tornar a leitura da obra. 
    


domingo, 19 de outubro de 2014

Vida de Professor

Pronto. Então, pulando o pedaço dos dias em Lisboa, novas compreensões e decisões, retornei ao Brasil na sexta-feira. Tony e Lulu foram me buscar no Recife, e só chegamos a Garanhuns no sábado. No domingo, fui ver minhas irmãs, deixando para conhecer o bebê de Thaís (meu sobrinho-neto afim) somente esta semana, pois já na segunda-feira à noite, atracaria na sala de aula, pois os meninos de Engenharia Civil não podem mais esperar para caminhar com o projeto de pesquisa. O tempo urge e o TCC bate-lhes à porta. A minha tarefa é ajudá-los a organizar as ideias e apresentar uma proposta de pesquisa mais ou menos atrativa, quando forem "fazer a corte" aos orientadores. Já na segunda-feira, pela manhã, enquanto corrigia o restante dos trabalhos desta turma para entregar à noite (a maior parte, havia corrigido no domingo), ligou-me uma jovem da escola de Luiza avisando-me que o horário de saída seria às 11h. Os meninos largaram mais cedo por causa do almoço comemorativo ao dia dos professores. Na mesma hora, eu tinha que ir ao  médico. Tentei ligar para Tony, mas, sem sucesso. Então, o médico ficou para depois (bem depois, só consegui marcar a consulta para 1º de dezembro. Plano de saúde vai se saindo pior que o SUS. Felizmente, eu olhei o exame e as taxas já estão sob controle. Posso esperar. Mas se fosse caso com risco de morte, morria mesmo). Então, já no retorno, tive que corrigir trabalhos, calcular notas, escolher compromissos e remarcar atividades. Tipicamente, vida de professor.

É certo que voltei para o batente mesmo na terça-feira pela manhã. E os companheiros da Avaliação Institucional estavam às voltas com o planejamento e execução da comemoração do dia do professor, que no Brasil, ocorre no dia 15 de Outubro. Todo ano, na nossa escola, é sempre a mesma confusão: muitos professores reclamam o feriado neste dia. Ouço essa ladainha há mais de 15 anos. Alguns se rebelam e anunciam em alto e bom som que "mandem a polícia ir me buscar. Aqui não piso". E até que eles têm razão. Em todas as redes é feriado, menos na nossa. Por mais que se justifique, não há argumentos que convença, e daí, em Outubro há o tradicional bate-boca entre os contra e os pró-feriado. Como a proposição do calendário acadêmico vem do departamento que eu trabalho, fiz a traquinagem e coloquei o feriado no calendário. Já recebi reclamações do partido "contra feriado", fundamentados no aspecto de que o calendário letivo deve ter 100 dias em cada semestre, e daí, quanto mais feriados aparecerem, mais sábados e "dias para frente" terão que ser trabalhados. Também é um argumento plausível. E a discussão segue essa semana. Então, com a cabeça meio desorientada com o fuso horário (querem saber o que é isso, lembrem-se do efeito de uma horita apenas quando tínhamos no nordeste do Brasil o horário de verão) e com a ausência, pois em 10 dias muita água rola embaixo desta ponte, soube somente na quarta que haveria um coffe break de comemoração ao dia do professor, e que a Avaliação Institucional estava articulando tudo. Como trabalhamos em parceria, fui lá ajudar. 

Izabel é uma moça muito talentosa para essas coisas de festa. Já eu, sou um zero. Em dias, junto com Rosa, Ricardo, Virgínia e Norma, desenharam uma marcadora de página bem bonita e planejaram um "lanche portátil". A primeira ideia (isso, eles me contaram) era entregar um lanchinho numa saquinha. Depois, Izabel veio com a ideia de uns depósitos descartáveis bonitinhos de plástico, onde teria um sanduíche, um polenguinho,  uma fatia de bolo de rolo, dois pacotinhos de biscoito e um suco. Daí, Norma disse que ficava muito feio numa saca, e sugeriu uma sacolinha de papel. E ficou bem bonitinho. Para executar, os recursos foram arrecadados com os coordenadores, pois instituição pública tem problemas na destinação de verbas de última hora. Pronto. Assim decidido, na quarta à tarde, depois que recebi uma aluna que escreve uma monografia de pós graduação, fui ajudar a montar as sacolinhas. Lá já estava a Clide, da Coordenação de Engenharia, dando uma força. E então, surgiram os "causos", os bastidores da educação.

Tem muita gente que acha que o trabalho do professor é só chegar em sala de aula e 'vomitar' um conteúdo. E muito colega chega na profissão com essa impressão, e pior, com essa prática. O trabalho do professor começa antes da aula, com o planejamento. Aliás, essa etapa consome muito mais tempo e neurônios do que a execução propriamente dita. É no planejamento que vamos alinhar o conteúdo às estratégias. E sempre tem que ter um plano B, pois se a atividade não funcionar assim, tem que funcionar de outra forma. O que não pode é mandar o aluno ir embora às 15h porque faltou energia. E coisas inusitadas acontecem entre o planejamento e a sala de aula. Outro dia, tive que eliminar um vídeo do início de uma aula porque não arranjaram um extensão para ligar a caixa de som. Aliás, tem dia que a bruxa está solta e nada funciona como deveria. Neste dia, foi assim: a turma deveria chegar às 8h, chegou às 9h30. O computador da Assessoria enlouqueceu e a data era 10.10.2010, ou seja, nada de conectar a internet, que neste dia, estava excepcionalmente boa. Pedi o computador da coordenação da pós graduação emprestado ao Antonio, e conectei à minha pasta no YouTube. Tudo muito bem se não faltasse o tal filtro de linha para ligar a caixa de som. Se não tem um plano B, a aula será um fracasso. 

Mas, professor que se preze tem no seu treinamento cotidiano de guerra as alternativas para sobreviver às adversidades das condições materiais e conjunturais. Enquanto embalávamos o lanche e organizávamos as sacolinhas, Izabel nos contava, que em meio a toda correria para providenciar tudo, deixou os Polenguinhos em um determinado setor, e quando foi buscar, uma caixa havia sido violada! o salteador levou 4 dos 6 quadradinhos de queijo processados. E ela se mortificava porque havia comprado a conta, e por conta do furto (não foi roubo, e isso aqui tem uma Faculdade de Direito para nos ensinar a diferença!) alguém ficaria sem o tal polenguinho. Para agitar, Ricardo declarou que o polenguinho que lhe cabia estava garantido. Rosa interviu, evocando a senhora sua avó que dizia que "a prioridade é das visitas. Os de casa, comem o que sobrar", um comportamento tradicional do nordestino. Então, multiplicaram-se as histórias de ladrõezinhos nas escolas. Todos tinham algum caso para contar. Na minha escola, lá no Adventista, quando aparecia algum ladrãozinho, a professora nos colocava na fila, sob o sol, até que o culpado se acusasse. Métodos de tortura sempre foram utilizados na educação, e, eu já levei muito sol na moleira por causa dos maus hábitos dos colegas. Outro aspecto que convivemos nas escolas, como já disse, independente do nível, é a falta de infraestrutura para os serviços. Ricardo contou-nos que trabalhou em um programa em Itapissuma, em que os professores tinham que fazer o lanche dos alunos, pois a alimentação era um dos aspectos de retenção dos meninos em sala de aula. O cardápio era sanduíche de mortadela com queijo prato e suco instantâneo. O suco era feito em um balde e mexido com uma régua.   Talvez isso tenha ajudado a despertar nos alunos o "gosto" pelas matemáticas!

Além das dificuldades infraestruturais, o professor precisa ter muita habilidade com o ser humano. Numa turma de pós graduação me ocorreu algo inédito nos meus quase 16 anos de magistério. Foi assim: havia uma atividade em que os grupos iriam analisar, à luz da legislação e das exigências dos conselhos, planos de curso de determinadas IES. Essa turma era muito diversificada: havia gestores, administradores de formação, enfermeiras, médicos, pessoal auxiliar nos serviços de saúde. Então, para facilitar e contextualizar ao grupo, consegui planos de cursos que mais se aproximasse à área de formação ou de exercício profissional. E fui dividir os grupos a partir desses critérios. Formamos um grupo de enfermeiras/médicos (todos queriam o médico, porque o sujeito é mesmo muito sabido), dos administradores/gestores e do pessoal auxiliar aos serviços de saúde (fisioterapeutas, psicólogos, serviço social). A atividade ia caminhando bem, até que chegou uma criatura atrasada. Então, simpática, perguntei-lhe: "qual a tua formação?" A pessoa disse um curso que ficava difícil enquadrar aos demais. Então, mudei de estratégia: "qual a tua área profissional?" A pessoa me respondeu, aoós me olhar de cima à baixo: "Professora, eu não preciso disso não. Eu sou RICA." Confesso que fiquei uns 10 segundos atônita, olhando para a cara da criatura. Depois, voltou-me a inspiração e ri: "Rica? E o que é que rico faz? É empresária?", a fulana insistiu: "Não, eu sou RICA." Então, eu disse, com um imenso sorriso: "Ah, então se você é RICA, e um tipo de RICO que não faz nada para ser RICO, acho que vou lhe colocar no grupo das psicólogas e do serviço social, porque estas profissionais estão habilitadas a lidar com gente como você." A turma caiu na gargalhada, e voltou-se animada para fazer o trabalho. Sei que a pessoa ficou com a ala psi, e que, na hora de apresentar a discussão, ela deu no pé. São coisas assim que o professor tem que ter presença de espírito para conduzir, e isso não se ensina na escola. Quem ensina é a vida. 

Então, após as 18h os colegas chegaram, outros não vieram e justificaram. Outros, não se deram o trabalho nem de mandar um e-mail. É assim mesmo. Giane fez a abertura, depois falou o Padre Emerson, que foi nosso aluno e hoje é nosso colega professor. Na simplicidade que lhe é característica, Meu Padrinho (como o trato na escola e em qualquer lugar que o encontre), fez uma linda fala acerca da profissão de professor, destacando que fomos carimbados pela eternidade, pois um professor nunca será esquecido pelos seus alunos. No final, quando o lanche era distribuído, o café, o chocolate e a sala de frutas servida a mil mãos colaboradoras, uma jovem professora me disse: "eu estava tão triste. Meu primeiro ano como professora e não ia receber nem obrigada da instituição. Obrigada." Ela, que foi minha aluna na graduação, deu-me um abraço com um sorriso de satisfação. O que era aquilo, se não a necessidade do reconhecimento pela dedicação? Fiquei feliz também, pois apesar de ter chegado "na hora do amém", como diria minha mãe e como ocorreu ao Prof. Suruagy, já faz parte da história de vida profissional da jovem professora. Nós, os mais antigos, ficamos felizes em ver que o "plantel" se renova. Suruagy, em sua fala, em seu tom de discurso solene, declarou-se realizado em participar deste grupo, e com orgulho havia sido professor de muitos dos colegas que fazem parte do corpo docente. Então, Rosa interviu divertida, e declarou: "E eu, fui professora do professor que foi professor de boa parte destes professores." É a vida que segue.

Estava me lembrando que, após o veredicto da tese, vários dos profissionais que compunham o juri, afirmaram: "Você é professora." E sou mesmo, de formação e exercício. Não é à toa que, na minha titulação, o PROFA. virá sempre primeiro. Não é um trabalho fácil, mas é divertido. Ganha-se pouco (em relação a importância e às exigências do trabalho), trabalha-se muito, mas, as dificuldades fazem parte do pacote. 

Somos felizes.

Até amanhã, fiquem com Deus. 
    

domingo, 24 de novembro de 2013

Perto do final do ano letivo, todos surtam!

Outro dia, a querida Virgínia Spinassé partilhou uma matéria de uma revista sobre as profissões que são mais propícias para os psicopatas e doidos parecidos. Segundo a revista (vou ver se encontro o link depois), os CEO são os mais malucos do mundo do trabalho, e operam com requintes de crueldade. Depois, surgem os operadores do direito e toda a sua trupe. Controlador de voo, cujo cotidiano é operar com nossas vidas, vendo o céu através das pequenas telinhas negras pontilhadas de verdes fluorescentes não aparecem na lista. Enfermeiros e cuidadores é a profissão mais escassa de psicopatas. Talvez porque eles precisem mesmo de equilibrio para lidar com a dor alheia. Mas, isso não me anima muito. Na prática, tem muita doida vestida de pombinha branca. Perdoem o sexismo na frase, mas, a enfermagem ainda é uma profissão majoritariamente feminina. A lista se prolonga, classificando artificialmente, e não sei atravpes de que critério os doidos e os sãos. E a partilha da colega de trabalho me pôs a pensar pouco cientificamente no stress no mundo do trabalho.
Não precisa ser particularmente um especialista em gestão de pessoas para perceber que, todo final de ano letivo, os professores surtam.  Como já vos disse, as universidade e demais instituições de ensino superior, detém a maior concentração de doido por metro quadrado. É cada figura impressionante e até surpreendente. Se o fulano tem Dedicação Exclusiva, fica meio perturbado por viver naquela roda viva, qual percorrer continuamente uma gaiola de hamster: a tríade aula-escrita-publicação é cansativa, potencializada se o sujeito assumir um cargo de gestão. Lidar com gente não é fácil pois são muitas especificidades. Se o professor  tem dedicação parcial, precisa ter jogo de cintura para não confundir os papéis. Por exemplo, há muito colega, que  durante o dia milita nos fóruns e promotorias, e a à noite (e a tarde também) exercem a docência como segunda profissão. Constantemente tenho acompanhado casos de um explícito conflito de papéis: na hora de ser professor, o sujeito se comporta como juiz e lá se vai o jogo didático, pois nenhuma interação para aprendizagem ativa pode sobreviver à mão de ferro de quem emite a sentença.   Ao mesmo tempo que a prática profissional é imprescindível para somar a vivência da profissão à formação do acadêmico, também é necessário um cuidado adicional, no sentido de não confundir os espaços de atuação, seja em relação aos estudantes, seja em relação aos colegas. Afinal, somos todos seres humanos, profissionais do mesmo ofício. Isso deve nos irmanar mais que nos separar.

No Brasil, a partir do mês de outubro (nosso ano letivo vai de fevereiro à dezembro, enquanto o ano letivo europeu, por exemplo, é de setembro à julho), os coleguinhas começam a adoecer. E as moléstias são quase sempre relacionadas ao trato digestivo, enxaquecas, dores nas costas, rinites e tendinites. Para problemas psicológicos é um pulinho. Alguns entram em depressão ou tem crises de stress. A medida que o mês corre, a pilha de atestados médicos com o mesmo SID acumula-se no departamento pessoal. O excesso de serviço, a pressão dos alunos por resultados positivos, com os quais nem sempre colaboraram efetivamente e atempadamente, favorecem a falta de paciência e as explosões por mínimas coisas são constantes. Todos surtam no final do ano letivo.

Observando estas evidências com um certo distanciamento, pois apesar de estar na profissão há 15 anos, 13 deles no ensino superior, estive afastada por dois anos e meio, e isto me favorece a uma observação quase etnográfica do comportamento dos meus companheiros de trabalho, ocorreram duas situações esta semana particularmente interessantes. A primeira foi o caso da assessoria para  preenchimento dos diários. Adriano, acadêmico do curso de Administração, empreendedor nato, percebeu uma oportunidade de ganhar um dinheirinho oferecendo uma assessoria para professores desesperados com os famigerados diários de classe. Na hora, me lembrei dos meus verdes anos na educação básica, que, como tinha dois contratos em duas prefeituras equidistantes, totalizava a bagatela de 33 diários de classe. Explicando melhor: a carga horária de Geografia e História é ínfima, de forma que para cumprir as 150 horas, precisava ter muitas turmas, e consequentemente essa enxurrada de diários. Para quem não sabe, aquilo lá é uma verdadeira tortura: além de chegarem sempre atrasados, são complexos e precisam ser feitos à mão e depois, os dados devem ser lançados no sistema informatizado. É um retrabalho que nos ocupa imensamente. Pois bem, a proposta do garoto é ajudar a preencher os diários, adiantando o trabalho do professor. Achei a ideia ótima, pois, se na época em que eu tinha 33 diários, isso existisse, e eu pudesse pagar, com certeza não teria me sacrificado. A terceirização não é do planejamento ou da avaliação: é da escrituração dos documentos, que são para lá de chatos. Isto é diferente de colocar a namorada para corrigir as provas, enquanto o titular da cadeira malha o corpichto na academia mais próxima.  Contudo, alguns colegas entenderam que não é uma atitude honesta do professor procurar este tipo de apoio. Já eu penso que uma ajudinha não faz mal a ninguém, pois como diria o Padeiro do Auto da Compadecida: "Dinheiro e ajuda não se rejeita". Além do que a postura de mártir não combina comigo. 
O outro "causo" também foi muito engraçado. Partilhei meu pasmo no status do Facebook, e choveram comentários curiosos para que eu contasse a história inteira. Vou dizer o milagre, mas, não vou dizer o santo. Estávamos eu e Izabel a conversar sobre a imensa fila de acadêmicos que se formou para a entrega dos relatórios das atividades complementares, pois era o último dia do prazo. Como bons brasileiros, os meninos deixaram para a última hora, tumultuando o ambiente. Daí, passa um colega, que raramente nos dar conversa, quando de bom humor limita-se a nos cumprimentar polidamente. Pois, não é que num lampejo de humanidade, o sujeito interrompeu a conversa e  sacudiu o dedo na minha cara e dizendo: "Vou matar aqueles dois. E a culpa é sua!" Pasma, só respondi, entre risos: "Oxe, minha? Eu não!" O colega continuou: "Esses dois, fizeram a mesma prova, depois um vem reclamar que a nota do outro foi melhor que a dele. Lógico, se as questões eram dissertativas! Vou baixar a nota dos dois!" E foi-se embora sem esperar resposta, do mesmo jeito que chegou, parecendo um pé de vento. Surto, na certa. Para uma criatura gelada daquela chegar a esse ponto, os meninos devem ter comido o juízo dele com farofa. E um juiz sem juízo é, no mínimo, cômico. 

São causos da época. Quem trabalha com educação sabe que estamos a entrar na linha de fogo do calendário. Tenham um pouco mais de paciência com o seu professor. Se ele der um piti é apenas efeitos da TPFAE - Tensão Pré Final de Ano Letivo. É o momento em que homens e mulheres são nivelados pelo stress do ano. No próximo ano letivo, ele volta, pianinho. Apesar de que no ano que vem tem Copa do Mundo e Eleição. Talvez, tudo venha a ser um pouco pior.
Take easy, baby!
Até amanhã, fiquem com Deus.

PS: A figura foi partilhada pela queridíssima Fabiane Sena na página do esposo, Prof. Adriano Sena, nosso colega de trabalho. Poucas palavras que dizem tudo! hehehe!

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Leituras e reflexões: Pais brilhantes, professores fascinantes

Os dias voltaram ao normal. Luiza já entrou no ritmo da rotina escolar, já dorme mais cedo e já dá trabalho para se levantar da quarta-feira em diante. Nestes dias, a professora mandou que os pequenos fizessem uma maquete (aqui se diz maqueta) de uma cidade utilizando material reciclado. Passamos o feriado da República (05.10) e o último final de semana cobrindo caixas de papelão, pintando, colando. Ficou até bonitinha, principalmente quando Luiza teve a ideia de pegar o jardim da Smurfete (em Portugal, a personagem é Smurfina) e colocar como praça diante do Hospital. É uma representação pueril do Recife, com praia e mar de papel ocre e azul, com coqueiros de palitos pequenos. No final, ela ainda teve a ideia de colocar as conchas que catamos em Espinho para dar um ar mais náutico. Apesar de maldizer a minha falta de talento para as artes, deu para gasto e hoje ela levou a maqueta, satisfeita com o resultado. 

Na verdade, eu estava aqui pronta para falar do livro do Augusto Cury e acabei contando a história da maqueta. Não sou exatamente uma assídua leitora de auto-ajuda, mas entendo que a crítica só pode ser feita depois do conhecimento.  Caso contrário é preconceito (conceito anterior ao conhecimento, fala sem saber ou pelo "ouvi dizer"). Por algumas vezes vi esse livro na mesa de Genésia, pois o mundo de investigação dela é a relação entre a escola e a família. Do autor, vi outros títulos nas citações do Facebook de Valmir, principalmente do Vendedor de Sonhos. Eu brincava com ele, perguntando se ele era padeiro, para vender sonhos. Mais nada, o meu contato com esse fenômeno editorial brasileiro restingia-se a essa completa superficialidade. Quando Tony veio em maio, me trouxe esse presentinho enviado por Izabel. O livro entrou na fila e ficou aguardando o momento de ser, finalmente, lido.

Trata-se de uma obra bastante interessante. Augusto Cury é psiquiatra, investigador da psicologia, com foco na memória, seus desdobramentos e efeitos. O livro trás uma série de conselhos intercalados com boas histórias para exemplificar e esclarecer as ideias. Explica como os pais podem melhorar a criação dos filhos, em que devem investir para ter como retorno um filho feliz, seguro e capaz. Explana sobre os aspectos que faz do professor uma figura inesquecível. A parte 3 me chamou atenção pois o autor aborda os "Sete pecados capitais dos educadores", são aqueles errinhos à toa que acabam pondo a relação professor/aluno a perder. Todos os itens expostos são importantes, mas, me tocou o primeiro erro, que o autor aponta como "Corrigir publicamente". Como diz o ditado "errar é humano". E mais que isso, errar faz parte do aprender. É preciso permitir o erro, que uma vez detectado, o estudante refaça o percusso, analisando quais opções foram feitas para concretizar o erro. Dessa forma, fica mais lógico entender o que é certo. Existem maneiras adequadas de corrigir o erro, auxiliando na busca pelo resultado mais adequado. O problema é o modo como essa correção é feita. Uma exposição pública e humilhante do sujeito que errou, definitivamente, não é construtivo. Este equívoco pedagógico não é restrito à educação básica. Até mesmo no grupo do Doutoramento do qual faço parte me deparei com uma correção cruel da tentativa de acertar. Mas, essa situação me provou que professores são seres humanos, e como tal, são passíveis ao erro, mesmo os de melhor currículo.

Quando a correção deixa o mundo pedagógico, onde é uma obrigação,  e cai no cotidiano, a situação tende a ser pior. Quando criança, uma das nossas irmãs tinha o terrível hábito de corrigir as pessoas, independente de quem fosse e onde estivesse. A pessoa falava algo incorreto e ela logo tascava: "não é assim, não. É tal." O emissor do erro ficava arrasado e nós, mortas de vergonha. Tem gente que cresce com esse defeito e corrige publicamente o marido, o filho, a namorada, a esposa. Até à mãe são capazes de corrigir e expô-las à um vexame desnecessário. Os especialistas dizem que é falta de empatia, ou seja, daquela capacidade que temos de nos colocar no lugar do outro. Eu digo que é falta de caridade, pois, ninguém deve ser exposto por algo negativo, principalmente quando tem tantas qualidades que superam aquele pequeno deslize. Até porque errar, todo mundo erra. Nem que seja ounvindo música brega ou na combinação do cinto com o sapato!

Aceitemos o erro não contumaz como uma prova de humanidade.

Aprendi muito com o livro, Izabel.
Obrigada.

Té manhã, fiquem com Deus.     

     

sábado, 27 de agosto de 2011

Dedicação Exclusiva

Ainda agora, ao abrir meu e-mail, recebi uma mensagem desesperada da minha sobrinha Mayda, pedindo ajuda para analisar uns dados da sua pesquisa de Mestrado em Educação. Ela faz o curso no sistema b-learning em um convênio com a Universidade de Brasília e uma universidade holandesa, viabilizado pelo IMIP, onde ela gerencia uma UTI adulto. Apesar de muito novinha, a danada está indo muito bem na vida profissional, o que me enche de orgulho. Precisa apenas sanear alguns gaps emocionais, mais isso é coisa dos arrobos da juventude, vem com o tempo de experiência em cima desse mundo. Talvez eu saiba disso, porque ela é muito parecida comigo, daí a identificação. O fato é que ela cursa o mestrado em serviço, ou seja, continua dando seus plantões intermináveis numa instituição de saúde de referência em Pernambuco. E isso não é nada fácil. Mas, as situações podem ser sempre um pouco pior. Outro dia, conversava com minha irmã Vilma, que está às voltas com as correções de sua tese de doutorado em Química. O fato é que Vilma faz o curso e trabalha o dia inteiro na UFPE, dá aulas à noite numa Faculdade privada do Recife. E tem três filhos: uma adolescente, uma pré-adolescente e um pequenino de 5 anos. Para completar o rol, o marido também está terminando a Tese de doutorado em educação. Literalmente, uma família de loucos.

Vendo o exemplo dessas pessoas tão próximas, não há como fechar os olhos para minha própria realidade: eu vivo um sonho de consumo de todo professor brasileiro. Começando pela minha situação funcional, a AESGA me tem em Dedicação Exclusiva. Isso significa que eu trabalho apenas em uma instituição que me paga o suficiente para viver adequadamente. Não somos ricos, eu e os cinco ou seis colegas que tem D.E. na AESGA, mas podemos concentrar o nosso trabalho em uma só instituição, e nessa profissão, isso é um luxo. Já fui "caxeira viajante" da educação básica, já andei muito de carro de passageiro para os interiores, já cheguei ao trabalho até na mala do carro de passageiros. Já tive 33 diários de classe para preencher no final do ano. D. Dita, minha querida diretora de Saloá ficava impressionada com essa rotina de corre prá lá e pra cá que mantínhamos. Ela dizia sabiamente: "nesse ritmo, vocês não chegam aos quarenta! E o dinheiro que ganham não vai dar nem para pagar a casa de repouso quando vocês estiverem loucos!"Aprendi direitinho e tratei de pular fora, consciente de que é uma condição suicida, mas que o professor da educação básica brasileira não tem outra alternativa. Para educação básica brasileira não formamos professores, formamos kamikazes.

Pois bem, quando me inscrevi no processo seletivo da Universidade de Aveiro, nunca imaginei que seria aprovada. Quando vi o resultado, o meu primeiro pensamento foi: "pronto, agora lascou!" A minha rotininha de correria para IES estava definitivamente transformada. Um mês antes de mim, o colega Ricardo, também professor da UPE (sem D.E., tá vendo?) havia se afastado para cursar o doutorado em História na PUC/SP. Encaminhei os meus pedidos de licença de formação, que foram prontamente deferidos, até porque a Reitora da nossa IES, tão pequenininha lá no interior de Pernambuco, pensa grande e percebe a importância da titulação e da construção de competências dos professores. Em todos os momentos, o apoio instituicional tem sido incondicional. Vim para Portugal com D.E. Estamos instaladas em um pequeno apartamento (um T0 tamanho de um ovo!) com três janelas na zona histórica da cidade, à 5 minutos à pé da Universidade, e à duas ruas da escola de Luiza. Quem me mantem financeiramente é aquela pequena instituição de Garanhuns, que já há 36 anos vem formando pessoas em nível superior.  Além dos serviços domésticos, que quase não fazia mais no Brasil, cuido de Ana Luiza e estudo. Quando recomeçarem as aulas dela, eu ficarei das 9h às 17h30min com o tempo dedicado à investigação, com orientação de um professor compometido, humano e bem humorado. Isso é um luxo absoluto, apesar das dificuldades e apertos que passamos em terras européias. 

Assim, eu fico vendo a correria de minhas colegas do curso, que se desdobram entre aulas e formações para dar conta das atividades. Olho para minha irmã, e não compreendo como ela consegue manter-se de pé ao final do dia e esfriar a cabeça para corrigir a tese. Me impressiona a menina que tem que tomar decisões de vida e de morte em uma UTI, enquanto pensa nos artigos inacabados aguardando no posto da enfermagem. Eu vivo um luxo num T0, graças à Deus. Graças a pequena instituição de ensino  lá do interior de Pernambuco, que quando respondo de onde sou, os colegas arregalam os olhos de espanto. "Pensava que tu eras da UFPE!" chegou a me dizer uma companheira da USP. Explico com um sorriso que o sistema Federal não é tão bom quanto a pequena IES que me mantém. É por isso que quando algum colega diz que eu não voltarei para lá, eu retruco categórica: lá é o meu lugar, é onde apostaram todas as fichas em mim. Não vim para ficar. Até porque tenho D.E. a um homem que me mantem aqui, me incentiva e me apoia. Me ajuda a ultrapassar os momentos mais difíceis, mesmo para enfrentar velhos fantasmas. É o melhor pai que minha filha pode ter. Não se encontra isso em qualquer lugar, não é mesmo?

Saudades de hoje: Do meu trabalho e das pessoas maravilhosas que tenho oportunidade de conviver lá.

Té manhã, fiquem com Deus.