quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Gladiadores

Tenho lido muita coisa sobre educação. Afinal, esse é o meu atual trabalho: ler e esboçar ideias, que no futuro serão aproveitadas ou não para a tese em que venho trabalhando. Nestas leituras, tenho encontrado muita coisa boa, principalmente de origem francófona. Não sei porque razão me identifico com esses pesquisadores, cuja realidade é tão diversa da nossa educação brasileira. A intenção primordial destes textos primitivos que tenho rabiscado é comunicar estas ideias de um modo mais leve. É preciso reconhecer que às vezes as teorias são cansativas. Alguns teóricos da educação querem dizer uma coisa tão simples, mas complicam tanto, dão tantas voltas, que se lê por pura obrigação. Não consigo evitar o pensamento travesso: Qual o professor que tem dois (ou mais) empregos, com 200 horas de aula em cada um, trabalhando até os três horários, vai suportar ler aqui tudo? Queria construir um texto leve, compreensível ao gladiador de qualquer nível. Até porque, vivemos todos na mesma arena.

Nestes caminhos pela criatividade alheia, tão profícuo em termos repletos de significados, penso que gostaria de criar a categoria "Educação pela convivência". A didática tipifica a educação em Formal, Informal e não Formal, qualquer livro do ciclo básico de pedagogia explora essa classificação. Enquadraria esse termo no âmbito da educação não formal, e defenderia que a aprendizagem pela convivência vai além da educação pelo exemplo, pois a educação pelo exemplo tem uma intenção velada de educar. Já a educação pela convivência é completamente espontanea, é aquela situação que aprendemos ao acompanhar a experiência vivida pelo outro. Algo assim, mais processual, menos eventual.

Essa conversa de educador, na qual estou me especializando, é toda para compartilhar impressões que tenho colhido através da convivência com os portadores de câncer. Doença traiçoeira e silenciosa, enquadro-a no rol das doenças horríveis, e Tony rir-se de mim a me perguntar: "E existe doença boa?" Pois, apesar dos fatores ambientais que contribuem para o surgimento da doença, o câncer é uma luta aberta entre você e você mesmo. Afinal de contas são as suas células que mudaram de lado e agora estão jogando contra o patrimônio. Apesar dos avanços nas tecnologias e nos tratamentos, o diagnóstico é sempre terrível de se receber, ainda soa como uma sentença de morte. Mas, é nessa hora que o infeliz receptor da má notícia surpreende e enfrenta a doença com uma atitude positiva. Impressionante como se agarram a qualquer percentual de chance que tenham, mesmo as mais pequeninas. E vão à luta com qualquer arma disponível, à favor da vida.

O Câncer não faz do seu portador uma pessoa melhor. Mas, a trajetória do doente de câncer na sua busca diária pela sobrevivência pode ser uma excelente oportunidade para aprender pela convivência. 

Mônica nunca desistiu. Conheci-a madame em boutique de mulher rica, e depois a reencontrei nos bancos do curso de Direito. Lutava contra a doença e viveu todas as fases - do diagnóstico ao tratamento - junto conosco em sala de aula. Ensinou-nos que o bom humor é o primeiro passo para a cura e para dá a volta aos problemas. E no final do curso, já nas fases finais do tratamento, encarou os apertos da "professora treva" (é assim que ela me chama até hoje), escreveu sua monografia, sem nunca se valer da doença para ter prazos maiores ou condições diferentes dos colegas. Na defesa, chegou elegantíssima com seu novo penteado à la garçon, saltos altíssimos e os cordões de contas à volta do pescoço. Apresentou suas ideias e respondeu as perguntas serenamente. Me vi muito mais apreensiva do que ela. Passou por tudo, venceu a doença e terminou o curso, mantendo sempre a sua risada sonora, dando diploma de ser feliz. 

Não há como não aprender a relevar bobagens, a ter paciência, mas não esperar sentado que os problemas se resolvam sozinhos convivendo com pessoas como Clodoaldo. Há dias que ele não está nada bem. Cansado, pois os gladiadores também cansam de lutar. Quando trabalhávamos na mesma sala, ele chegava com a inseparável mochila e o notebook e dizia: "Só queria que hoje Deus me tirasse desse mundo!" Nos primeiros momentos, me chocava aquele pedido. Um dia, tasquei: "Pode tirar o cavalinho da chuva, pois o seu prazo de validade ainda não expirou. Se conforme, e continue ai, que é o seu canto." Ele me olhou surpreso, e gargalhou, respondendo: "É o jeito!" E o dia ficou melhor para nós. Daquele convívio em diante, toda vez que amoleço por alguma dor ou esmoreço por algum problema, Clodoaldo me chama à responsabilidade, pois a luta dele continua  e a minha, também. Então, levanto e cuido na vida. Mesmo que a glicose dê KM!

Saúde para vocês!
Até amanhã, fiquem com Deus.     

PS: Esse negócio da glicose dá KM é quando a dosagem está tão alta que o aparelho não consegue medir. Havia dias que ele chegava, e eu perguntava: "Estás bom, Clodoaldo? E a glicose?" ele, respondia com uma voz animada: "Tô ótimo. A glicose deu KM! É bom que eu nem sei em quanto ela está!"





    

11 comentários:

  1. Clodoaldo tem diabete Melitus? Nao se trata pq? diabéticos compensados podem levar uma vida normal! saude pra gente!

    ResponderExcluir
  2. A diabetes dele já é em decorrência do câncer no fígado, Vilma. O companheiro (que é primo de Tony) luta com a doença e seus desdobramentos há 15 anos. Mais que um lutador, é um vencedor. Beijos!

    ResponderExcluir
  3. Todos os dias, aprendo um pouco mais com você Anna.Obrigada!!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Eita! falava em você hoje mesmo! Saudades de vocês, Edilene, Seu Regis, Seu Antonio, Seu Luiz... Tudo gente tão boa, tão companheira. Beijos!

      Excluir
  4. Ah, sim! Vive a muito tempo. Essas patologias sao sempre muito agressivas!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Pois, e é um mestre na arte de ensinar a viver. Pense numa pessoa maravilhosa: divertido, inteligente, sagaz e, acima de tudo, humilde. É uma figura! Bjo, Vil!

      Excluir
  5. Oiiiiiiiii minha querida " prof. treva" ... kkkk . Mês de janeiro, sabe como é, estava dando uns bordejos por aí afora!! Maridão de férias, tomando uns bainho de mar aqui e acolá (rsrrs ), aproveitando essa estação maravilhosa, que é o verão e só hoje estou espiando meu face. Fiquei muito lisonjeada ao me deparar com seu comentário/artigo. Realmente, é interessante salientar que, quando nos deparamos em situações extremas, daquele porte, vivida por mim em agosto de 2008, é o momento em que temos que unir todas as nossas forças, que por muitas vezes nem sabemos de onde vem e nos agarrar à tudo que nos resta. Sim, o que nos resta mesmo, porque quem recebe um diagnóstico desse, de tamanha dimensão, o que menos tem é força viu?! Na realidade o que nos resta mesmo é a vontade de poder passar um pouco mais de tempo, junto daqueles que amamos e também, para saber o que Ele está "preparando" para nós e que, embora passando por momentos cruciais, é bom saber que somos exemplo de vida para aqueles que, por muitas vezes, de um pingo d'água, fazem um dilúvio!! Na verdade, ao final de tudo, o que fica, é saber que, as mínimas coisas, que por muitas vezes nem pensamos muito nelas e nem damos tanto valor, quando estamos com a saúde em dia, são aquelas que, realmente, são tão simples e que, essas sim, devem ser priorizadas daí, cito como por exemplo: o vento nos cabelos, a beleza do céu ( que por muitas vezes nem admiramos) a natureza em geral, o sol, o mar, o amor, a família, a paz, os cílios - sim, os cílios (afinal de contas como colocar um rímel né?! ( rsrsrs ) ... as sobrancelhas, as unhas sem fungos, os ossos das pernas sem doer e sem força, a pele sem estar ressescada, parar e pensar que não está tendo náuseas, se olhar no espelho e vê que não amanheceu inchada de tanto tomar cordicóides que, no meu caso, tive que tomar 100 comprimidos em 20 dias para suportar as quimios e outras e outras coisas mais! Finalmente, hoje eu tenho a certeza que, o mais importante na vida de todos nós todos é sim, a "Saúde" pois, sem ela, não há paz pois, dormir aquele soninho, que estamos acostumados todas as noites, nem pensar!! Não adianta dinheiro; poder, os sonhos vão por terra, ou seja, você se vê num buraco nos restando somente a fé. Desse modo, temos que nos pegar com Ele e pedir sim, muiittttaaaaa saúde para nós todos, pois o resto, como diz o ditado, a gente corre atrás e a vida passa a ser, diariamente, um presente!! Muita saúde e muita Luz para todos!!! bjossss

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Gente,deu para entender pelo "profa. Treva" que quem falou ai acima foi a Mônica. Pois, vejam lá se eu não tenho razão:uma pessoa feliz e sincera. Obrigada Mônica,por dividir conosco asua história. Com você, eu aprendi muito mais que ensinei. Beijos!

      Excluir
  6. Tenho uma certa vivência com portadores de CA , pois já cuidei de muitos, e posso afirmar que eles sempre nos surpreendem...bem mais que portadores de outros males, e que cada um com sua história prá contar nós ajuda, nós da saúde a ver que ninguém é infalível, e que devemos tratá-los como queríamos ser tratados. Como ninguém sabe se dura anos dias ou horas, faço da experiências deles minha trilha... viver cada dia como se fosse o último, mas sem exagerar na dose e com responsabilidade.Muitas vezes fico "down", por algo que foge do meu controle e bate uma tristeza sem tamanho e eu me lembro quem está numa situação dessas e me obrigo a deixar de "frescura", pois por mais "pegante" que seja meu problema, não chega nem de longe aos que estas pessoas passam, então engulo tudo, relevo, choro e bola prá frente. Pior seria...
    Adoro teus posts, pois agarram-nos pelo colarinho e força-nos a pensar em termos de realidade."Sia sempre con Dio!" Bjo. Ciao.

    ResponderExcluir
  7. Respostas
    1. Obrigadinha... foi um momento de nada para fazer, apesar da pilha de artigos para ler! "Pegar pelo colarinho" é ótimo! Nunca havia pensado nesse possível efeito. Beijos!

      Excluir