sexta-feira, 25 de maio de 2012

Leituras e Reflexões: Memória de Elefante

Definitivamente, não sou de desistencias. Há quem diga que sou teimosa. Mas, quando encafifo uma coisa na cabeça, somente fracassos sucessivos me faz deixar de tentar. O primeiro contato com António Lobo Antunes foi um fracasso retumbante. Não conseguia entender o texto por não acompanhar o ritmo da narrativa. Contei-lhes isto no post "Contos vagabundos" http://digaasnovas.blogspot.pt/2011/12/leituras-e-reflexoes-contos-vagabundos.html . Por conta deste desentendimento, ganhei pela oportunidade de conhecer Mário de Carvalho. Mas, o fracasso ficou latente, do mesmo jeito que foi com "Estorvo", de Chico Buarque. Depois da primeira tentativa, joguei para lá. Achei o livro horrível. Anos depois, voltei a obra, e o livro apresentou-se para mim maravilhoso. Além desta experiência, sigo conselhos sinceros de amigos. Ed Cavalcante disse-me: "Dê outra oportunidade ao Lobo Antunes." Obedeci, mas, desta vez, me armei com uma estratégia infalível: pesquisei a bibliografia do autor e optei pela primeira obra de sucesso. Assim, cheguei a "Memória de Elefante", publicada em 1979.
A personagem central do livro é um homem de meia idade, psiquiatra,  aparentemente bem sucedido. Casado com a mulher que amava, duas filhas saudáveis, inteligentes e bonitas. Contudo, era um homem desesperado por não gostar de si próprio. Achava-se ridículo e tudo o que fazia era imperfeito, portanto, frustatrado com a profissão que lhe atribuia sucesso e com a família, a que julgava que não merecia. O autor descreve a frustração:
"Fizera da vida uma camisola de forças em que se lhe tornava impossível mover-se, atado pelas correias do desgosto de si próprio e do isolamento que o impregnava de uma  amarga tristeza sem manhãs." (p.88)
O médico, cujo trabalho é promover a cura, ou pelo menos o alívio para as almas atormentadas,   acreditava que as enfermeiras são criaturas terríveis que sabem de tudo, lutava consigo para não expor suas fraquezas essencialmente humanas. Nesta obram cai a máscara de Deus atrás da qual oe médicos se escondem e se revela um ser humano como outro qualquer. Cai por terra também a nossa concepção ingenua de que os médicos não padecem do mau que enfrentam. Se fosse assim, cardiologista seria imune aos males do coração. Atravessando a cidade do Hospital para o Consultório onde fazia análise há anos, a personagem trafega por entre automóveis em ruas de comércio secundário e estaciona do lado oposto do seu destino, somente para atravessar o Jardim das Amoreiras, numa Lisboa lúgubre, para mim, uma completa desconhecida. É assim que uma cidade luminosa pode se tornar sombria consoante o nosso estado de espírito. Nas sessões de terapia, desenvolve uma dependência do terapeuta, a quem odeia as gravatas quadriculadas, mas que é o único elo que mantem com a triste realidade que o rodeia. A doença do Psiquiatra é reduzida por uma outra paciente do grupo:
"Não se pode passar a limpo o passado, mas, pode-se viver melhor o presente e o futuro e vocêe tem cagaço disso que se péla" (p.118)
Além de descrever o espaço e as emoções como quem costura uma colcha em patchwork, António Lobo Antunes alinhava a sua narrativa reflexiva com passagens magníficas:
"Nesta época estranha a inteligência parece estúpida e estupidez inteligente, e torna-se salutar desconfiar de ambas por questão de prudência, tal como, em garoto, o aconselhavam a afastar-se dos senhores excessivamente amáveis que abordavam os meninos na cerca dos Liceus com um brilho estranho nos óculos." (p. 94)
Um livro sobre a opacidade do cotidiano de quem se força a lembrar de tudo. Somente percebi a minha limitação na primeira leitura quando, um final de uma tarde nublada de Fevereiro ao buscar Ana Luiza na escola, flagrei os meus pensamentos com a mesma estrutura da escrita do autor. Ao perceber que António Lobo Antunes escreve como se pensa, com a mesma dinâmica, repetição e rapidez, consegui conceber o autor através deste livro cujo tema central é o peso que nos  impõe a memória. Não é saudável lembrar-se de tudo. Como explica Lenine, em "olho de peixe":
"Evidentemente a mente é com um baú. O homem decide o que nele guardar. Mas, a razão revalece e impõe seus limites e ele se permite esquecer de lembrar."
Alguma coisas precisam ser esquecidas como estratégia de sobrevivência.
Até amanhã, fiquem com Deus. 

2 comentários:

  1. Anna, essa sua história com o Lobo Antunes se parece com minha relação com J D Sallinger. Por duas vezes desisti da leitura do Apanhador. Hoje em dia é meu livro de cabeceira, veja só. No meu caso, entretanto, entre as duas primeiras tentativas e a empatia - e entendimento - passaram-se mais de 20 anos. O tempo pesou bastante. bjin

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  2. É! partilhamos da teoria: "o livro certo na hora certa"! Bjos, Ed!

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