terça-feira, 28 de agosto de 2012

Leituras e reflexões: A trança de Inês

“Um não sei quê que nasce não sei de onde
                       Vem não sei como e dói não sei porquê.”           
                                                 (Luís de Camões)



O que você faria por seu amor? À primeira vista, a pergunta nos remete aquilo que faríamos pelo ser amado. O que almejo com a pergunta não é isso. Proponho uma reflexão acerca do que faríamos para viver o amor que sentimos. Já tenho idade para entender que amor e paixão são sentimentos diferentes. Simplificando a minha compreensão: o amor é duradouro, sobrevive à distância, à doença, à desgraça e até mesmo à morte. Já a paixão é um encanto passageiro. Apaixonados, não enxergamos o outro como ele é, não percebemos defeitos, embora sejam estes óbvios para a humanidade ao redor. A paixão é a idealização do ser amado. Para viver a paixão fugimos, fazemos escolhas arbitrárias, não medimos o sofrimento de quem nos ama pelas atitudes intempestivas. Nos jogamos nesse abismo em queda livre, acertamos a cabeça na parede. É um mergulho em um mar sem profundidade, uma viagem solitária ao mundo dos desertores. Não sei se o que Pedro sentia era amor. O sentimento de perdição por Inês era uma paixão fadada ao fracasso. Pedro sempre foi fiel ao sofrimento.

Li a obra de Rosa Lobato de Faria entre Portugal e Brasil. Comprei o livrinho por 6,50 na Leya de Aveiro, numa das nossas buscas por pechinchas literárias. O livro aguardou pacientemente a sua vez, pois levei-o para casa naquele tempo em que lutava para deixar as coisas em ordem para a travessia. A leitura veio pela metade e foi concluída já em Garanhuns. O romance é baseado na lenda do amor de Pedro e Inês de Castro. No Brasil, usualmente utilizamos o ditado: “Agora é tarde, Inês é morta.” Mamãe sempre dizia-nos isso, emendando no final com um sonoro “Não dou jeito”, quando fazíamos nossas bobagens de criança, para as quais buscávamos remédio para o irremediável. Há coisas que depois de quebradas, não há mais conserto, seja um jarro, um copo daqueles que jaziam na cristaleira esperando uma ocasião especial ou uma visita distinta, bem como confiança perdida. Entendi o dito quando Ilma fazia História na UPE. Na partilha de sua sabedoria, minha irmã me explicou no caminho de casa o que havia aprendido numa aula de História do Brasil, com o Prof. Zoroastro. A Inês do ditado era a Inês de Castro, a rainha que foi coroada depois de morta. Pedro era filho de Afonso IV (há tanta coisa em Portugal com o nome desse rei... ele deve ter sido realmente importante!), que não aceitava o amor do filho pela moça, pois já havia negociado um casamento mais vantajoso. Como nada demovia a paixão do jovem príncipe, mandou matar a rapariga no Jardim dos Amores, em Coimbra. Inês viveu algum tempo no Convento da Ordem de Santa Clara, aquele que já vos falei no post "Santa Clara, clareai!". A morte não curou a paixão, por sua vez despoletou a loucura. Quando foi avisado que a Inês morrera, Pedro ordenou que a desenterrassem e corou o cadáver, obrigando até a corte a beijar a mão da rainha morta. Sobre a coroação, Pedro reflete: “Enquanto o povo me aclamava em delírio, senti mais vazio que nunca o teu trono junto ao meu. Nunca mais um momento de alegria pôde ser vivido sem amargura, nunca mais um momento de triunfo ficou livre do sabor da derrota. E o poder teve para mim o gosto avinagrado da solidão.” (p. 172)

Nesta obra, a autora habilmente vai além do relato da paixão lendária de Pedro e Inês de Castro. Delineia o mesmo infortúnio em três vidas consecutivas, nas quais Pedro e Inês se reencontram para viver a mesma história: a primeira se dá em 1320-1367, a partir dos registros da História de Portugal. A segunda encarnação e o novo reencontro ocorre no período de 1963-2006,onde intrigas de uma rica família industrial dá cabo ao amor dos dois. A terceira e última encarnação de Pedro e Inês decorre em 2084-2105, em um futuro fictício, em que as regras sociais de uma pretensa sociedade perfeita e ecologicamente equilibrada afasta os amantes, que morrem solitários suicidas. Para Pedro “ninguém morreu, nunca ninguém morre, só quem nos matamos na memória, no pensamento e no coração.”(p.9)

Contudo, o que amarra estas três histórias de amor e desencontro é a presença de uma senhora solícita de mãos desiguais: a destra era lisa e perfeita mão de dama. A sinistra era bruta e tosca mão de homem do eito. A aparição desta senhora arremata a história, num patchwork de dores e desilusões. A morte sacralizava a paixão e desencadeava a loucura, até que as encarnações se encerram e os amantes se reintegraram às estrelas.

Então, o que você faria pelo seu amor?

Historias como esta são muito boas nos livros, na novela e no cinema. Eu sou da linha de Cazuza, em Todo amor que houver nessa vida: “Eu quero a sorte de um amor tranqüilo”. A felicidade está nas pequenas coisas do cotidiano, na cumplicidade da história de vida partilhada. A paixão é boa quando serve de combustível para escrever versos, como o de Camões, utilizado como prólogo por Rosa Lobato de Faria nessa obra.Que as paixões me assaltem e me movam para realizar coisas, de preferência boas, sem fazer mal a ninguém.

Até amanhã, fiquem com Deus.

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