sábado, 9 de março de 2013

Dentes

As oportunidades de aprendizagem a que vida nos trás... Se eu fosse contabilizar o quanto aprendi nestes últimos dois anos e três meses, certamente, acabaria por perceber que as muitas renúncias necessárias para estar neste outro lado do oceano são justas, embora, dolorosas. Na minha balança de aprendizagem, verifico um superavit significativo. Afinal, sem família e com poucos (mas muito bons) amigos, na maioria dos casos, tenho que arranjar um jeito de ir-me virando da melhor maneiro possível. Apesar da superação em "dá-se um jeito", há algumas coisinhas que emperram e que eu não consigo fazer. Por força das circunstâncias, não me perco em Portugal, resolvo as broncas com a companhia de gás, desenrolo os documentos para viver legalmente em terra estrangeira. Conserto interruptor de luz, ajeito a máquina de lavar roupas. Até desenvolvi uma técnica para abrir os potes de geleia, sem ter que recorrer aos agentes da PSP, meus vizinhos. Troco lâmpadas, compro água. Até que não tem sido tão difícil resolver as paradas domésticas que geralmente são encargos masculinos. Também, nem podia. Me criei numa família de 8 mulheres, onde até o cachorro era cadela, o gato era castrado e o vilão era o peru. Só vim aqui para me diplomar em "se vira sozinho".
 
Agora, há uma coisa que eu não faço: arrancar dentes moles. Tenho verdadeiro horror quando os dentes de Luiza começam a balançar, e mais ainda, quando vejo que o dente permanente já vem descendo, forçando a passagem entre os dentinhos de leite. Quando éramos miúdas, arrancávamos os dentes, amarrando-os com linhas. Já o cunhado Paulo Tenório extraiu um dente de um dos meninos (não sei se de Paulo ou Thais) amarrando-o a linha e a outra ponta à porta. O dente voou pela sala e aterrou no jardim, e nunca mais foi visto. Devo reconhecer que é uma técnica arrojada e que fiquei tentada em testá-la. Contudo, desde que essa fase começou aos 5-6 anos, eu sempre levei Luiza à Jaqueline Almeida ou Juliana Sales resolvessem o problema. Essas maravilhosas profissionais da odontologia em Garanhuns, sempre com o maior jeitinho e seus ferrinhos, derrubavam o dentinho dançarino. Mas, vim para cá com a guria debaixo do braço e é necessário adaptar-se a cultura local.
 
Há 20 anos atrás houve um sério problema diplomático entre Brasil e Portugal quanto ao exercício da profissão em Portugal dos odontólogos formados no Brasil. Os problemas começam com o estabelecido no artigo 42 do Acordo bilateral de cooperação entre os dois países irmãos (mas separados por uma língua, conforme diria o Prof. Fernando Ramos!), onde se normatiza que os diplomas obtidos em ambos países devem ser convalidados, e que para isso ocorra, o curso deve ter igual duração. Em Portugal, o sujeito cursa medicina e se especializa em medicina dentária em cinco anos. Ou seja, odontólogo em Portugal é médico. No Brasil, o fulano cursa Odontologia em quatro anos. Já vi num programa de humor na TV umas graças com os dentistas brasileiros, sobre o fato deles não terem permissão de aplicar uma injeção, nem diagnosticar uma dor de barriga. Problemas do direito educacional à parte, a verdade é que a formação do profissional é muito diferente, do atendimento ao serviço prestado.
 
Quando fomos ao Brasil em junho de 2012, levei Luiza a todos os médicos, e também ao dentista. O que tinha que ser feito, fizemos para evitar um confronto cultural com os médicos dentários. Mas, há uns meses atrás, ela começou a queixar-se que tinha "dentes a abanar". Num dos casos, o permanente já vinha por ali, prejudicando a mastigação. Por isso, marquei uma hora numa das clínicas da rede Smile Up, que tem consultórios nos centros de compra. Fomos muito bem atendidas por uma jovem, que nos informou que o orçamento era "de borla" (grátis). Bom, pelo menos ficaria sabendo o quanto custaria, antes de assumir um compromisso. Além dos serviços serem caríssimos na zona euro, eu já estava meio desconfiada, pois quando interrompi meu tratamento ortodôntico para mudar-me, ouvi comentários desfavoráveis acerca dos profissionais de cá.  Marcamos para a quarta-feira de cinzas às 20hs. As clínicas funcionam das 10h às 23hs.
 
Quando chegamos, nos colocaram em uma sala de espera, onde aguardamos até que uma jovem nos atendeu para fazer uma ficha. Luiza respondeu todos os dados solicitados, só se enrolou quando a moça lhe perguntou qual a profissão. Em seguida, fomos ao Raio x (Raul xis, conforme os clientes de minha irmã Izabel). Foi feito uma imagem panorâmica da dentição da menina, e transmitida para o computador do gabinete dentário. Um jovem médico nos explicou que a dentição dela está normal. A imagem é engraçada, muitos dentes encravados na gengiva, parece um tubarão. Perguntou-lhe se havia dor nalgum dente. Eu fui honesta e disse-lhe que o que motivava a consulta eram os dentes a abanar. No exame clínico, o médico tocou o dentinho com uma de suas ferramentas e sentenciou: cairá naturalmente daqui a uns dois dias. Não há necessidade de remover, os dentes devem cair naturalmente, não há porque forçar a saída. Fiquei com cara de boba e concordei. Identificou uma pequena cárie e propôs fazermos selantes de fissura nos dentes permanentes e uma destartarização (a popular limpeza). Concordei. O tratamento todo custa 180 euros. Razoável. Voltamos com quinze dias, e começamos o tratamento com a Dra. Sandra, que nos informou que não iria fazer a remoção da cárie, porque além dela ser muito pequenina, é num dente de leite que já começa a "abanar". Não vale a pena pagar 40 euros para isso. Palavras dela. Fiquei pasma.
 
No dia seguinte, Luiza almoçou na escola, e comeu uma maçã. Enquanto escreviam um relatório, o dente fez um "creeec" e ela pediu a professora para ir à casa de banho. Voltou com o dente na mão e contou-me entusiasmada no caminho de volta para casa. A semana passada, fomos a um passeio no Porto. Eu já estava a ver que enquanto ela falava o pequeno canino superior direito balançava. Durante o almoço, ela foi à casa de banho e demorou-se enquanto eu comia minhas sardinhas. Com gestos, chamou-me à porta. Já tinha o dente à mão enrolado num papel. Voltei para as minhas sardinhas à moda do Porto com um dente no bolso das calças, enquanto ela mordiscava umas batatas fritas e me perguntava se podíamos passar na FNAC para ver uns livros. Depois, eu mandaria um e-mail para a fada do dente, e lhe pouparia uma viagem para deixar uma moeda sob sua almofada (travesseiro).
 
Coisas da humanidade.
 
Até amanhã, fiquem com Deus.
 
          
 


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