domingo, 24 de novembro de 2013

Perto do final do ano letivo, todos surtam!

Outro dia, a querida Virgínia Spinassé partilhou uma matéria de uma revista sobre as profissões que são mais propícias para os psicopatas e doidos parecidos. Segundo a revista (vou ver se encontro o link depois), os CEO são os mais malucos do mundo do trabalho, e operam com requintes de crueldade. Depois, surgem os operadores do direito e toda a sua trupe. Controlador de voo, cujo cotidiano é operar com nossas vidas, vendo o céu através das pequenas telinhas negras pontilhadas de verdes fluorescentes não aparecem na lista. Enfermeiros e cuidadores é a profissão mais escassa de psicopatas. Talvez porque eles precisem mesmo de equilibrio para lidar com a dor alheia. Mas, isso não me anima muito. Na prática, tem muita doida vestida de pombinha branca. Perdoem o sexismo na frase, mas, a enfermagem ainda é uma profissão majoritariamente feminina. A lista se prolonga, classificando artificialmente, e não sei atravpes de que critério os doidos e os sãos. E a partilha da colega de trabalho me pôs a pensar pouco cientificamente no stress no mundo do trabalho.
Não precisa ser particularmente um especialista em gestão de pessoas para perceber que, todo final de ano letivo, os professores surtam.  Como já vos disse, as universidade e demais instituições de ensino superior, detém a maior concentração de doido por metro quadrado. É cada figura impressionante e até surpreendente. Se o fulano tem Dedicação Exclusiva, fica meio perturbado por viver naquela roda viva, qual percorrer continuamente uma gaiola de hamster: a tríade aula-escrita-publicação é cansativa, potencializada se o sujeito assumir um cargo de gestão. Lidar com gente não é fácil pois são muitas especificidades. Se o professor  tem dedicação parcial, precisa ter jogo de cintura para não confundir os papéis. Por exemplo, há muito colega, que  durante o dia milita nos fóruns e promotorias, e a à noite (e a tarde também) exercem a docência como segunda profissão. Constantemente tenho acompanhado casos de um explícito conflito de papéis: na hora de ser professor, o sujeito se comporta como juiz e lá se vai o jogo didático, pois nenhuma interação para aprendizagem ativa pode sobreviver à mão de ferro de quem emite a sentença.   Ao mesmo tempo que a prática profissional é imprescindível para somar a vivência da profissão à formação do acadêmico, também é necessário um cuidado adicional, no sentido de não confundir os espaços de atuação, seja em relação aos estudantes, seja em relação aos colegas. Afinal, somos todos seres humanos, profissionais do mesmo ofício. Isso deve nos irmanar mais que nos separar.

No Brasil, a partir do mês de outubro (nosso ano letivo vai de fevereiro à dezembro, enquanto o ano letivo europeu, por exemplo, é de setembro à julho), os coleguinhas começam a adoecer. E as moléstias são quase sempre relacionadas ao trato digestivo, enxaquecas, dores nas costas, rinites e tendinites. Para problemas psicológicos é um pulinho. Alguns entram em depressão ou tem crises de stress. A medida que o mês corre, a pilha de atestados médicos com o mesmo SID acumula-se no departamento pessoal. O excesso de serviço, a pressão dos alunos por resultados positivos, com os quais nem sempre colaboraram efetivamente e atempadamente, favorecem a falta de paciência e as explosões por mínimas coisas são constantes. Todos surtam no final do ano letivo.

Observando estas evidências com um certo distanciamento, pois apesar de estar na profissão há 15 anos, 13 deles no ensino superior, estive afastada por dois anos e meio, e isto me favorece a uma observação quase etnográfica do comportamento dos meus companheiros de trabalho, ocorreram duas situações esta semana particularmente interessantes. A primeira foi o caso da assessoria para  preenchimento dos diários. Adriano, acadêmico do curso de Administração, empreendedor nato, percebeu uma oportunidade de ganhar um dinheirinho oferecendo uma assessoria para professores desesperados com os famigerados diários de classe. Na hora, me lembrei dos meus verdes anos na educação básica, que, como tinha dois contratos em duas prefeituras equidistantes, totalizava a bagatela de 33 diários de classe. Explicando melhor: a carga horária de Geografia e História é ínfima, de forma que para cumprir as 150 horas, precisava ter muitas turmas, e consequentemente essa enxurrada de diários. Para quem não sabe, aquilo lá é uma verdadeira tortura: além de chegarem sempre atrasados, são complexos e precisam ser feitos à mão e depois, os dados devem ser lançados no sistema informatizado. É um retrabalho que nos ocupa imensamente. Pois bem, a proposta do garoto é ajudar a preencher os diários, adiantando o trabalho do professor. Achei a ideia ótima, pois, se na época em que eu tinha 33 diários, isso existisse, e eu pudesse pagar, com certeza não teria me sacrificado. A terceirização não é do planejamento ou da avaliação: é da escrituração dos documentos, que são para lá de chatos. Isto é diferente de colocar a namorada para corrigir as provas, enquanto o titular da cadeira malha o corpichto na academia mais próxima.  Contudo, alguns colegas entenderam que não é uma atitude honesta do professor procurar este tipo de apoio. Já eu penso que uma ajudinha não faz mal a ninguém, pois como diria o Padeiro do Auto da Compadecida: "Dinheiro e ajuda não se rejeita". Além do que a postura de mártir não combina comigo. 
O outro "causo" também foi muito engraçado. Partilhei meu pasmo no status do Facebook, e choveram comentários curiosos para que eu contasse a história inteira. Vou dizer o milagre, mas, não vou dizer o santo. Estávamos eu e Izabel a conversar sobre a imensa fila de acadêmicos que se formou para a entrega dos relatórios das atividades complementares, pois era o último dia do prazo. Como bons brasileiros, os meninos deixaram para a última hora, tumultuando o ambiente. Daí, passa um colega, que raramente nos dar conversa, quando de bom humor limita-se a nos cumprimentar polidamente. Pois, não é que num lampejo de humanidade, o sujeito interrompeu a conversa e  sacudiu o dedo na minha cara e dizendo: "Vou matar aqueles dois. E a culpa é sua!" Pasma, só respondi, entre risos: "Oxe, minha? Eu não!" O colega continuou: "Esses dois, fizeram a mesma prova, depois um vem reclamar que a nota do outro foi melhor que a dele. Lógico, se as questões eram dissertativas! Vou baixar a nota dos dois!" E foi-se embora sem esperar resposta, do mesmo jeito que chegou, parecendo um pé de vento. Surto, na certa. Para uma criatura gelada daquela chegar a esse ponto, os meninos devem ter comido o juízo dele com farofa. E um juiz sem juízo é, no mínimo, cômico. 

São causos da época. Quem trabalha com educação sabe que estamos a entrar na linha de fogo do calendário. Tenham um pouco mais de paciência com o seu professor. Se ele der um piti é apenas efeitos da TPFAE - Tensão Pré Final de Ano Letivo. É o momento em que homens e mulheres são nivelados pelo stress do ano. No próximo ano letivo, ele volta, pianinho. Apesar de que no ano que vem tem Copa do Mundo e Eleição. Talvez, tudo venha a ser um pouco pior.
Take easy, baby!
Até amanhã, fiquem com Deus.

PS: A figura foi partilhada pela queridíssima Fabiane Sena na página do esposo, Prof. Adriano Sena, nosso colega de trabalho. Poucas palavras que dizem tudo! hehehe!

3 comentários:

  1. Ana, querida, esse tormento de final de ano é um mito de tristeza e felicidade. A felicidade, claro, é a proximidade do período de férias. A tristeza, com muita propriedade, vocês descreveu no texto. Veja só como me identifiquei com o que você escreveu: também leciono Geografia (minha formação) e, como quase todos dessa área, história para complementar a carga horária. Nos últimos três meses assumi a função de gestor adjunto em uma das escolas em que trabalho. Coisa de loooouuuuuco, minha sanidade está sendo colocada à prova. Estou sobrevivendo. Por fim, tem a questão das duas funções diferentes. Tem hora que estou na sala e ajo como gestor e vice-versa. Aos poucos, estou aprendendo a diferenciar as funções. Obviamente, em alguns momentos as duas funções são, realmente, idênticas no trato e nas decisões. Espero não enlouquecer (mais).

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  2. Um "misto", quis dizer

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  3. acho que eu sou muito zen! nunca me estresso com fim de ano letivo!

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