sábado, 14 de dezembro de 2013

Sonhos


Outro dia, Luiza nos perguntou qual seria o nosso maior sonho. Nem me lembro qual a resposta dei, nem qual foi o desdobramento da conversa. Mas, na semana passada, no último dia de aulas, quando as crianças foram dispensadas às 10 horas, Luiza chegou para me fazer companhia no departamento até as 12 e pouquinho trazendo-me um sonho. O delicioso bolinho recheado de goiabada chegou numa caixinha de plástico, coberto com açúcar confeiteiro. Reprimi o comentário de que o mimo era uma "bomba calórica". Preferi agradecer a gentileza e não me fiz de rogada: comi o pãozinho macio, lambendo o açúcar nos dedos, pensando que sonho mesmo era comer tudo isso sem engordar um grama. Não se pode ter tudo, e eu já passei da idade de sonhar com irrealidades. Meus sonhos são outros.

Sonhar é bom e necessário. São os sonhos os trilhos das nossas ações, pois quando enquanto sonhamos projetamos, planejamos e, aos poucos e na medida do possível,  executamos. Outro dia, sonhava com o mesmo calor que me abrasa hoje. Muitas vezes, são os sonhos antigos que se realizam e não nos damos conta. Há alguns dias, demos uma carona (em Portugal diz-se "boleia") a um vizinho. Lá pelo meio da conversa ele decretou: "eu realizo todos os sonhos de fulana (a esposa dele). Tudo que ela quer, eu dou". Na hora, reprimi o riso e olhei de soslaio para Tony, que conduzia o automóvel, também com ar de riso. O vizinho enumerou sonhos pequenos, que não ocupavam um bater de pestanas.  Fiquei a pensar qual a diferença entre vontade, capricho e sonho.
Vontades e desejos têm definições psicológicas diferentes. Não me arrisco a esta seara, pois sempre acabo tropeçando nas minhas palavras. Um amigo me explicou numa mesa de café que desejo é o que queres, mas que não consegues nomear. Já a vontade é alguma  coisa que se quer mais concretamente. A partir deste conceito, tenho dúvidas se fazer as vontades do outro é realizar seus sonhos. Sonho é mais adiante. Numa comparação culinária, a vontade é um trivial pão com manteiga, pois o que eu quero hoje, posso deixar de querer amanhã.

Quando eu era pequena, minha mãe sempre dizia: "menino não tem querer". Ou seja, naquela época, a vontade da criança era secundária. Os tempos eram muito difíceis e as vontades eram tolhidas pela falta de dinheiro. Hoje, numa economia mais segura, com melhores condições e acesso aos meios de consumo, os meninos tornam-se tiranos da vontade. E crescem adultos cheios de caprichos. Absolutamente diverso do sonho, o capricho é aquela vontade incondicional movida pelo orgulho pessoal. O fulano quer que "seja feita a sua vontade assim na terra, como no céu" (thanks, God!) simplesmente por estar acostumado a ter suas demandas atendidas. E nem precisa ser um jovenzinho. Tem muita gente já bem firmada nos "enta" (cinquenta, sessenta ou setenta) que pensa - e age - como um menininho de onze. Contudo, maturidade não é para todos, e como dizia minha querida e eterna professora Eliane Vilar: "tem gente que apodrece antes de amadurecer." Faz parte. Para não trombar com uma ou várias pessoa desse tipo só indo viver em Jesusalém (thanks, Mia Couto!), um não lugar no meio de uma coutada, localizado na crença que o mundo se acabou. 

Confesso o receio de escrever este texto, após uma semana tão tumultuada. Quem sabe os envolvidos no cenário e na ação sejam meus leitores? e caso não sejam, como não passar fel adiante, fermentados em dissabores? Como "para o louco, falar é sempre pouco" (Couto, 2009, p. 195), acabei por  escrever e tive as palavras devolvidas. Compreendi então, que não é porque você mudou que o mundo vai mudar. As pessoas só mudam quando querem, e neste meio caminho estão as conveniências, as conivências e as subserviências.  Mais humano do que isso só o orgulho e a traição.

Se Luiza me tivesse feito a pergunta hoje a resposta seria o ensinamento do mestre Paulo Freire: "Cuida para que o momento de tua fala seja o momento da tua prática." Hoje a minha  meta é coerência entre a minha prática e o meu discurso.  Eu não posso criticar o corrupto se, quando me é conveniente,  me corrompo. Mesmo num mundo em que o errado é o certo e o certo, um imbecil, mais que um sonho, é uma filosofia de vida. E minha busca diária de hoje em sempre!

Até amanhã, fiquem com Deus.    
 

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