domingo, 28 de setembro de 2014

Esperando aviões

Dos últimos dias, é esta a impressão: estou esperando aviões. Em parte, ao pé da letra. E por isso, pelas duas noites incertas aqui e ali, tentando acertar o caminho, dormindo e acordando, entre a virgília completa e o olho pregado nalgum relógio ou monitor. Quando se vai no caminho, mesmo dormindo, mantenho-me num estágio de semi-vigilância: um olho aberto e um fechado. Talvez seja por isso que estou tão cansada. Ou pelo ar artificial que ressecou e sangrou meu nariz na falsa madrugada lisboeta. Ou seja somente efeitos dos fusos horários. Ou da necessária espera do compromisso próximo. "Sou pista vazia esperando aviões."

Minhas provas foram confirmadas para 29.09, na sexta, 19.09. Em dez dias, minha vida tornou-se um fuzuê de marcar passagens, arranjar dinheiros, arrumar malas e partir. Adiantei umas coisas no serviço, outras deixei para trás, É necessário desapegar e confiar nos colegas, pois se trabalhamos juntos, é porque todos temos competências. Outras tarefas, que somente a mim se destinam, me aguardam quando voltar. Felizmente são papéis e notas, não vão sair a correr, me denunciando o descaso nas ruas. Deixa que isso, eu mesma faço. Tentei ao máximo arranjar as coisas em casa: rotinas da criança que não pode acompanhar-me, por conta da escola, atribuições do par, que não pode vir por conta do trabalho. Atravessei sozinha. Mas, antes, tinha que ter uma saga. Se não fosse assim, não era comigo.

Já na quinta à noite, Tony lutava com o horário apertado da campanha eleitoral para levar-me ao Recife. À muito custo, consegui convencê-lo que não fazia sentido a ginástica na agenda e o cancelamento de compromissos profissionais  somente em nome do meu conforto. Fui mesmo de ônibus. E olhem que fazia anos que não viajava de ônibus na famigerada Jotude. Por sinal, o selinho da bagagem é o identificador da minha mala: enquanto os bacanas enfeitam suas valises caras com toda sorte de fitas coloridas e adereços dos mais diversos, a minha tem um selo da Jotude. Duvido a confundi-la com qualquer outra. Pois bem, o problema foi que cheguei na estação Joana Bezerra por volta das 18 horas e o metrô estava impraticável! como estava com algum dinheiro em espécie, para cambiar para Euro, fiquei com medo e peguei um táxi. Preferi pagar mais para garantir a minha segurança e essa foi a primeira besteira da noite: o trânsito infernal me engoliu e só consegui chegar no Aeroporto quase uma hora depois. Não haveria problema com o tempo, pois o voo estava marcado para as 23h30. ESTAVA. No saguão do aeroporto, passei um rabo de olho no painel e quase caio dura quando percebi que o CANCELLED estava escrita bem ao ladinho do voo 16. Ou seja: Toda a minha previdência de chegar um dia antes, para acomodar-me, discutirmos a apresentação, organizar as coisas e adaptar-me aos fusos horários, já era. Meio dormente, entrei numa fila de furiosos passageiros no balcão da companhia, enquanto um agente tentava explicar aos clientes enlouquecidos pelas mais diversas razões os motivos do cancelamento. E  tempo foi passando. Atrás de mim, a fila crescia. Um italiano desesperado gesticulava, pois o visto de permanência expirava naquela sexta-feira fatídica. O outro, repetia: "Dio mio, e ahora?" Cansei de ouvir aquela pergunta retórica e respondi: "E ahora que nós estamos lascados, meu filho. Esse voo só sai amanhã, no mesmo horário". A fila virou um pandemônio. Uma mulher exaltou-se, exigindo os direitos de consumidora. Estava de saída para Paris, com o marido que segurava-lhe o braço, temeroso que ela não arranhasse a cara do funcionário da companhia, enquanto murmurava: "calma, amor." Um outro funcionário, muito paciente, avisou-nos que a empresa iria nos hospedar em um hotel na região e que no outro dia pela manhã, às 10h, faríamos o check-in. O voo sairia às 12h. Teríamos que esperar no saguão do aeroporto até às 20h, quando os ônibus nos transportariam para o tal hotel. O que não tem remédio, remediado está. Fiquei lá, dando risada com os pitis das madames e as bravatas dos bacanas que chegavam a todo instante. Cabe muita gente num 737. E pelo jeito, o voo 16 ia render muito ainda.

Fomos hospedados no Sheareton Reserva do Paiva, que fica bem depois de Candeias, numa reserva florestal. O prédio, ultramoderno, fica numa área em que se paga pedágio para entrar. Biscoito fino. Na frente do hotel, portas envidraçadas imensas e uma fonte luminosa contrastavam fortemente com os meus tênis de viagem, muito gastos. Não mandei ninguém me chamar e a mala com o selinho da Jotude compôs o mar de malas do voo internacional que não decolou por falta de aeronave. Aliás, segundo disseram, a aeronave nem saiu de Lisboa. Uns disseram que foi por problemas técnicos, outros disseram que foi porque não tinha avião mesmo. Não sei. O que sei é que como a empresa é de economia mista, ainda tem uma parte de dinheiro pública, quem pagou para eu me cobrir com o edredon de penas de ganso foi o povo português. Logicamente que não foi tarifa cheia, que a empresa tem convênios e com estas prestadoras de serviços, contudo, pense no luxo, uma maravilha de jantar. Apesar do excelente quarto, cama espaçosa, muitos travesseiros, não preguei o olho. Revisei a apresentação às 2 da manhã, li alguma coisa. Vi tv, internet. Vi o sol nascer e com ela uma dor de cabeça chata.  No outro dia, descemos cedo para o café da manhã, e recebemos a notícia que deveríamos ficar até as 13h. O voo foi novamente cancelado e só sairia às 17h, o que não foi de todo ruim para mim, pois, o que eu iria fazer em Lisboa às 0h, 1 da manhã? Teria que arranjar um lugar para dormir e etc. Voltei para o quarto, assisti, dormi, li, revisei apresentação. Desci para almoçar com um casal paraibano que estavam de mudança para Coimbra. Às 17h decolamos do Recife embaixo de um temporal daqueles. Serviram vinho à bordo para acalmar os ânimos do pessoal. Ao meu lado viajavam um grupo de senhoras que fariam um peregrinação à Praga. Essas danadas conversaram durante todo o percursos. Do meu lado, um senhor jogava paciência num tablet. Nalgum lugar da aeronave, uma criança chorava. Ainda assisti dois filmes. Não teve muita turbulência, mas as fileiras do meio são muito apertadas.  

O pouso foi bom, tudo na paz, chegamos às 4h da manhã. Na imigração, dois inspetores sonolentos carimbavam os passaportes da fila imensa fora de hora. O senhor que me atendeu, conferiu os carimbos antigos e renovou a permissão sem perguntar absolutamente nada. Na alfândega, mandaram-me passar reto. Só faltava as mala. Passamos uma hora à beira de uma esteira inerte. Felizmente, quando começou a rodar, uma das primeiras foi a representante da Jotude.  Sai para o ar fresco da madrugada, pois às 5h30 ainda é noite fechada. Como metro só começa a funcionar às 6h30, tomei um táxi até a Gare do Oriente. Lá, arranjei um Alfa, com destino à Braga, que me deixou em Aveiro às 9h10 de manhã. Pronto. Finalmente, cheguei. Não com o tempo que planejava, mas, a tempo de cumprir a penúltima batalha do doutoramento: a defesa.

Como me consolou uma jovem e simpática médica dermatologista no Hotel, enquanto esperávamos o avião: "o que tinha que dá errado, já deu." Assim espero. 

Até amanhã, fiquem com Deus.   

PS: Esperando Aviões é uma música linda do Vander Lee. Quando vinha subindo as escadas da Gare quase deserta, cantarolava essa música para espantar o medo de lugares ermos, que trazemos no subconsciente, dos trópicos. Penso que vale a pena curtir.


Um comentário:

  1. Bela música, Candido me apresentou, um dia!
    Bem, dar piti n iria resolver mesmo, é como diria uma política, ou ex- política brasileira: "Agora é "Relaxar e gozar". Q mais se pode fazer? E vai que improvizasse e desse em merda? Há males que vêm prá bem...E eu digo, a dispeito do stress da apresentação (eu conheço isso por tres vezes...) eu adoro lugar chic, aprendo mto e curto demais essas coisas... ainda teria dado uma nadada na piscina, mesmo que fosse de noite e o tempo estivesse bom...bisbilhotava a comida servida e tal... e sim minha mala tem fitinha, pelo simples fato de que sou uma Dory, e perco fácil as coisas...kkkkk Mas o selo da Jotude foi original. Adorei a citação da pista e peço permissão para ser meu status hoje, te desejando um mundo de sorte, e, como vc me disse: "Ninguém sabe melhor o seu trabalho que vc mesma!". E como vc tbém me disse antes da minha cirurgia :"Vai dar tudo certo" - e deu! Estou quase em forma (mesmo que seja de barril), mas viva e me mexendo! Até a volta... lembranças a Lisótima!

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