domingo, 14 de setembro de 2014

Leituras e Reflexões: Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra

"A lua anda devagar, mas atravessa o mundo"
(Provérbio Africano)

Para ser honesta, como sempre fui, este é o segundo texto que escrevo. O outro, ficou pela metade. Ia falar sobre política, mas, o texto não resultou em nada que me agradasse. Ficou pesado, raivoso, obscuro. Quase cínico. Apaguei. Não me servia nem para rascunho. Quando a peça não tem qualidade, melhor que seja eliminada. Talvez fiquem algumas ideias para um momento mais criativo. É preciso usar o bom senso, que, como diz Giane, "bom senso todo mundo tem". Para mim, é um "aplicativo" humano integrado ao sistema desde o desenho do projeto. O problema é que muitas vezes esquecemos de "atualizar as configurações" e desandamos a fazer asneiras. Deletei e não perdi nada. Três maus parágrafos não me farão falta. 

Recorri a Mia Couto para desencalacrar o texto dessa semana, pois Tony e Mahria andaram a me dizer que há pessoas que leem essas mal traçadas linhas todas as semanas. Daí, mesmo depois de uma semana bem puxada, e um sábado inteiro de trabalho, numa turma multiprofissional onde predominam profissionais da área de saúde (e eu tentando sensibilizar para "despertar" o professor que existe em cada um deles. Difícil!). Essas turmas multi-tudo exigem uma grande ginástica mental, para tentar contextualizar os conteúdos ao mundo em que eles vivem. Me esforço tanto que chego em casa absolutamente destruída. Ontem, já comecei a cochilar durante o guia eleitoral e no meio da novela, já capotei num sono profundo, que nem os meliantes dos passarinhos conseguiram me acordar antes das dez. Pronto, depois do malogro do primeiro texto deletado, estava olhando as minhas anotações para arranjar a rotina da próxima semana e me reencontrei com o pensamento africano do Vô Mariano. 

Esse é o livro mais premiado do Mia Couto. "Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra", narra o reencontro de Marianito com o seu povo, após anos estudando na Europa. O retorno, em ocasião do falecimento do avô, força o jovem a retomar as tradições de sua família e reencontrar-se com a história que havia abandonado há anos atrás. Conduzido por Miserinha, Marianito vai aprendendo que "o bom do caminho é haver volta. Para ida sem vinda, basta o tempo" (p. 123). No desenrolar do enredo, vai nos apresentando os rituais de morte de África. Costuma-se, quando morre o patriarca, colocar o corpo do morto estendido na mesa da sala e retirar o telhado do cômodo. Assim, o defunto passa a noite velado pelas estrelas e a sua alma não fica presa dentro da casa. No enterro, o morto é plantado diretamente ao chão, e dependendo do que nascer sobre a cova, interpreta-se o destino que o sujeito teve na outra vida. Nas comunidade tradicionais de Moçambique acreditam que "no outro lado do céu existem também coveiros. Ou melhor, os descoveiros (p. 157)". Falando com o neto através de cartas escritas após a morte, Avô Mariano explicava ao neto: "A gente não vai para o céu. É o oposto: o céu é que nos entra, pulmões a dentro. A pessoa morre é engasgada em nuvens." (p. 163). Alinhavando a morte e a vida, Avô Mariano vai ensinando depois de morto a Marianito a importância de manter a paz entre os familiares. Não importa se o pai que acreditou que era pai a vida inteira não era o verdadeiro pai. Ou se a mãe era a tia, e se a tia era a mãe. Cada um carrega em si um bau de razões que embasam suas escolhas. Mais dia, menos dia, é preciso abrir o bau e aliviar a carga para aguentar o fardo da vida. Nessa hora só fica o que realmente interessa: a família, os verdadeiros amigos, as boas lembranças. Há muitos anos atrás, na adolescência, tive oportunidade de ler um livro de Lobsang Rampa, um médico tibetano que sobreviveu a invasão dos chineses ao Tibet. E, num de seus livros, o sábio do Tibet questionava ao leitor: "reflita sobre seus problemas. O que lhe aflige, daqui há 10 anos, realmente fará alguma diferença?" E eu complemento, se fizer, realmente é relevante, se não, estamos gastando tempo com bobagem. 

Comprei a obra na Bienal do Livro de Garanhuns. E ele entrou na minha lista, e aguardou o momento certo de ser lido e resenhado. Nos meus projetos, estou no momento de espera. O juri para avaliar a tese foi marcada, mas ainda não há data para a prova. Já me prometi que não vou me preocupar um milímetro com o que eu não posso resolver. Quando chegar a hora, irei e farei. Não há escapatória, nem eu sou de fugas. Tudo pode ser mais simples se não fizermos tempestades em copo d'água. Em família, atravessamos um desafio: das sete, uma está doente. Sem reclamações nem desesperos, Ilza já enfrentou duas cirurgias, exames, remédios. Médicos e hospitais virou uma rotina. Agora, se prepara para a possível e provável saga quimioterápica. Diante da ciência, nossos esforços são pequenos e nos sentimos impotentes. Queríamos fazer mais, pois às vezes parece-nos que rezar é insuficiente. Diante do desafio de vida da minha irmã, posso eu,  ficar a lamentar e a sofrer por um impasse na agenda dos meus avaliadores? É-me vedado este direito. Já diria o Padre Nunes "Aqueles que mais razão têm para chorar são os que não choram nunca." (p. 110)

O livro passou quase um mês andando conosco no carro. Matheus pediu-me emprestado, e eu prometi levar aqui e ali, nunca cumprindo a palavra empenhada. Um dia, ele pediu-me também uma gravata de Tony emprestada. Precisava de uma gravata azul para fazer as fotos do convite de formatura. Pois não é que aquele "pé de peixe" vai se formar em Psicologia? Só assim, a Tia Formiguinha se lembrou de entregar o livro. E nem fico com cuidado, pois um escritor promissor como ele, sabe cuidar bem dos livros.

Até amanhã, fiquem com Deus. 

  

3 comentários:

  1. Mamãe era assim, teve todas razões para chorar, mas não chorava nunca.

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  2. Sim Cristóvão é seu fã e lê sempre o q vc escreve, então , cuida!

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  3. Almocei com seu irientador outro dia. Ele disse que sua tese ta boa. Boa sorte

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