terça-feira, 26 de julho de 2016

Peito

Excepcionalmente, estou à mesa numa manhã de terça-feira. Felizmente, a voz da razão falou mais alto e a escola concedeu-nos uma semanita de recesso. Concordo com a companheira Virgínia, quando explica que para tudo é preciso uma pausa. Uma árvore não frutifica seguidamente. As estações do ano se revesam e até o dia precisa de um descanso à noite. Cada coisa tem seu tempo, e esses cinco dias são fundamentais para que o professor consiga perceber que irá reiniciar uma nova etapa, o que nos presenteia a oportunidade de melhorar continuamente. Quem trabalha com gente e com conhecimento não pode simplesmente ligar no automático. Então, nesses preciosos cinco dias, estamos exercitando o "diletantismo", como diz a profa. Rosa Antunes. Por diletantismo (amor à arte, à poesia e beleza) estou à mesa, enquanto lá fora, os cachorros perseguem os passarinhos.

Para muita coisa na vida, é preciso ter peito. Enfrentar as adversidades nos faz erguer os peitorais, e nos preparar para o combate. Não é à toa que o Império Romano estendeu-se na força dos pretorianos e suas lindas armaduras. Obviamente, tenho escolhido bem as minhas batalhas. Há situações nas quais o melhor é recolher o exército, e permitir que outros vençam. Há também guerras alheias que não valem um tostão o envolvimento. É por isso que estou dispensando perseguições inglórias. É também preciso ter peito para baixar a cabeça e aceitar, e depois, no momento certo, erguer os olhos e seguir em frente. 

O peito é um dos sustentáculos da humanidade. A criação divina providenciou que as crias fossem alimentadas pelo corpo da mãe, assim, enfrentariam as adversidades, vencendo as resistências do meio. De experiência própria, posso afirmar que amamentar uma cria é um dos serviços mais pesados que já enfrentei. E olhe que eu não sou de molezas. As imagens poéticas não retratam o trabalho árduo. Tudo começa do começo. Já na gravidez, os peitos não são mais seus, pois, enquanto se estrutura a fábrica do leite, alguns cuidados são necessários, seja para evitar a contração fora de hora ou as terríveis estrias, que acabam com a pele que será posta à prova em situações que invejariam os testes de resistência do INMETRO. Depois, chega a hora da verdade: a primeira mamada é um suplício. O bebê, morto de fome depende da mãe, atropelada por uma jamanta. E a mãe sabe que ela não é a primeira, nem a última criatura do mundo a ter que lutar contra o cansaço, as dores e as dificuldades da função de provedora. Na minha primeira vez, o peito não queria funcionar, enquanto a menina berrava em plenos pulmões. Izabel, a melhor enfermeira do mundo, olhou-me cheia de pena e disse que poderia resolver. Pegou-me a mama com as duas mãos, e deu o apertão inicial. Na pele branca, ficou por dias a marca roxa dos dedos da minha irmã. E funcionou. A partir de então, a mãe é refém do bebê a cada duas horas. Nesse começo, o serviço do pai é ir buscar o bebê e devolve-lo ao berço quando ele enche o buchinho. Talvez, ainda espere a cria arrotar, assistindo um telejornal na madrugada. E pelas imagens idílicas, ninguém imagina o sacrifício que é fortalecer a pele do mamilo para que o bebê sugue o conteúdo. Fere, sangra, dói. Eu, pensei em desistir, mas Joana insistiu. Dizia que se sangrasse um pouquinho, não fazia mal. E Luiza mamou muito leite com quick, sabor Bepantol. Até que um dia, Tony comentou com Jacinto, e ele sugeriu o peito de silicone, uma capinha que coloca sobre o mamilo para evita o contato da boquinha do bebê com a  pele. Assim, sobrevivi ao serviço árduo da amamentação por três meses. Depois disso, tive que ir trabalhar e as coisas se complicaram. Mas, de qualquer forma, estou aqui para contar a história, consciente de que, da melhor maneira, fiz a minha parte e cumpri essa, dentre as minhas obrigações como mãe. E reafirmo: amamentar é hard work, para macho. Só as forte sobrevivem.

Não precisa insistir na importância da amamentação, dos benefícios para a criança. Outro dia, falávamos sobre temas de monografias, e Izabel explicava-nos que a discutir a amamentação é o mesmo que abordar a Maria da Penha no Direito. Temas elementares, que mesmo tão batidos, discutidos e defendidos, não perdem a sua importância. O desafio é inovar na discussão. Contudo, na contramão da disseminação do conhecimento, e em plena sociedade da informação, algumas pessoas condenam as mães por amamentarem seus filhos em público. Fiquei estarrecida com o caso de uma jovem mãe em Santa Catarina, estado da região sul do Brasil (supostamente a mais desenvolvida, europeia e educada deste país), ter sido convidada a sair de uma praça de alimentação de um shopping porque estava amamentando a criança. Lembro-me que as pessoas mais antigas aconselhavam que cobrisse o peito ao alimentar a criança, que era para não "pegar olhado". Sempre tinha uma fulana que o peito endureceu como pedra porque amamentou em público. Na verdade, não passa de (mais uma) pobreza de espírito de quem julga. A maldade vem da alma putrefada de alguns, que não conseguem compreender os contextos. Não há registros históricos, mas, provavelmente a mãe de Nosso Senhor não alugou uma casa para dar o peito ao menino. E a função primordial do peito é essa, enfeitar ou dar prazer é acessório e secundário. 

É impressionante que em plena sociedade da informação, tenhamos que nos posicionar em defesa do direito da criança de ser amamentada, e da mãe, de alimentar o seu filho, independente de tempo ou lugar.

Fique com Deus.



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