domingo, 8 de outubro de 2017

Leituras e reflexões: Estrelas além do tempo

Nestes tempos de tanta patrulha ideológica, ganhei de Mahria um surpreendente livro como presente de aniversário. Entrou na linha fila de livros a ler - e olhe que ela está bem crescida, pois com alguns compromissos que assumi, o tempo fica curto - mas confesso que a curiosidade venceu e a obra de Margot Lee Shetterly pulou por cima de uma série de outros títulos e veio para a ponta da fila. Esse livro foi conosco nas nossas malas para a Europa em Julho, e em muitas paradas e esperas (não leio dentro de veículos, pois fico tonta), foi uma fiel companhia. Coincidentemente, tanto na ida quanto na volta estava passando este filme no avião. Vi uns pedaços, com medo de meter spoiler no livro. Mas, não é bem assim: pode parecer clichê, mas o livro é bem diferente do filme. E por mais incrível que pareça, o filme é melhor. Mas a crítica não invalida a importância do resgate desta história incrível de mulheres maravilhosas. Sem dúvida, a autora contribuiu imensamente para o resgate e o registro da contribuição dessas moças para o progresso da humanidade.

Classifico como progresso para a humanidade, não só porque elas trabalharam no programa espacial norte americano. Oriundas do NACA, as jovens computadoras fundaram a NASA, e o que se tem hoje se deve também ao trabalho dessas profissionais. Agora, imaginem o mundo que tínhamos nas décadas de 1940-1950. Qual seria o lugar social das mulheres nesta época? Como a maioria dos homens estavam na guerra, o mercado de trabalho abriu-se para a mão de obra de saias. Quem até então só tinha a oportunidade de lecionar em escolas básicas, teve oportunidade de mostrar seus valores em outros espaços. Nós, mulheres do Século XXI somente permanecemos na luta do mercado de trabalho por causa da ação dessas desbravadoras. E mesmo me arriscando em mais um clichê das empoderadas, imaginemos o que era ser mulher e negra em 1950, período em que a luta pelos direitos civil entrava em efervescência na próspera sociedade norte americana, divulgada através do cinema como modelo para o mundo. Pois bem, já no período final da segunda guerra mundial, algumas mulheres já prestavam serviços ao governo como computadoras. É isso aí: computadoras. As jovens, matemáticas e engenheiras trabalhavam até 15 horas por dia fazendo os cálculos para viabilizar  projetos aeronáuticos. À unha ou com imensas e rudimentares calculadoras, elas faziam as "contas" e revisavam resultados dos físico e engenheiros cujos projetos eram batizados com seus nomes. Pois, ao final da segunda guerra mundial, mais da metade dessa força de trabalho era constituído por mulheres negras. Além do trabalho puxado, realizado em ambiente segregado, elas tinham suas casas, suas famílias, participavam das ações de suas Igrejas. A fantástica Katherine Globe, que perdeu o marido muito cedo, ainda cuidava sozinha de três filhas, até arranjar um novo parceiro. Eram mulheres fantásticas, que não temiam mudar de cidade, sozinhas, em busca de novas e melhores oportunidades de trabalho. 

Nesses tempos em que o mundo parece-me que está ao contrário, e que já começam a questionar acerca da condição feminina na sociedade, reavivando um discurso machista, fruto de um pensamento limitado, um livro como esse é fundamental para não deixar esquecer que cada pessoa tem o seu valor, independente de gênero ou de etnia. Nós vivemos num país onde, teoricamente, não existe racismo, no entanto, a cada dia temos conhecimento de ações discriminatórias que não se parecem nada com uma sociedade igualitária. É nosso dever educar nossos filhos para que se oponham a qualquer forma de discriminação, contribuindo para quebrar o ciclo de exclusão historicamente construído contra os negros, as mulheres, e mais ainda, contra as mulheres negras. 

É uma leitura agradável e instrutiva, baseada num excelente trabalho de pesquisa. para que tenham ideia, nas páginas 289-342 consta de uma imensa lista de referências a documentos oficiais e obras diversas para fundamentar, tanto a história da contribuição das computadoras, como para desenhar a sociedade norte americana, com bastante fidelidade. Só me perdi um pouco na leitura quando a autora se jogava nas explicações acerca dos tuneis de vento para teste dos aviões. É tanta explicação baseada na física e na matemática, que eu acabava perdendo o fio da meada. Me interessou mais saber como as pessoas viviam do que o que elas calculavam. Para mim, já chega o "dois mais dois". Se sofisticar muito na soma, peço ajuda aos universitários.

Fiquem com  Deus.     

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