A discussão era sobre a carne de porco. Minha sobrinha Mytsi colocou um post sobre a rejeição à carne de porco pelo usuário do restaurante da empresa em que trabalha. De um modo bastante incisivo, típico dos jovens, questionava interdições religiosas para não consumir o produto em tela. Rapidamente, uma série de comentários foram criando uma rede de raciocínios diversos, cada um contribuindo com uma ideia para a construção de uma ideia maior. Neste aspecto, defendi (e defendo) a liberdade religiosa, respeito plenamente as restrições de cada credo. Uma discussão boa, de um nível interessante, apesar da informalidade do veículo. As alfinetadas existiram, mas foram tão poucas e tão insignificantes que não passaram de picadinhas de formigas.
A partir dessa interação, fiquei a pensar sobre a questão. Embora não seja especialista no assunto, algumas coisas aprendi ao longo da vida, que dão razão a este post.
No reino animal, o porco é um animal de pouca sorte. Como sente um calorzinho a mais, gosta de ficar molhado, e não se importa muito se for com lama. E não tem muita restrições quanto a comida, o que der ele joga para dentro e faz bom proveito. Por isso, é tão mau interpretado. Na verdade, é um ás na reciclagem, mesmo antes desse conceito se tornar moda.
Na história, teve no lugar errado e na hora errada. Comprova aquela passagem bíblica, quando Jesus expulsa os demônios do corpo da menina. Para onde os demônios foram fazer um pitstop antes de se escafeder para o inferno, seu devido lugar? Para um grupo de porcos, que estava por ali de bobeira. Puro azar, como ser atingido por bala perdida.
Na política, quando um candidato não tem popularidade, é "mais rejeitado do que carne de porco em hospital". E no hospital, parece que o porco não tem lá muita vez. Expressões como "porco chovinista", "porca imunda" povoam o vocabulário de insultos no Brasil. O coitado do porco é uma vítima das circunstâncias.
Um porco pode ser um verdadeiro herói. Lembro que aos sete anos, fui com os meus camaradas de malandragem lá do Magano numa matança clandestina, que ficava num fundo de quintal lá na Campos Sales. Diferente do boi, o porco não aceita a morte. Grita e escoiceia com as perninhas gorduchas. Neste dia, o porco escapou. Driblou todos os homens e seus facões afiados e, por uma arte do destino ganhou a rua. Subiu em disparada a Santa Terezinha, perseguido por um batalhão de homens com grandes facões e meninos em grande algazarra. As crianças em coro gritavam: "corre porco, corre porco!" Só por um infortúnio foi parado na Sátiro Ivo, atropelado por uma rural. A confusão estava feita, os vizinhos saiam as portas atraídos pelo bate-boca entre o dono do carro, que reclamava o susto e um pequeno arranhão na lataria e o dono do porco, que exigia ressarcimento pelo porco atingido. O homem da rural apelava: "e o porco não ia morrer mesmo? Agora, está morto! Leve o seu porco e está tudo certo." Já o dono do porco vociferava reparação, queria que o motorista pagasse o porco, pois não conseguiria vender a carne machucada, não podia ficar no prejuízo. Eu confesso que àquela altura, lamentava o pobre porco que jazia na guia, escoiceando o ar, nos últimos estertores de morte. Como todos os meninos, havia torcido pelo porco, que enfrentara o destino inexorável da cadeia alimentar.
Pensando bem, o porco é até um animal simpático. São pacíficos, aceitam uns tapas no lombo como cumprimento. É possível cria-los bem em um espaço reduzido, e podem ser alimentados com o soro do leite, subproduto do queijo, o que aumenta a lucratividade do produtor. Com condições de higiene adequada, na criação, no abate e na comercialização, consome-se a carne sem maiores preocupações.
Cá em Portugal, o porco é a comida nacional. Junto com a batata, a carne suína é tão popular quanto o frango no início do plano real.
Consumimos essas bandejinhas comercializadas nos supermercados, a um preço bem mais acessível que o novilho nacional. Fritas no azeite, exalam um perfume maravilhoso, não ficam duras se bem passadas e são bem saborosas. Além do preço, tem garantida a procedência do animal e o controle sanitário e rigoroso. São também muito utilizadas para a charcutaria, ou seja, o feitio de linguiças de todos os tipos. São famosas os embutidos do Alentejo, mas não cheguei a provar, pois algumas têm uma aparência repulsiva, além de que os temperos são fortes e bem diferentes da nossa culinária.Aposto que após essa conversa, você está pensando em uma bela feijoada para o almoço!
Saudade de hoje: de Mytsi. Ela sempre foi uma menina criativa, o que origina boas ideias.
Té manhã, fiquem com Deus.
Preceitos religiosos não se contestam, se respeitam. Mas há pessoas que querem valer a todo custo sua opinião e acabam discutindo a toa. Lembro de mamãe que não comia porco, nem outros bichos, como peixe de couro, crustáceos... Agora, como dizia o lobo mau que "é gostoso o leitãozinho, se aproveita até o rabinho..." lá isso é. Beijos e saudades de vocês.
ResponderExcluirNão gosto muito de porco,mas como feijoada sem o porco.Talvez, resquícios da educação adventista.
ResponderExcluirPois não tenhas medo de aparências! Um caprichado chouriço é o que há de melhor na terrinha.
ResponderExcluirTbém n tive coragem de encarar o chouriço... a aparência é muito repulsiva mesmo. O suino, principalmente o lombinho, bem temperado e assadinho em forno brando acompanhado de batatinhas com alecrim e um arroz soltihno, brasileirissimamente feito é delicioso. Eu, no Hospital , para contornar a indiosincrasia alimentar-religiosa, mando fazer um guisado de boi ou frango que os que n comem feijoada dividem com os pacientes. É o jeito, n podemos induzir os Adventistas a comer o tal animal odiado, antigamente , com razão, mas hoje totalmente infundado. Mas é como se diz, eles têm direito de n comer o que a sua doutrina n aprova...Eu, pelo menos vivo em paz com eles, numa boa!
ResponderExcluirGeandré, o chouriço é nosso camarada, Luiza adora! principalmente um pão com chouriço que vende numa padaria aqui na Pça Marques de Pombal. É muito bom. Ainda não consegui comer aquelas linguiças que ficam pretas de tão curadas. Outro dia, tinha uma promoção no supermercado, comprei dois pedacinhos de uma linguicinha que parecia a nossa calabreza... Só que ela era curtida no vinho tinto e o gosto (para mim) era horrível! Para não comer a pulso porque comprei (e tem uma história de Francislê em Londres sobre isso que é o máximo, depois eu conto!), tô preferindo arriscar com uma certa "margem de segurança". Muito bom lhe ter por aqui!
ResponderExcluirAs crenças são particulares de cada pessoa, e concordo com Ilma que devem ser respeitadas.
Agora, Vilma, a feijoada da tua sogra é a melhor do mundo. Mais uns 10 anos de fogão, a de Ilda empata com a da "véia". Delícia!
Sim, Mahria, tem novidades sobre o arroz, fizemos alguns experimentos com outros tipos. Depois, mais na frente, rende um post.
Beijos à todos!