Ainda em fevereiro, tivemos o prazer de ler em dupla, eu e Tony, o livro novo de Agualusa. É certo que eu ando dando a volta a minha saga pela literatura portuguesa. Mas, a verdade é que eu cai de amores por este autor luso-angolano. Com a justificação de levar uma lembrança para o Paulo Gervais, que foi seu professor na Faculdade de Direito, Tony comprou o livro. Sobre Paulo Gervais, de quem tive o prazer de ser colega de trabalho, apenas uma palavra: é um gentleman. É tão educado, fala tão baixinho, que perto dele, eu pareço o Taz. Preparando os documentos para vir para cá, há mais de um ano atrás, estive com ele no cartório para providenciar uma Certidão de Nascimento de Luiza, pois, o Consulado exige uma Certidão com menos de 6 meses! Até então, para mim, Certidão de nascimento só se vencia com a certidão de Casamento (orh!) ou com a certidão de óbito. Mas, não é bem assim que funciona. Pois, na ocasião, Paulo Gervais disse-me: "Estar em Portugal é como conhecer a casa do seu avô." Nunca esqueci. Logicamente, eu não iria deixar Tony levar um livro para o amigo sem que eu visse direitinho do que se tratava. Lemos o livro antes da prenda ser encaminhada a seu destinatário. Este é o segundo livro do Agualusa que lemos, ou outro "Catálogo de Sombras" está devidamente registado em http://digaasnovas.blogspot.pt/search?updated-max=2012-02-13T23:45:00Z&max-results=7 . E, mais uma vez, foi uma delícia ler este escritor mais africano do que português, que une na sua narrativa o melhor de dois (ou mais) mundos.
Para a nossa surpresa, Milagrário Pessoal é um romance cuja ação se desenvolve através da investigação dos movimentos de transformação da nossa língua portuguesa. O autor discute a integração de neologismos ao nosso diversificado idioma, de forma que a ação desenvolve-se no mundo lusófono, com passagens em Goa, Timor, Angola, Lisboa e... Olinda! É muito interessante ver o nosso lugar pelo olhar estrangeiro. E reencontra Olinda nesta temporada portuguesa pelo olhar de Agualusa é um privilégio. A descrição de sítios como o Amparo é de uma perfeição de estar lá. Os personagens principais, um professor angolano de 2 metros de altura e mais de 80 anos e uma investigadora (pesquisadora acadêmica) lisboeta de rara beleza e azar no amor hospedam-se na Pousada do Amparo, e frequentam a Bodega do Véio, local onde são encontrados na boca dos jovens frequentadores os neologismos intrigantes, pois, além de ter capacidades mágicas, ninguém sabe de onde vieram e como entraram no vocabulário do mundo lusófono. Engraçado que neste meio tempo, o amigo Sadro Gama publicou na sua página no Facebook fotografias da famosa Bodega, lá no Amparo, pois era o dia de anos do Véio.
Neste livro, há constatações históricas muito engraçadas. Como aquela ideia que o português de Camões era mais parecido com o português que se fala atualmente no Brasil, justificando-se a métrica dos decassílabos, que com a pronuncia lusitana não dá certo, fica a faltar sílabas. Os portugueses engolem letras e até sílabas inteiras, são apressados para falar. Aqui "pessoa" pronucia-se "pssoa". O 'E' vai-se embora na enxurrada verbal. Isto dá trabalho para entender, mas a tudo acostuma. Ou a quase tudo... A personagem central, o professor negro, traduz exatamente a impressão que temos do mês de fevereiro na Europa: vive-se muito bem em Portugal durante todo o ano, exceto o segundo mês do ano. A certa altura, ele decreta: "Fevereiro na Europa não é um mês, é uma condenação". É um frio tão frio, que é a muito custo que nós dos trópicos, suportamos o fim do inverno. As palavras são fáceis para Agualusa. Ele vai encaixando as palavras e constrói belíssimas descrições do óbvio, que nos faz pensar: "Como é que não pensei assim antes?!" Na página 97, ele inspira-nos assim: "Amor, o nome que se dá a cor do céu momentos antes do sol desaparecer no mar". É o que vemos todo final de tarde em Aveiro, quando Deus desce do céu para se mostrar ao homem, que muito atarefado não levanta a cabeça dos papéis e dos problemas que ele mesmo criou.
É um livro excelente. Dá-se a pensar na transformação quotidiana da língua. Com um pouco mais de sal, pimenta e dendê, Agualusa será um Jorge, o nosso Amado.
Escrevi, ouvindo com saudades, Alceu Valença que é a cara de Olinda!
Até amanhã, fiquem com Deus!
Já estou ansiosa para ler estes livros, não posso ver nada já quero ler, acho que nasci traça em outra vida kkkk. Adorei o comentário "É tão educado, fala tão baixinho, que perto dele, eu pareço o Taz." Também o conheci e realmente Paulo Gervais é assim, mais você nem de longe parece o Taz, lembra o que falei que adorava quando você falava nas reuniões? é muito bom ouvi-la e continuo com a mesma opinião , leio Chico Buarque e lembro de você. Bjss querida saudades.
ResponderExcluirAlcione, você é ótima! Essa de nascer traça na outra vida é great! E fiquei tão feliz por ser lembrada através de uma criatura como o Chico Buarque... É muito luxo! Saudades de você. Beijos.
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