Então, já anda Janeiro. E esse já é o nosso terceiro Janeiro por estas bandas. E, por mais incrível que pareça, não está tão frio quanto o Janeiro passado. A esta época, ano passado, a média de temperatura era sempre abaixo dos 10 graus sob um céu absolutamente azul. Era a seca que queimava os pastos do Alentejo e aprofundava ainda mais a crise econômica que transcorre na Europa. Este ano, a chuvinha persiste, mas, como já vos disse em inúmeras outras ocasiões, quando chove, o frio é menor. E aqui estamos nós, sem sofrer tanto com o frio, embora Luiza esteja convalecendo de uma brutal constipação, e eu, de duas noites a vigiar a menina, com seus altos e baixos febris e seu peitinho congestionado. Criança doente é provação para os mais fortes, mesmo que a doença seja um simples resfriado. Mas, felizmente, esta dose eu tomei e vamos adiante, ainda que os círculos escuros estejam cada vez mais constantes sob os meus olhos.
Além desses entraves da vida comum, tenho prazo a cumprir. E me torturo por isso, pois, nem sempre as coisas andam tão bem quanto deviam. Principalmente quando dependem de outros. No que depende de mim, vou me arrastando, fazendo um pouco a cada dia. Tento me convencer que até Deus precisou de sete dias para construir o mundo, por que é que eu tenho que fazer tudo num dia só? É uma justificativa digna até a Nilvaldo Tenório, que não é propriamente parceiro do altíssimo. Mas, há aspectos que preciso de meus parceiros, e Janeiro são as sagradas férias de verão nos trópicos. O jeito foi me valer de minhas irmãs e cunhadas para testar um programa e alugar a atenção do programador sem contrato para corrigir os bugs pelo caminho. Quem convive comigo sabe que eu tenho um grave defeito: não me sinto à vontade de viver pedindo favores. Por mais boba que seja a tarefa, prefiro eu fazê-la sozinha. Afinal, cada um tem suas ocupações, não devem sacrificar sua disponibilidade por uma kamikaze que decidiu flutuar entre dois continentes. Mas, falta pouco. São mais 5 meses e 18 dias de (muito) trabalho. Se é para chorar, choro 10 segundos - 30, se for caso de morte -, e vamos à luta.
Nestes dias em que o T0 só cheira a Vick e chá de limão com mel, tirei umas horas para ficar com a minha doentinha. Ela não foi à escola na última quinta e sexta. Apesar de preocupada com o conteúdo que anda a perder (principalmente em matemática, o calo de Lulu), percebi uma certa satisfação em livrar-se da ginástica na quinta e do almoço na sexta (ela odeia salmão). Eu desfiz meu cronograma de trabalho, e fiquei revesando entre as atividades de assegurar uma casa minimamente habitável e os cuidados com os remédios. Ela estava realmente doente, pois desde a quarta, apenas hoje ligou o computador para jogar. Então, tirei plantões de companhia de desenhos animados na TV. Revi A Bela e a Fera (A bela e o Monstro, em Portugal) pela tricentésima vez, todos os episódios doe Pink e Cérebro e do Bob Esponja, que o Antonio mandou. Mas, foi um desenho do Phineas e Ferb que mais me chamou atenção e me colocou a pensar acerca das pessoas e suas escolhas.
Antes de refletir, duas observações a respeito dos desenhos: 1) Uma dificuldade quando mudamos de país é a dublagem das personagens. Não consigo aceitar a voz do Pumba na versão lusitana, da mesma forma que a voz do Dr. Heinz Doofenshmirtz na versão brasileira é muito estranha. O Cláudio, amigo de Tony, era fã dos Simpsons, mas deixou de assistir quando mudaram a voz de Bart Simpson. Pensei ser um exagero na época, mas hoje percebo que faz sentido. É a importância do ator que empresta a sua voz aos personagens. Já pensou em Scoob Doo com outra voz, senão aquela voz de parvo? 2) Os desenhos animados tem uma contribuição significativa na formação musical das pessoas. No dia primeiro de Janeiro fomos ao Concerto de Ano Novo, uma tradição portuguesa desde a 2ª Grande Guerra. E muitas das peças que a Orquestra Filarmonica das Beiras executou, nós conhecíamos dos desenhos. O mais difícil foi segurar o riso quando identificamos uma música que Pica-Pau canta para Pé de Pano: "dorme filhinho do coraçãooooo..." Eu ri demais. E bem sabemos que os portugueses não apreciam quem fica a rir a troco de nada. Imaginem os olhares do sujeito que estava ao nosso lado.
Bom, então, numa dessas ocasiões que estava de acompanhante de doente, a assistir desenhos, passou um episódio do Phineas e Ferb acerca da mentira. E esse vídeo (na versão lusitana, pois é a minha dublagem preferida do pensonagem) me pôs a pensar.
Até uma certa idade, ensinamos as crianças a falarem unicamente a verdade. Por volta dos 9-12 anos, começamos a ensinar que nem todas as verdades devem ser ditas. Me lembro que isso causou um certo nó na minha cabeça quando eu era criança pequena lá no Magano. Na escola, a profa. D. Esmeralda nos ameaçava com o ensinamento bíblico: "São as pequenas raposinhas que destroem as vinhas". E emendava dizendo que para Deus não existe grande pecado, nem pequeno pecado. E eu, ficava a pensar: já que contei uma mentinrinha para escapar do castigo, vou sair a rua e matar alguém. Como é tudo a mesma coisa, um a mais ou um a menos não vai me tirar do inferno. Naquela época nos ameaçavam muito com a condenação eterna. Vilma entrava em sarilhos constamentemente por conta da sua língua solta a falar tudo - que quase sempre era verdade - acerca do comportamento duvidoso da vizinha, dos cuidados (ou da falta deles) ao sobrinho. Depois de entrar em muitos apuros, aprendemos - eu e ela - que há coisas que devem ser vistas, ouvidas e caladas. Não adianta propagar, e isso contribui com a fertilidade das meias verdades.
Tive também a oportunidade de conhecer pessoas que são mentirosas compulsivas. Tínhamos uma vizinha que mentia tanto e com tanta perfeição, que era impressionante. Ela lembrava da mentira que havia contado há semanas e até meses atrás. Neste caso, a fantasia passa a ser quase uma verdade na vida dessa pessoa. A mentira com perfeição vira quase uma verdade. E isso me lembra aquele caso na época da 4ª série do Adventista, que Delanie inventou que havia uma mão preta fantasma na parede do banheiro feminino, e deu tantos detalhes que ficamos todas com medo de ir à casa de banho. Inclusive ela. Hoje, Delanie é uma escritora de ficção muito promissora. Soube fazer da criatividade da infancia um ofício respeitável. Já tem aquele caso do amigo de Tony que mente com método. Ele pesquisava sobre o assunto para mentir! Um dia, durante um jogo de dominó, inventou que criava cães de raça, e um dos colegas ficou muito interessado nas criações. Ele falava dos animais com uma pertinência de criador, que o pobre crédulo foi até a casa da mãe do mentiroso em busca dos bichos. E nunca existiu o primeiro. Mentia a troco de nada, só pelo prazer de fazer o outro acreditar na sua história.
Tem gente que mente para se livrar de alguma coisa (como eu na escola primária), e tem gente que mente para poupar o outro do sofrimento da verdade. No final da vida da minha mãe, passamos a contar as histórias de família pela metade, já para que ela não se preocupasse com as escolhas que fazíamos. Criamos um mundo meio "cor de rosa" para ela. Um dia, já nas últimas semanas, estavamos a conversar no banquinho do quintal sob a goiabeira e ela chegou com seu passinho arrastado e um pequeno aguador à mão. Mudamos de assunto e a conversa ficou meio quebrada. De lá da profundeza de suas roseiras, ela sentenciou: "vocês pensam que eu sou besta, mudando de assunto no meio da conversa." É o que resulta da mania de acharmos que o idoso "não está nem aí" para o mundo. Era mais fácil enganar Mahria, que tem o juízo meio queimado pelo uso excessivo de fones de ouvido, eternamente ouvindo rocks em um stereo além do que os tímpanos podem aguentar.
Portanto, mentimos. A convivência social exige a mentira, ou na melhor das hipóteses, a omissão. Certa vez, uma pessoa com problemas conjugais veio me perguntar o que é que eu achava daquela "relação", após desfiar um rosário imenso de críticas e queixas ao parceiro. Respondi com uma pergunta: "Você quer que eu fale o que você quer ouvir ou o que eu estou pensando?" Não cheguei a fazer nenhuma consideração, pois a figura mudou de assunto na hora. Melhor assim, evita constrangimentos futuros. E nem me venham com essa história de que homem mente mais que mulher e vice-versa. Como seres sociais, mentimos pelos mais diversos motivos. Dizer que está tudo bem quando estamos na pior é mentir com esperança. Tecemos uma existência de verdades particulares e de domínio público, mas também nos valemos das mentirinhas ou mentironas, a depender do caso. Já diria Mário Quintana: "A mentira é uma verdade que esqueceu de acontecer."
Até amanhã, fiquem com Deus.
Gostei do texto, Anninha! Concordo com você, todos mentem ou omitem alguma coisa; ruim é a pessoa mentir por maldade, para obter vantagens, prejudicando os outros. Beijos e saudades de vocês.
ResponderExcluirÉ, Ilma. E cada um interpreta da maneira que lhe cabe! Beijinhos!
ExcluirVcs q vão pensando q é fácil me enganar! Às vezes é só conveniente deixar que as pessoas pensem q estamos perfeitamente convencidas de alguma furada contada para se safar. Tem gente q mente magistralmente,mas já existem outras que se pensar só um pouquinho,juntar os fatos dá prá ver sem ser nenhum Sherlok Holms q aquilo n tem chance de acontecer, mas como existem também as situações,como vc mesma disse,em que n queremos entrar batendo de frente,ou pq o assunto n nos diz respeitou pq, como Vivinha,falar só iria sobrar prá nós é melhor calar e fingir q se está acreditando...É mais negócio, até pq no fim até o
ResponderExcluirmais patogênico mentiroso se trai, e tudo costuma vir à tona, e é mto bom constatar q estávamos certos,mesmo caladinhos...
ResponderExcluirContudo, o uso excessivo de fones de ouvido em som muito alto é prejudicial. É cientificamente comprovado.
Excluir"Uma mentira dita repetidas vezes, torna-se verdade"
ResponderExcluirjoseph Goebels,
Ministro da Propaganda de Adolf Hitler
É... e eles conseguiram levar meio mundo com aquela conversa de supremacia racial.
ExcluirA história da mão preta do banheiro... Até eu fiquei com medo de ir lá. kkkkk. Já ri bastante, pois nem lembrava desse episódio.
ResponderExcluirPense no medo... tu sempre foste uma grande ficcionista, amiga! Beijos!
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