sábado, 7 de dezembro de 2013

Leituras e reflexões: A vida no céu

Semana passada, eu e Luiza fomos a um encontro de educação em Salvador (BA), participar da discussão sobre os rumos da interdisciplinaridade nos cursos de graduação e pós graduação no Brasil. As discussões foram muito proveitosas, e felizmente, não voltei com aquela sensação de andar quilômetros e não me acrescentar nada. Já na primeira noite, poucas horas após o check in no hotel, quando saíamos para a conferência de abertura, o jovem recepcionista perguntou: "a pequena também vai para a palestra?" Com um sorriso, respondi-lhe: "como minha mãe me levava à Igreja, eu levo-a aos congressos." No primeiro momento os demais participantes ficam olhando uns curiosos, por ter uma criança na plateia, outros receosos pelo mesmo motivo, acabam se acostumando e do segundo dia em diante, torna-se parte do programa. Luiza andou comigo por três anos quando estávamos só eu e ela em Portugal, de modo que ela acostumou-se ao mundo acadêmico. Fica lá com seus brinquedos eletrônicos e fones  de ouvido,enquanto eu aprendo mais uma coisinha.

Esta situação lembrou-me justamente do tempo que eu ia à Igreja com minha mãe. Não porque não tivesse com quem ficar em casa, pois tenho uma pá de irmãs mais velhas que poderiam ficam comigo enquanto a mãe ia cuidar do espírito. Ela me levava com o claro intuito de promover  a minha educação religiosa. Mas, apesar de naquela época não haver os brinquedos eletrônicos, sempre sentava com alguém e inventávamos brincadeiras. Houve um noite chuvosa de quarta-feira que nenhuma outra criança foi ao culto. O jeito foi prestar a atenção. E naquele dia o pastor fez uma pergunta engraçada: "Quem quer ir para o céu? Levante a mão!" A igreja toda prontificou-se no mesmo instante. Logo em seguida, quando todos os braços retornavam para a posição inicial, ele tascou a pergunta: "Quem quer ir agora?" Passado o impacto da pergunta, todos ficaram a rir, pois ninguém se prontificou para bater ponto lá nas mansões celestiais. A vida é demasiado boa para ser renunciada por melhor que seja a promessa. 

Lendo o mais novo livro do José Eduardo Agualusa - "A vida no céu" - lembrei-me desta história. Contudo, o livro trás uma metáfora ecológica sobre a preservação do ambiente, através duma alegoria: O que seria do ser humano se a terra se tornasse inabitável? Engenhosos e criativos, na imaginação fertilíssima  deste autor luso-angolano, os homens passariam a viver em balões, grandes balsas voadoras que interligadas entre si formariam nações flutuantes. Ele estava mesmo com a cabeça nos ares quando lhe ocorreu a ideia. O narrador do romance é um jovem de 16 anos que nunca viveu na terra, só conhece-a através da saudade de seus pais, entremeadas pela sabedoria africana, quando o jovem narrador decreta: "sabemos que crescemos, quando começamos a temer a morte." (p. 32). Nas cidades flutuantes, os livros são objetos raros e preciosos, pois os livros de papel, tal como os reconhecemos são feitos da vida das árvores. Na sociedade do céu, os livros eram confeccionados com algas e tecidos velhos. Assim, "livros, como costumava dizer o meu pai, são árvores aprenderam a falar." (p. 35-36).    

Na organização dos capítulos, o autor abre-os com pequenos pensamentos, definições do mundo e das coisas através do olhar os humanos do céu. No nono capítulo, o autor define o que é sonhar para os povos do céu:

"Sonhar: Exercício que consiste em imaginar o impossível, para depois o realizar. Como voar." (p. 96)

Já a epígrafe do décimo primeiro capítulo é a tradução escrita do nosso olhar para o céu nos longos anos de seca:

"Esperança: é o nome que damos às  nuvens quando nos falta a água." (p. 119)

A vida no Céu não é o melhor livro do Agualusa, mas, vale muito a leitura. Li-o a mesma época do "Planeta Terra", da minha querida amiga Delanie Velasquez. Duas obras ecológicas em um só tempo. "A vida no céu" proporcionou-me diversos encontros comigo mesma, através de suas definições e conceitos, a exemplo da  definição de identidade:
"Identidade: Não tem a ver com o lugar onde nascemos, pois no céu tudo é movimento, e sim com os lugares onde passamos. Identidade é o que a viagem faz de nós enquanto continua. Só os mortos, os que deixaram de viajar, possuem uma identidade bem definida."  (p. 87)

Em busca de construir este "eu", vivo com os olhos na estrada. Vou, mais volto. Como os antigos navegadores, precisamos ir para ver as gentes de lá, aprender novas coisas, ver outras paisagens. De salvador ficou-me o cheiro de jasmim misturado a maresia após um dia inteiro de tempestades. 

O melhor deste livro é a sua história. Luiza ofereceu-me como prenda de despedida de Portugal. No dia em que fui desligar os equipamentos, eles foram às compras e me trouxeram o livro. Recebi-o com um lindo bilhetinho e um maravilhoso abraço. Coloquei o livro na minha mochila e ao chegar em Lisboa, esqueci-a num táxi. Por sorte, o velho condutor deu-me um recibo. Dei pela falta da mochila no domingo à noite, e na segunda de manhã, liguei à companhia de táxi para saber se alguém havia encontrado. A minha tristeza por ter perdido o presente era imensa. O homenzinho que atendeu, informou-me que a mochila estava na Esquadra da Benfica. Lá fomos nós, antes do check out em Portugal, resgatar o livro. Após algumas burocracias, foi-me devolvida a mochila, com todos os pertences intactos. Entre eles, este livro. Li-o já no Brasil, no mês de julho. E somente hoje resgatei-o neste espaço. As experiências nunca morrem. Nem as boas, nem as más.

Até amanhã, fiquem com Deus.

Um comentário:

  1. Fiquei curiosa para ler esse livro. Quanto ao assunto da vida no Céu, segundo é exposto pela maioria dos pregadores, o mundo religioso em geral, eu discordo plenamente da posição adotada por esse pessoal. Acredito no Céu, mas não nesse céu que se pinta por aí. Para mim o Céu 01)não é a válvula de escape para todos os problemas; 02)tampouco é o grau máximo da perfeição, de modo que lá a vida será monótona pois não haverá novos projetos a serem desenvolvidos, novas conquistas a alcançar; 03)não acredito que a vida aqui na Terra agora é ou deve ser ruim e, pelo fato de ser ruim, as pessoas devem almejar o Céu; 04)eu só comecei a entender bem o que é o Céu depois que me tornei escritora, depois que a minha criatividade se soltou e de livros eu passei a trabalhar também com palestras, a conceber a ideia de materiais educativos, dvds, etc.

    ResponderExcluir