domingo, 30 de julho de 2017

No caminho a caminhar: Salamanca


Catedral de Salamanca, vista da janela do quarto 307 do Hotel San Polo
Então, quando saímos de Aveiro, já na manhã do dia 12 de Julho, o mundo estava envolto numa neblina que acentuava a sensação de frio. Apesar de ser verão, Aveiro tem dessas coisas: a neblina matinal com cheiro de sal anuncia que teríamos um dia de calor. Pegamos o ônibus na Ria para Albergaria-à-Velha, uma cidadezinha a 30 quilômetros de Aveiro, que tem uma rodoviária bem movimentada. Chegando neste lugar, você pode ir a muitos lugares de Europa. Lembro de ter visto no painel com impressões debotadas à jato de tinta linhas para Nice, Frankfurt, Luxemburgo. Havíamos passado por aqui uma vez em 2012, quando fomos à Viseu. 

Quando chegamos eram umas nove e meia da manhã. Já havia pesquisado que passaria um expresso às 11h07, numa linha Porto-Madrid-Porto, que entrava em Salamanca, o nosso destino. Localizei o guichê e pedi dois tickets. A mulher olhou para mim, meio incrédula, e respondeu: "deixe-me ver se ainda há." Meu coração foi para os pés. Alguns cliques depois ela disse: "Quase que ficas à pé. Ainda há dois lugares." Voltando a respirar, dei graças a Deus, pois precisava chegar em Salamanca no dia 12, quando começava oficialmente o encontro. Depois de mostrar nossos documentos para mais um scanner e pagarmos 100 Euros pelas duas passagens, esperamos na sala de embarque, onde havia uma TV e ventava menos. Enquanto três guris paqueravam Luiza, eu providenciava os lanches, pois já sabia que a viagem seria longa.  

Quando chegou o ônibus, acomodamos nossas coisas no compartimento de cargas e nos sentamos no fundão, as duas últimas cadeiras disponíveis, pensando com os meus botões que iríamos levar muitos "catabius" nas últimas cadeiras. Engano meu. É preciso desligar a mente das estradas ruins e quebra-molas que estamos acostumados a enfrentar no Brasil. As rodovias europeias são verdadeiros tapetes quadruplicados, bem sinalizados e livre de obstáculos. Apesar disso o limite de velocidade é de 90 km/h, o que equivale dizer que o ônibus anda igual uma anta e a viagem demora imensamente. Para vencer os 288 km,  gastamos quase quatro horas e meia. Além da leseira, o ônibus é um euro pinga-pinga: entrou em Viseu, Guarda, Almeida e Ciudad Rodrigo. Entre estas duas últimas tem o posto de fronteira entre Portugal e Espanha. Lá, o ônibus parou e entraram dois policiais espanhois vestidos de preto para verificar os documentos dos viajeros. O policial (com imensos olhos verdes), veio direto para nós.  Olhou-nos, com meu documento nas mãos, e perguntou: "Brasileiras?" Com sorrisinhos, confirmamos. Entreguei o documento de Luiza e acrescentei: "Is my hija." Ele pôs um ar de riso pelo mix idiomático, devolveu-me o documento e ainda disse em claro português: "obrigada". Essa foi a nossa passagem pela famosa imigração espanhola. Depois que os documentos de todos foram analisados, seguimos viagem. A próxima parada foi num posto da Ciudad Rodrigo. Comemos bocadillos de jamon ibérico (sanduíche de presunto ibérico) com zumo de naranja (a palavra mais difícil de pronunciar no mundo!). Luiza comprou uma barra de chocolate Milka (do lilás, ela adora) do tamanho do meu antebraço e uma garrafa de 1,5 de água. Aqui cabe um parênteses sobre a água:  Desde que voltei em 2012, repleta de vermes por causa do tal hábito europeu de tomar água de torneira, que me nego a fazer esse tipo de economia. Até porque uma garrafinha de 500 ml que cabe discretamente na bolsa, custa 0,45. Prefiro pagar 0,65 numa de dois litros, apesar de ter que andar com o trobolho na mão, mas que me incentiva a beber a água para aliviar a carga.

 Uma coisa curiosa é que, já no caminho, a temperatura estava bem acentuada, por volta dos 39 graus. Chegamos pelas 16h10 na rodoviária, seguindo de táxi para o hotel. Pegamos um taxista meio idoso que não falava inglês e não entendia uma palavra do que eu balbuciava em espanhol. A solução, inspirada em Vando da Travessia, foi mostrar o papel com a reserva, onde estava escrito o nome e endereço do hotel. O velho ainda tentou conversar conosco acerca del tiempo caliente, mas o diálogo resumiu-se a duas ou três frases. No hotel, misturando espanhol e inglês, conseguimos fazer o check in com uma atendente chatíssima (uma exceção) e depois, partimos para o Colégio Maestro Avila, onde estava acontecendo o evento. Anotei tudo num papel, e, fomos achando que, como é uma cidade pequena, encontraríamos facilmente o endereço. Só que o pedaço onde estávamos é o centro histórico, e Salamanca é uma cidade medieval. Você já andou numa cidade medieval? As ruas não têm a mínima lógica! A cidade é muito linda, mas a urbanização não entra da minha cabeça! Então, eu me perco de palmo em palmo. Quando conseguimos chegar, após tomar um táxi, já era a hora do coffee break. Havia muitos congressistas brasileiros e portugueses, alguns norte-americanos, ingleses e espanhois. No meio da muvuca acadêmica, encontramos Francislê e Dayse, que nos obrigaram a tomar parte no lanche, mesmo sem fazer credenciamento. Ficamos as duas lá, de penetra, tirando fotos com pessoas muito amáveis, que nunca vimos na vida. 

Luiza fazendo pose na Plaza Mayor
Concluída a social, deixamos o credenciamento para o outro dia e fomos andar na cidade. O plano era ir à Plaza Mayor, ver um ponto turístico importante, mas, que eu estava interessada em ver a locação utilizada no filme "Ponto de Vista" (Vantage Point, 2008), que já assisti mil vezes na Sky. No filme, o Presidente dos Estados Unidos foi fazer um pronunciamento na Plaza Mayor, durante um encontro do G7, e sofre um atentado. A história é contada sob o ponto de vista de vários participantes, e numa cena, a menina pequena toma um hellado na Plaza. Fomos procurar a tal Hellateria, onde  enfrentamos uma fila repleta de asiáticos para comprar os nosso hellados de Ferrero Rocher por 2,50. Uma delícia! Ficamos por ali, olhando o povo todo, até quando Luiza disse: Vamos embora? Fomos andando... e nos perdemos. Quando as construções estavam ficando muito modernas e já estávamos andando como os zumbis de walking dead, pegamos um táxi, que por 4 euros nos deixou na porta do hotel. À noite, depois de um belo banho de banheira (que Luiza "timbungou" e a água deu no quarto!), saímos para comer pizza na praça da Catedral.  
Numa ruazinha ao lado da Catedral de Salamanca

Casa das Conchas
No outro dia, estava esperando o telefone despertar às 7h20, pois o horário do encontro era às 9h. 7h02 liguei a TV, e fiquei olhando o noticiário, me esforçando para entender alguma coisa. Foi quando percebi que o relógio ao pé da tela estava com uma hora a mais! 8h03! Só Jesus na causa! Nem imaginava que entre Portugal e Espanha há uma hora de diferença horária. Me arrumei rapidinho, deixei Luiza no hotel, prometendo voltar pelas 12h30 para o almoço. Me armei com um mapa que arranjei na recepção do hotel, e fui enfrentar as vielas do centro histórico. Me perdi algumas vezes, passei um tempo na frente do pórtico da Reitoria procurando la rana junto com uns turistas austríacos e depois, segui caminho para Calle Fonseca. Perguntei duas vezes para saber se estava no caminho certo, e às 9h03, cheguei no meu destino.

A Universidade de Salamanca, fundada em 1218, tem muitas histórias. Seu símbolo é uma rã esverdeada em cima de um crânio, simbolizando que os saberes são efêmeros e que o ser humano é finito.  Bruna Jacques, que morou por oito anos em Salamanca me exortou a procurar o bendito anuro. Pois, no pórtico da reitoria tem um entalhe na pedra da miserável de uma rã, que todas as vezes que eu passei lá procurei a danada e nunca encontrei. Quando cansei de procurar, googleei la rana, para não ser vencida. À tarde, sob um calorzinho básico de 43 graus, fui buscar Luiza e almoçamos num restaurantezinho próximo da Rua Mayor. Pelas 16h, haveria uma conferência, e ela foi comigo. Depois fomos nos perder mais umas cem vezes, mas dessa vez, conseguimos chegar ao hotel sem precisar de táxi. Mais uns dias, aprenderíamos os itinerários. Só aconteceram duas coisas estranhas, que iria repercutir no andamento da nossa aventura espanhola. Primeiro, entramos numa lojinha de souvenirs na Rua Mayor. Luiza escolheu um moletom da Universidade e eu peguei alguns enfeites de geladeira para oferecer como recordação. Ao passar o cartão de crédito, não funcionou. Acabei pagando em dinheiro, mas fiquei com a pulga atrás a orelha, sem entender o que estava acontecendo. Depois, à noite, enquanto Luiza dormia o sono dos justos, me lembrei da história do "quase ficam a pé", e fui tentar comprar a passagem de trem de Madrid para Lisboa. Por mais que eu tentasse, sempre dava indisponível. Me aperreie e entrei no site da ibéria (www.iberia.com) e fui pesquisar o preço de passagem aérea. Como a diferença era tão pouca, acabei comprando um trecho Barcelona-Lisboa. Como o cartão de crédito funcionou e a companhia mandou o identificador da passagem, fui dormir mais ou menos tranquila, pois no dia seguinte seria a apresentação do nosso artigo.

Apresentação do nosso artigo
Saímos do hotel com nossas malas, fazendo o check-out do hotel pelas 9 da manhã, após tomarmos o café da manhã num pequeno café vizinho do Mosteiro das Carmelitas. No congresso, 70% dos participantes eram da área de saúde: médicos, enfermeiras, farmacêuticos. Assisti trabalhos muito bons, todas as sessões de comunicação tinha sala cheia, o que é um diferencial do CIAIQ. Aprendi algumas coisas novas, solidifiquei alguns conhecimentos já aprendidos. Foi interessante. Na apresentação,  Luiza ficou como passadora de slides e o pessoal fez algumas perguntas sobre as comunidades de prática. O artigo está disponível no volume 1 das atas do congresso, e quem tiver interesse de conhecer, pode acessar no link http://proceedings.ciaiq.org/index.php/ciaiq2017/issue/archive

Duas grandes impressões nos marcou a estadia em Salamanca: primeiro, a paciência divertida dos espanhóis em tentar nos entender. Misturando inglês, espanhol e alguma mímica, eu já desenrolava alguma coisa. Contudo, precisava me calar para que Luiza desenvolvesse suas habilidades com o inglês. Outra imagem que permanecerá sempre em minha mente são as andorinhas em vôo pelo centro histórico. Na Calle Fonseca, entre os prédios históricos de pedra dourada, as aves brincavam em voos rasantes sobre nossas cabeças, numa alegria de passaredo. Lindo.

Concluída nossa participação, já pelas 14h, Francislê e Fábio insistiram em nos levar à estação dos trens, onde pegaríamos a nossa condução para Madrid, próxima etapa da nossa cruzada espanhola, assunto do nosso próximo capítulo.

Fiquem com Deus. 

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