domingo, 10 de novembro de 2019

Sincericídio

Há dias atrás, Lulu teve uma dessas viroses que assolam a primavera tropical. Nessas paragens agrestes, as estações do ano (a saber: uma gelada e outra, torrando) sempre trazem no bolso uma ou outra virose. Até eu, tão invencível, quedei-me numa delas. O jeito é reforçar a hidratação,  algum repouso e esperar a natureza agir. Então, mesmo com um festival literário acontecendo na cidade,  ficamos as duas no esquema cama-sofá,  para que a menina vencesse o vírus. Numa sessão de sofá- internet, ela perguntou-me se poderíamos ver um vídeo. Concordei e me surpreendi com a escolha da pequena: três tatuados num papo cabeça com Mario Sérgio Cortella, falando sobre honestidade. 

Gostei da conversa porque um tempo de tanta mentira, repaginada como fake News, há mesmo uma pressão para sermos, ou pelo menos, tentarmos vivenciar mais a honestidade. Geralmente, quando se fala em honestidade, vem logo a ideia da relação com valores monetários e o respeito a propriedade alheia.   Contudo, a honestidade também relaciona -se as ações comuns no cotidiano. e nesse aspecto, tudo demaus é exagero, e  a sinceridade extrema pode caracterizar um sincericídio, como o próprio Cortella designou. Será que é sempre imprescindível dizer toda a verdade?

Outro dia, Tony foi convocado para uma audiência. O cliente era uma figura simples, enrascado numa relação falida. Antes da audiência, o bom advogado explicou ao sujeito que só respondesse o que a Juiza perguntasse. Ainda perguntou três vezes se o cliente havia entendido, e a criatura confirmou.  Na audiência, acusado de ameaçar o atual companheiro da ex com uma faca de cozinha, o rapaz achou melhor contar a verdadeira história: que foi a casa da ex-companheira, que tem uma medida protetiva, ver o filho menor, que ainda estava na escola. Segundo ele, aproveitou para "apreciar a paisagem" da mulher. Quando o atual companheiro chegou, ele estava na cozinha da residência com a filha maior. O cara não gostou e as coisas ficaram feias. Apesar da filha afirmar que ele não havia pegado a faca para ameaçar o atual, o cliente sincero, interrompeu e afirmou  que pegou a faca mesmo, só não aconteceu nada mais grave porque a mulher disse que ia chamar a polícia. A esta altura, Tony já estava verde com as verdades do cliente, tentando encerrar o depoimento que só   complicava mais e mais.  Então, habilmente,  a Juíza perguntou se ele não lembrava da ordem de restrição. O sujeito,  sem pestanejar, sacou: "que nada, doutora!  A polícia demora a chegar, é o tempo da gente correr." Perguntado se havia mais algum questionamento, o bom advogado respondeu que não,  pelo amor de Deus. A sinceridade do cliente pôs a causa inteira a perder.

É certo que a verdade deve prevalecer, mas nem toda verdade deve ser dita. Uma boa estratégia para avaliar o que devemos falar e quando devemos calar é exercitar a empatia, colocando-nos no lugar do outro. Se o custo for maior que o benefício, é melhor ficar calado. Já diria minha amiga Genésia: "quem fica calado, não se perde"
Segue o link do vídeo. Boa semana!

https://youtu.be/FK7kdwrXzds

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