quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Leituras e reflexões:1822

Quando cá esteve em maio/junho, Tony trouxe na mala esse livro que Ilma me mandou. Apesar de haver planejado dar ênfase a literatura lusitana, esse livro e o outro que Izabel mandou entraram na lista de leituras como prioridades. Ontem à tarde, conclui a leitura de 1822, uma relato histórico da história da independência do Brasil, com maneiras de reportagem especial. Do autor, Laurentino Gomes, sou fão desde a leitura de 1808, emprestado por Carol. Li esse livro todinho esperando por Luiza nas aulas de balett, que ela abandonou porque não gostava de ficar esperando na fila. Em 1808, o autor relata a transferência da corte portuguesa para o Brasil, uma jogada de mestre do D. João VI, que entrou para história como um rei parvo e comilão, mas que na verdade era um exímio estrategista, conseguiu dá a volta em Napoleão! Me agrada muito esse estilo de narrativa, que resgata a história do cotidiano através de registros históricos em jornais e diários de viagens. Sempre mostra uma visão mais humanizada e interessante, contrariando frequentemente história oficial.
Essa leitura me pôs a pensar na crise econômica que atravessamos no velho mundo. A bancarrota não é só portuguesa ou grega, é geral. Apenas as grandes economias se equilibram, mas sofrem os reflexos do não cumprimento dos compromissos desses países. Portugal era rico e ficou pobre, depois ficou rico de novo. E agora já está ficando pobre novamente. Parece aquela fala de João Grilo no Auto da Compadecida.  Na formação da União Européia, muitos países acreditaram que ficaram ricos do dia para a noite, mas os acordos que regem um mercado comum tem seu ônus. Para além dos meandros misteriosos da política e da economia, sentimos esses efeitos negativos nas prateleiras dos supermercados. A competição do produto estrangeiro sem sobretaxa, em igualdade de condições revela a fragilidade da indústria portuguesa. Por mais que queiramos consumir o produto local, chega uma hora que o bolso fala mais alto. 
Laurentino Gomes começa a sua (maravilhosa) narrativa com uma frase ótima: "A história da independência de um país que tinha tudo para dar errado e, no entanto, deu certo." Concordo que deu certo, mas em termos. Nossas mazelas sociais estão lá como testemunhas, mesmo com as melhorias dos últimos 10 anos. Quando chegamos em Portugal não acreditamos que a crise econômica seja tão profunda quanto alardeada pelos meios de comunicação e discutida nas paragens de autocarro. Em junho, fui ajudar num congresso promovido por um colega na UA. Lá, na mesinha de credenciamento atendi duas moças brasileiras muito elegantes. Era professoras da UNESP (São Carlos) que vieram apresentar um trabalho no congresso. Uma me pergunta: "E esse sotaque, é de onde?!" Respondi que era de Garanhuns, interior de Pernambuco, e, por coincidencia, a mãe de uma delas é de Caruaru. Como meu primeiro emprego na educação foi nesse município, ficamos amigas de infância. No meio da conversa elas perguntaram se essa crise realmente existe. Expliquei que a coisa está feia, no padrão de crise de cá. Quem viveu a hiperinflação da década de 1980 no Brasil, com o acréscimo das secas de 1986/1988 no nordeste, a crise daqui é uma valsa.  É claro que ela existe, sente-se no aumento de impostos, na mudança das leis trabalhistas e da reforma (aposentadoria) e no corte de subsídios, que se acontecesse no Brasil, era a terceira guerra mundial. Já pensou se o presidente fosse na TV avisar que reeberíamos só a metade do 13º? Que se preparasse logo para o estado de sítio. Ou não... Pois teve um presidente que "comeu" as poupanças do povo (perdão pelo trocadilho infame, mas está valendo!), que resultou em três ou quatro suicídios dos especuladores que viviam dos juros estratosféricos... Isso parece tão longíquo, mas foi há pouco tempo. 
Nas minhas andanças, vi cara-a-cara a crise duas vezes: em Lisboa, me impressionou a quantidade de imigrantes - homens negros e indianos de 20 a 50 anos, em sua maioria - que ficam o dia inteiro sentados nas praças olhando o tempo passar. Como não há emprego essa força de trabalho ociosa fica nas ruas, não sei como se sustentam. Não sei até que ponto suportam sem descambar para a criminalidade. Entedi as dificuldades que enfrentei na imigração, dei 50% de desconto a dureza das exigências para entrar nesse país. O outro encontro com a miséria foi com os pedintes de Coimbra. Em plena efervecência da temporada de visitas, os pedintes acompanham o visitante, insistindo por uma moeda. 
Jovem tocando "She", gravada por Charles Aznavour. 
E os jovens mais diretamente afetados pela crise do emprego, buscam trabalho pelas ruas, vendendo os seus talentos. Esses contribuem com uma trilha sonora dos passeios e merecem uma moeda como parco pagamento. Por Luiza, daríamos uma ajudinha a todos, mas se assim fosse, no final da rua, faríamos parte do exército de trabahadores de rua, eu tocando numa caixinha de fósforo e ela sambando para ganhar uns cobres.
Ainda assim, aos meus olhos calejados pelas dificuldades na luta pela sobrevivência a crise portuguesa é até engraçada. Como é que num tempo desses, as empresas dão férias coletivas de 15 dias e baixam as portas? Pior que são confeitarias, restaurantes, ou seja, equipamentos turísticos que em plena temporada se dão o luxo que colocar uma plaquinha na porta: "a partir de 8 de agosto, estaremos encerrados para férias. Voltaremos a 22 de agosto." Os mesmos cidadãos que choram as pitangas pelo subsídio de natal amputado de suas contas bancárias, estão estirados nas areias de alguma praia. É estranho a quem já conheceu o extremo de disputar à tapas um quilo de carne ou uma lata de leite. 
Laurentino Gomes tem muita história para contar. Ele e demais historiadores do Brasil precisam dedicar-se a deliciosa tarefa de relatar as dificuldades que passamos e quanto ainda temos que remar para daqui a alguns anos concretizar o fado de Chico Buarque: "Ah, essa terra ainda vai cumprir seu ideal, ainda irá tornar-se um imenso Portugal."

Obrigada, Ilma, pelo maravilhoso livro. 
Té manhã, fiquem com Deus.
       

Um comentário:

  1. Ainda bem que você gostou do livro, escolhi esse porque fala do Brasil e Portugal, que querendo ou não vão estar sempre ligados de alguma forma, a história de um está na história do outro. Acho que o nosso Brasil ainda será um dos grandes, não só pelo seu imenso território, mas pela qualidade de vida que vai proporcionar aos seus. O problema é que são séculos de desmandos e politicagens, maus hábitos que muitos acham normais, e que de fato não são. Pode demorar, mas um dia teremos muito do que ter orgulho, e mesmo com todos os problemas que temos por cá, acho que não há no mundo um país melhor que esse. Beijos e saudades de vocês.

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