quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Língua



Quem vive entre palavras, como eu, sabe que às vezes é difícil encontrar a palavra certa para exprimir o que queremos dizer. Indecisos, vamos movimentando o cursor impaciente e apagando sistematicamente mais uma tentativa frustrada de ordenar as palavras na reconstituição dos pensamentos. De velocidade incompatível, o pensamento torna-se caótico e as palavras tropeçam confusas na tela branca, indiferente. Talvez, esse texto saia. Não sei.
Tenho refletido sobre a língua desde que aportei em terras portuguesas. No começo, me estranhei com o sotaque, embora insistam os lusitanos que sotaque temos nós, brasileiros. Como quem estranha cama nova, acabei me acostumando, os ouvidos param de doer do tom ondulado, talvez por influência de uma vida ao mar. Esse sintoma do estranhamento foi superado depois de compartilhado com Petronildo, que passou pela mesma adaptação. A TV ajuda a acostumar com os verbetes locais, a entender que o tom ríspido é normal. Não estão aborrecidos, nem furiosos, estão apenas falando e o tom é esse mesmo.  Não precisa correr, que não é briga.

No mês passado, ao aniversário de seu Brito, pai de Dayse, a conversa girou e atracou na língua, a linguagem e os labirintos da compreensão intercultural. Na verdade, a festinha de seu Brito parecia uma reunião da ONU, onde os portugueses eram minoria: brasileiros, uma francesa aprendendo a dizer "dinossauro" e um Guinense divertidíssimo. Fiquei lembrando de uma cena da novela Laços de Sangue, que assistíamos quando Luiza estava de férias. Foi assim: no mercado, as vendedoras entraram em conflito por causa de um senhor, e uma xingou a outra de cabra. Achei engraçado, mas passou. Depois da festinha, no caminho de volta para casa,  fiz perguntei a Francislê e a Feio (É, o nome dele é João Manuel Feio! E ele nem é feio, é até simpático!) , e assim eu soube que chamar alguém de cabra em Portugal é um xingamento grave, de baixíssimo calão. Equivalente a galinha, no Brasil, mas, de modo bem rude, grosseiro. Assim, justifica-se a teoria de Adalberto Lagartossauro, amigo de Tony (por sinal, um dos mais agradáveis) que diz que pode chamar o outro de "safado", mas nunca de "cabra safado". Portanto, nordestinos precisam ter cuidado pois cabra bom aqui não é exatamente um elogio. Outro dia, estava assistindo a televisão e o entrevistado tascou: "preferimos não dar o peixe, mas oferecer a cana  para que o gajo possa pescar." Entre risadas, me lembrei de Pablo, que é um excelente pescador, mas que odeia peixe. Com uma cana, vá lá, até que dá jeito. Nesses conflitos de expressão, ainda ontem li um post interessante de uma colega no Facebook. Não exatamente com essas palavras, mas ela dizia que antes, quando "chegavam pelas 23 horas,  estava cheia de picas". Traduzindo: com todo o pique, em plena forma. No Brasil a primeira sentença é um negócio, no mínimo, estranho.  Gosto mesmo é de ouvir o meu nome em uma boca portuguesa. A pronúncia do L é "el" e não "ele", como o nosso. Dessa ondulação da língua o CecíLIA sai diferente, quase uma música. Se fosse uma imagem, seria um fonema rococó. Tenho ensaiado para ver se consigo dizer, mas, a dureza cultural da minha língua não consegue dar essa linda valsa de três letras. 

A língua é assim mesmo. Entre meios entendimentos e desentendimentos completos, vamos aprendendo mutuamente. Por isso entendo que, das imbecilidades promovidas por portugueses e brasileiros, a maior dos últimos 511 anos é esse acordo ortográfico. Embora me seja favorável, para quê formalizar e cercear com decretos o que na prática é tão natural? Que importa se a palavra tem um p ou um c a mais ou a menos, dependendo os olhos que leem? Em nome dos interesses da indústria editorial, leis determinam como devemos escrever. Não me espanta que arranjem um decreto para formalizar a maneira de falar o português no Brasil, na China, na África, na Índia, na Ásia e em Portugal, e vir com o absurdo de "não perceber" o que eu estou falando somente porque eu não estou "a dizer." Pode ter certeza, que com um pouquinho de boa vontade, acabamos nos entendendo muito bem.

Saudade de hoje: da fala nordestina, principalmente pernabucana, que eu adoro.

Té manhã, fiquem com Deus.
   
    

2 comentários:

  1. Aff! vou ser sincera: não entendo nada do que esses portugas falam!

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  2. hehehe, com o tempo acostuma. Embora tenha sempre aqueles que falam dentro de uma caixa! Bjos!

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