quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Morte e vida

Há dias venho pensando neste tema. Talvez porque é inevitável visualizar as cruzes sobre as lápides do cemitério de Aveiro quando se caminha ao longo da ria. Cemitérios são sempre muito interessantes pois eles guardam a história das pessoas que viveram neste sítio. Nunca tive medo de cemitério, pois sempre visitei o campo santo, acompanhando minha mãe a zelar pelo tumulo de meu pai. Não entendo muito bem o porquê desse temor, e até me espanta perceber que ele existe. Talvez por ele ser o lembrete na única certeza que temos na vida e o destino de cada ser vivente em cima desse mundo. Pobre ou rico, todos vão. E segundo "seu" Osvaldo, meu sogro, "até hoje nenhum veio de lá dizer se é bom". Portanto, tudo tem sua hora, nem um minuto a mais, nem a menos. Ademais, minha mãe sempre dizia: "tenha medo dos vivos, que os mortos já foram." 

Portão de entrada
Como estava a dizer, o Cemitério Central de Aveiro é particularmente interessante, sobretudo pela sua localização: fica no centro da cidade, junto ao Forum, um shopping center muito charmoso, com lojas chiques, cinema e praça de alimentação.   Há também uma área residencial no complexo. Na cobertura há um lindo jardim, um lugar adorável, onde gostamos de brincar às escondidas (esconde-esconde) por entre as cercas vivas, relva e oliveiras. Do outro lado do muro, é o cemitério. Ironicamente, o cemitrério parece sussurar que não adianta se ocupar em compras pois o tempo urge e o seu lugar está reservado. Ou pode ser que ele diga que não adianta guardar dinheiro e se apegar com posses porque o destino é o mesmo.



A rua que dá acesso ao portão, uma fileira de árvores sombreiam o caminho. Do lado esquerdo perfilam-se os jazigos mais antigos, que desenham um L invertido. Lá na frente, abre-se a área onde ficam os tumulos mais simples. No canto há uma espécie de "cabide" para vassouras e baldes arranjados de forma organizada. Aqui, não é necessário levar de casa os acessórios para a limpeza dos tumulos. As vias são pavimentadas e limpas, apenas folhas secas são levadas pelo vento, dependendo da estação do ano. Sempre há alguém arranjando jarros com flores naturais nos vasos de porcelana, colados na superfície lisa, não pelo temor de ser arrancado, mas para não serem levados pelo vento forte do outono. As inscrições de cobre estão apostas, sem sinais de violência. País desenvolvido é outra coisa: mesmo na crise, os malandras não perceberam que tem muita coisa aqui que tem valor de mercado. 
Uma coisa interessante são os jazigos de família. Neles, descansam gerações de aveirenses, desde 1835, relativamente jovem para a longevidade europeia. Olhando pelas janelinhas de vidro, vislumbramos os esquifes sobre as lajes, cobertos por toalhinhas de renda, brocado e veludo. Não são enterrados, e os caixões são aparentes! Tony não perdeu a divertida oportunidade de lembrar que quem iria gostar desse costume era Marquinhos do Caixão, amigo dele que possui uma funerária. Depois, soube por Sandrine, ao relatar a saga da passagem da mãe de Raul, o seu marido, que cada paninho daquele tem um preço, cada toalhinha que fica sobre o caixão encarece ainda mais o rito de sepultamento. Os agentes funerários tem books para o cliente escolher cada peça que compõe o pacote funerário. Os caixões aparentes me despertaram atenção a um odor adocicado que tem nessa área do cemitério, parecido com os das Igrejas de Itamaracá. Não sei se eram as árvores ou a minha imaginação, mas, pairava um cheiro doce muito leve no ar. No centro do cemitério há um monumento em memória aos liberais aveirenses que foram condenados à morte na revolução de 1828. Eles eram contra o absolutismo de D. Miguel, aquele irmão de D. Pedro I (aqui é IV!).    



Eu e Lulis haviamos combinado de levar umas flores para algum túmulo ontem, Dia de Todos os Santos, é feriado em Portugal, e as pessoas vão visitar os mortos, mas acabamos nos enrolando com as tarefas de vivos, e não fomos. Todas estas fotografias são de Jorge Cunha, diponíveis no blog Aveiro: o espaço, o tempo, a memória em http://aveiro-espaco-tempo-memoria.blogspot.com/2009/06/cemiterio-central-o-primeiro-cemiterio.htm
Como já disse, esse texto estava guardado há algum tempo. Era só colocar as palavras no papel virtual. Mas, me faltava alguma coisa. Então, Sandro Gama me lembrou a canção com Ney Matrogrosso deste que foi o último poema de Cazuza:

Poema
(Cazuza)

Eu hoje tive um pesadelo e levantei atento, a tempo
Eu acordei com medo e procurei no escuro
Alguém com seu carinho e lembrei de um tempo
Porque o passado me traz uma lembrança
Do tempo que eu era criança
E o medo era motivo de choro
Desculpa pra um abraço ou um consolo
Hoje eu acordei com medo mas não chorei
Nem reclamei abrigo
Do escuro eu via um infinito sem presente
Passado ou futuro
Senti um abraço forte, já não era medo
Era uma coisa sua que ficou em mim, que não tem fim
De repente a gente vê que perdeu
Ou está perdendo alguma coisa
Morna e ingênua
Que vai ficando no caminho
Que é escuro e frio mas também bonito
Porque é iluminado
Pela beleza do que aconteceu
Há minutos atrás    

E, eu que sempre me acompanhei da morte, me percebi mais do que viva. A morte é hoje,para mim um ver sem ser visto. É como naquela manhã que havia parado de chover e três estudantes apressados seguiam para a universidade. Eu, da janela do apartamento olhava-os caminhar, sem que eles me vissem. Via sem ser vista. Mas, de repente e sem razão nenhuma, um deles levantou a cabeça e me viu, porque sentiu um olhar. Isso me ocorre constantemente. Estou longe, mas não estou só. As vezes, até sinto o olhar deles a me tocar.   

Saudade de todos os dias: D. Cecília, minha mãe, a quem devo tudo o que sou e que ainda serei.
Té manhã.
Fiquem com Deus.

4 comentários:

  1. Muito profundo o seu Post de hoje!
    Eu não tenho medo da morte, tenho medo de não viver kkk, abraço!!!

    PS: incrivel o Poema!

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  2. Sempre andei em cemitérios, nunca tive medo, o medo que tenho é de perder os meus queridos, a minha família... Lindo o cemitério de Aveiro, tão bem cuidado que parece um parque! Eu e Ilza fomos levar as flores e limpar o túmulo de mamãe, pintamos na cor marfim, ficou bem arranjado, como dizem ai os portugueses. Você falou das cruzes de Aveiro que vê todo dia e engraçado que eu já fiz um trabalho, quando eu estudava no CAC, sobre as cruzes que a gente vê à beira da estrada. Elas passam uma impressão de solidão tão grande... solidão e saudade. Hoje, o seu post foi o melhor que você já escreveu até agora, muito lindo e profundo. Beijos e saudades de vocês.

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  3. Danilo, muito bom lhe encontrar por esses posts. E a intenção nem era de profundidade, mas, é inevitável falar superficialmente da morte, que como diria Ariano Suassuna: "é a única coisa que iguala tudo que é rico e pobre num só rebanho de condenados." Portanto, vamos viver bem nossos dias.
    Beijos para vocês.

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