segunda-feira, 7 de novembro de 2011

O Olho e o olhar

Sábado fez sol. Aliás, para não ser injusta Aveiro não é a cidade que mais chove no mundo, mas, deve ser a que a ventania é mais forte. E eu que achava que aquele beco de Ferreira Costa, em Garanhuns ventava muito. Aquilo ali é brisa em dia de verão! Aqui, os guarda-chuvas devem ser repostos com uma certa frequencia, e nem adianta comprar daquelas sobrinhas bonitinhas que desdobram e cabem elegantemente na bolsa. O jeito é investir num guarda-chuva robusto, um típico espigão 18, para aguentar o vento que ninguém sabe de que lado vem. Felizmente, os guarda-chuvas de hoje não são tão feios quanto os lúgubres chapeus de chuva de antigamente, eternamente enlutados. Tem até uns jeitosos, quase femininos, disponíveis por qualquer 5 euros nas inúmeras lojas chinesas. Aliás, neste aspecto Portugal é uma sucursal da China, eles dominam o comércio de pequenas bagaceiras em suas lojas entulhadas, tipo Vando e sua Travessia Presentes. Vende-se de tudo, de produtos bonzinhos e usáveis, e itens de qualidade duvidosa. É o dragão chinês devagarzinho engolindo o mundo.

Pronto, e como era um dia de sol saimos para almoçar na rua e andar olhando as pessoas. É digno de nota que os descamisados portugueses ficam lindíssimos no inverno em suas roupas de frio, chego até a esquecer o que gritam os noticiários. Tá certo, a coisa está ruim, mas os lusitanos queixam-se demais, e aos meus ouvidos calejados de dificuldades a choradeira imensa dá a impressão de que está faltando cuia para pedir esmola na próxima esquina. Na volta e no nosso caminho entramos em uma exposição de arte, parte do programa da 10ª Bienal Internacional de Cerâmica Artística.
O evento é composto por uma série de atividades na cidade que acontecem  desde o início de outubro, com promoção de concertos, workshops e exposições, com a participação de vários artistas, além de professores e estudantes da UA, nomeadamente, os integrantes do Departamento de Cerâmica e Vidro, cuja produção é reconhecida mundialmente. É biscoito fino.

A coletiva Retrospectiva nos deu uma ideia do que é que estão pensando os artistas  plásticos. Como já vos disse, não entendo nada de arte, e, por minha reconhecida falta de conhecimento só gosto daquilo que entendo como bonito ou, minimamente bonitinho. Técnicas, estilos, subjetividades são coisas tão distantes para mim quanto a muralha da China, portanto o que mostro aqui é somente aquilo que me agradou aos meus grosseiros olhos de leiga.


Gostei muito dessa trilha de pés de vários formatos. Luiza ficou medindo os pés dela com os dos modelos e observando os detalhes, tentando adivinhar se os pés eram masculinos ou femininos, enquanto eu pensava na diversidade de caminhos que seguimos pela vida e como nesses caminhar nosso caminho se entrecruzam com outros de outros caminhantes. Mundo grande. Enquanto olhava e pensava, era um olho na obra e outro em Luiza, no cuidado que ela não chutasse a obra. Já pensou que horror?

Essas escultura pareceu-me harmoniosa pois os passarinhos estão a dançar. Nunca pensei que pudesse atribuir movimento ao concreto, mas os corpos masculino e feminino dançam na graça dos passarinhos.

Porém, a escultura que mais me chamou atenção intitula-se "Voyerismo".

Apesar de ter o truque manjado do espelhinho, em que o sujeito vai olhar a janelinha e se vê, essa escultura me agradou. O olho é a janela para o mundo. E isso é mais um clichê. Entretanto, numa época internética, onde expomos nossas vidas nas redes sociais e depois reclamamos que "o povo tá falando de mim", essa prática que já foi condenada e considerada quase o oitavo pecado capital, hoje é socialmente aceito. Ver e ser visto ainda que seja por uma tela de computador é uma prática recorrente. Resta a cada usuário-produtor de informações da rede definir a si próprio o que deve ser exposto, estabelecendo limites entre o público e o privado. E vamos considerar que para brasileiro esse exercício é extramamente complicado dado ao traço cultural do espalhafato com que tratamos nossas vidas. É como mais ou menos disse Charlyton em uma discussão sobre privacidade na rede: "não quer que as pessoas saibam, não publique. Compre um diário com chave." Um sábio com carinha de poodle, esse menino. O pensamento foi complementado pela ironia mordaz de Reinaldo, quando alertava: "cuidado com o que publica, a inveja também tem Facebook". Eu já cai nessa teia e quase fui enredada em uma grande confusão. Hoje, tento ter mais cuidado, pois nas redes sociais escrevemos 2, as pessoas lêem 10, interpretam 100 e falam 1000. Isso faz parte da natureza humana.

A escultura me fez lembrar também de uma fala do Glaucio Costa. Ele diz que o problema de Garanhuns é o  "Olho da Paulista". Na década de 1960 havia uma loja em Garanhuns que tinha como logomarca (desculpe as dores, Eduardo!) um olho enorme. A Loja Paulista fechou, mas foram necessárias várias demãos de tinta para eliminar o olho enorme que havia pintado na parede da loja. Hoje, quando a inveja é destilada, o  matuto cantador lembra, profeticamente num tom de Avohai: "é o olho da paulista" . Apagou-se o desenho, mas ficou a maldição.

Uma escultura interessante. Mas, eu preciso confessar que o truque do espelhinho não funcionou comigo. Quando montaram a exposição, esqueceram das criaturas de baixa estatura. A escultura ficou bem acima da minha cabeça e não havia nem um banquinho à vista. Eu não iria dá pulos em público para alcançar a visão de mim mesma.

Saudade de hoje: da arte de Ilma Cristina. Ela tem uma belíssima série de gravuras chamada "No olho da rua", dos seus tempos no CAC/UFPE. Ela ainda é artista, mas os caminhos da vida lhe exigiu outras prioridades. Talvez, consigamos convece-la a expor no próximo FIG.

Té amanhã, fiquem com Deus. 

3 comentários:

  1. Concordo mto com vc quando diz em suas citações que quem não quer se expor n publique, e eu vou mais além, se n quer se expor n tenha FB e afins. Eu n tenho medo disso, quem quiser pode chegar e ler, apenas peço que seja elegante em suas considerações (quem resolver comentar). Não sou escritora mas gosto de me aventurar nas letras, escrevendo coisas do dia a dia.
    Como você, n entendo de arte, aprecio o que eu gosto e considero bonito, conceito flutuante pois o que é lindo prá mim, pode ser trágico prá vc...
    Adoro exposições e feiras, pois se pode conhecer coisas novas, e n tão novas, que se somam a nossa bagagem de conhecimento, para todo o sempre! N sei se acredito em outra vida, mas seja lá o que haja, acho que é nosso conhecimento que levamos, das experiências vividas nessa Terra, que importa. Se vc aproveitou, estudou, pesquisou, procurou saber, cavucou na rede, compartilhou ou roubartilhou de alguém, aprendeu, ótimo, se n, sinto muito: passou pelo mundo, pela vida em brancas nuvens, depois vai ser tarde. Portanto é mto importante ser, estar evidente, procurar, estudar, conseguir, mesmo que vc seja chamado de metido, eu n me importo pode achar. Bjo grande , saudade de vcs duas. Ciao!

    ResponderExcluir
  2. Ana, ler seus fragmentos de vida Aveiroliana é um alento e um privilégio que me proprociona sentimentos poéticos!!!

    ResponderExcluir
  3. Estou sentindo muito a sua falta no FB, Mahria, mas sei que a causa da sua ausência é mais que justa: o nosso maior compromisso deve ser com a realização dos nossos sonhos! Além do que quando voltares, trarás muitas histórias para contar no tutti un poco italiani.
    Geraldinho, é uma alegria enorme tê-los como companhia nessa odisseia, que você conhece bem, pois encaraste aquela temporada nos pampas argentinos. A sua presença é uma força para continuar a navegar.
    Saudades imensas de vocês.

    ResponderExcluir