quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Leituras e Reflexões: Contos Vagabundos

Nas minhas andanças pela literatura portuguesa, dei uma cabeçada fenomenal ao escolher o alvo. Olhando nas livrarias, me deparei com Antonio Lobo Antunes, autor de uma obra considerável, de belíssima encadernação. Aleatoriamente, escolhi um livro e fui-me contente para casa. Comecei a ler. Mas, não consegui me entender com o autor, e sou réu confesso: não estava preparada para aquela narrativa vertiginosa de "O que farei quando tudo arder". Para vocês terem uma ideia do meu estranhamento, o texto não leva pontos. O autor constrói a narrativa  alinhavada por pensamentos das personagens, e o único ponto que tem é o do final do capítulo. Num esforço hérculo de percebe-lo, consegui ler dois capítulos e me dei por vencida. À Antonio Lobo Antunes voltarei depois, quando estiver pronta para ele, como uma noiva que adia o casamento por não está certa de seu desejo.

De volta a biblioteca, quase derrotada, fui procurar outro livro de lazer, pois, essa leitura fecha o meu dia, limpando o meu HD mental para as leituras obrigatórias, que por sinal, tenho gostado muito. Ante a estante repleta, me perguntei: e agora? Deixei meus dedos passear pelas lombadas, sem me forçar a decidir. Mário de Carvalho me escolheu, e voltei feliz para casa com Contos Vagabundos na mão, sem saber porque não joguei o livro na grande bolsa (mala) de mulher que carrega toda sorte de bagunças. Sob o sol de geladeira (ilumina, mas  não esquenta) carreguei o autor para mim desconhecido, anônimo em sua vasta e premiada obra literária.
Gosto de contos por ser uma narrativa curta, geralmente escritos com a intenção de contar uma história. Nesse volume publicado em 2000, o autor desenrola 17 contos independentes, muito bem contados. Dentre os meus preferidos, "O binóculo russo". Neste conto, o autor narra as impressões de uma jovem que vive só em um pequeno apartamento em Lisboa. Sem família, amigos ou namorado, a jovem vive a construir impressões a cerca de pessoas que vê através de sua janela nos prédios vizinhos. Isso é bem possível pois  os prédios aqui são tão próximos, quase indiscretos, tornam prolongamentos uns dos outros. Porém, frequentemente as representações que construímos sobre os outros não correspondem à verdade. A jovem vive suas decepções através das imagens  captadas pelo potente binóculo russo, que mantém viva a esperança de fazer coincidir a pessoa com a idealização. Um sonho, talvez.

Em "Por uma vereda na falésia",  Mário de Carvalho descreve uma caminhada de turistas, guiados por um saloio algarviano (matuto do Algarve, litoral sul de Portugal). As ondas estourando nas pedras, as ervas no longo caminho são elementos de uma paisagem descrita com perfeição. Os turistas cansados perguntavam ao longo do caminho se já chegava a atração misteriosa, que prometia impressionar os visitantes  da capital. Aos turistas esfalfados pela caminhada, o saloio só respondia: "É já além". Nisso, encontrei um trecho que em muito se parece com o modo de ser do matuto agrestino. Diz o autor: "A experiência da vida ensinara-nos que este  'já além', dito pelos homens do Sul, é adequado a qualquer distância astronómica, mesmo das mais curtas. No entender do algarvio, a  lua é  'já além' e a América é 'só um saltinho'." Equivalente ao matuto que quando aponta com o beiço e diz "é ali", se prepare para andar por quilômetros. Qualquer semelhança não é mera coincidência.

Li Contos Vagabundos com grande prazer, estratégia eficiente para recarga de baterias desgastadas pelo árduo trabalho de construir uma tese. Nas delícias desta leitura, me percebi a lembrar de Nivaldo Tenório, escritor  garanhuense, exímio, arquiteto de histórias captadas com o olhar arguto de quem recorta a realidade de modo peculiar. Como diria Mário de Carvalho "É sempre a Portugal que tudo vem  dar", nessas falésias literárias estes mundos sempre irão se encontrar. 

Té manhã,
fiquem com Deus. 

3 comentários:

  1. Lindo texto, Anna, como sempre. Fazia muito isso - garimpar livros - numa gigantesca livraria que, infelizmente, não está mais entre nós, a Livro 7, ficava no centro do Recife. Diziam ser a maior do Brasil.

    PS: Dê mais uma chance ao Antonio Lobo kk

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  2. Me lembro da Livro 7, e gostava tanto de lá quanto do livreiro. Que figura, aquele cara!
    Com Antonio Lobo Antunes, eu cometi dois erros:
    1) Peguei a última obra do autor, ou seja, o ponto em que ele está mais "evoluído". Seria mais fácil se começasse pelo começo, obviamente!
    2) O meu juízo está tão hiperlotado de informações que, definitivamente, não foi um bom momento. Voltarei a ele depois, certamente!
    Bjos, Ed!

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  3. boaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa merda

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