sábado, 10 de dezembro de 2011

Santa Clara, clareai!

Dizem que os gatos se apegam mais aos sítios e os cachorros às pessoas. Se for verdade, e se eu fosse um animalzinho de estimação, seria uma espécie intermediária, um híbrido gato-cachorro, pois me afeiçoo tão facilmente às pessoas como aos lugares. Ao desistir de lutar contra a dificuldade em adormecer mesmo com um sono imenso, veio-me no escuro a lembrança de uma imagem de Santa Clara que tinha (e acho que ainda há) na sala dos Professores da Casa da Criança, a primeira escola que trabalhei como professora. Naqueles idos de 1998, éramos um grupo de professores novatos a serviço da Prefeitura de Caruaru (Pernambuco), uma nova categoria de população pendular que passava uns dias ali, outros aqui para cumprir cargas horárias em cidades às vezes equidistantes. Vínhamos de Garanhuns, Recife, Vitoria de Santo Antão, Campina Grande, João Pessoa. Talvez  tivessemos até aquela cara encovada, esfaimada e sofrida dos retirantes da seca, alimentando-se de merenda e dobrando turnos em duas ou três escolas para poder pegar o caminho de volta ou partir para a próxima cidade, onde mais uma escola esperava.

Como bom gato-cachorro me afeiçoei a Casa da Criança e suas pessoas, uma instituição franciscana, que oferecia educação básica em convênio com a rede estadual e municipal, além de uma escola particular de alto nível. Curiosamente, as três escolas eram administradas pela Irmã Bethania, da Ordem das Clarissas. Era uma mulher baixinha e enérgica com quem aprendi muito sobre a paixão. Pois bem, nos intervalos do almoço, quando a grana estava tão curta que tínhamos que recorrer ao biscoito com Tampico (suco de laranja em caixinha. Odeio até hoje!), ficamos muitas vezes imersas em diálogos existenciais: Santa Clara e eu. A imagem ficava no vértice das paredes, junto a um janelão de vidro jateado. Sentada à mesa, enquanto preenchia diários e planejava e corrigia atividades, conversava com a Santa, pedia conselhos, iluminação, paciência. Força para continuar e concluir o que vinha fazer, pois, os alunos não tinham nada com a nossa condição de bóia-fria da educação. Uma vez Mirna trocou os turnos e não voltou à Campina Grande, ficou o horário do almoço comigo. Riu tanto nas minhas conversas com a Santa, engasgou-se com biscoito e prometeu voltar. Nunca mais a vi depois que rompi os vínculos com Caruaru.  Ficou a história e a lembrança de uma boa amizade.

Assim como a minha (quase) amizade com a Santa. Embora  NS de Fátima esteja na minha medalha há mais de 10 anos, Chiara continua sendo minha companheira de lutas e de espera. Ela me inspira paciência, coisa dificil para uma pernambucana agoniada. Mas é uma paciência ativa, que faz as coisas, que busca ação. Há em Coimbra uma prova histórica dessa capacidade de paciência/ação no Convento de Santa Clara-à-Velha. Localizado à beira do Rio Mondego, o convento foi inundado e destruído varias vezes, e as freirinhas fazendo obras de contenção, sobrepondo pisos para conter a fúria das águas no (lindo) Vale do Inferno.

Aguentaram dois Séculos e acabaram mudando-se para uma área mais elevada, onde as águas do rio não ameaçava mais a paz do mosteiro. Resolvida a questão.

Me encontrei naqueles anos com uma Clara apaixonada.  A vida da jovem rica foi movida por uma paixão que a inspirou em renunciar o conforto e viver a pobreza pelo amor de um homem. Foi a paixão de Clara por Francisco que a fez realizar milagres de amor. Lendo uma página da Santa na wikipédia, http://pt.wikipedia.org/wiki/Clara_de_Assis soube que essa mulher conseguiu assistir uma Eucaristia sem sair do seu leito, um ano antes de morrer. E por isso ela é padroeira da televisão. Se fosse hoje, seria a padroeira da internet e suas conexões web 2.0.

Hoje, nas minhas conversações de insone com a Santa pedi para que clareasse logo o dia, pois este será o dia antes de Tony chegar. Daí, quando o outro dia chegar, vou começar a pedir a minha Santa-Amiga que deixe o tempo escorrer bem devagarzinho, sem pressa de se acabar. Apaixonada como eu, estou certa que ela vai me entender.

Saudade não. Ela está perto de terminar.
Té manhã, fiquem com Deus. 

2 comentários:

  1. Ana, querida, que texto lindo e bem escrito. É uma narrativa carregada de lirismo, típica de quem sabe manipular – no bom sentido – as palavras. Parabéns! Tenho lembranças como essa que você descreveu, tive períodos duros no início da minha vida de docente. Hoje consigo driblar os problemas com mai facilidade.

    Bjin!

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  2. Que lindo texto! Havia um quadro de uma santa que eu gostava muito no escritório das Casas José Araújo, uma Nossa Senhora das Graças. Quando a loja fechou, pedi a Jacira que salvasse a santa para mim. Eu fiquei com ela até o papel se corroer todinho... É bom ter uma santa de devoção, é como falar com um psiquiatra, você fala o tempo todo e ela só escuta. Tony veio aqui hoje, estava numa felicidade só, porque vai estar junto de vocês. Beijão!

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