segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Café, jornal e o Princípio da Bagatela

Imagem disponível em: http://comofas.com/como-fazer-cafe/
Aos nossos costumes tropicais, o inverno português é uma dura provação. Obviamente, comparado às temperaturas negativas e a preciptação de neve quase que constante que assola Europa à dentro, Portugal é quase um oásis. Porém, para nós, nascidos e criados no interior de Pernambuco numa zona de trasição cujo rigor climático é atenuado pela altitude, menos que 15 graus é um frio de lascar. Nessas últimas semanas, uma vaga (onda) de frio vinda da Sibéria derrubou as temperaturas para 2, 3 graus. Felizmente para nós, esse inverno está bastante seco, e o céu permanece azul, iluminado por um maravilhoso sol de geladeira. O efeito psicológico que o solzinho faz é incrível: prefiro 6 graus + sol a 15 + céu cinza. O inverno seco na zona temperada do hemisfério norte tem sido muito ruim para os produtores de cereais e criadores de gado, mas, para nós, é uma benção. Com a ausência de chuva, temos ânimo para sair, ainda que o vento seja um açoite nas nossas faces. Para esquentar, vai bem um cafezinho.
Os portugueses têm verdadeira paixão pelos cafés. Esses estabelecimentos quentinhos e aconchegantes estão sempre ocupados. Nas zonas de menor ventania, os frequentadores esquentam-se nas mesinhas ao sol morno da manhã e da tarde. O movimento entra noite à dentro, chegando até às 21 horas. São muitos cafés, sempre servindo café expresso fortíssimo, que não me agrada muito. Prefiro o "meio de leite", mais fraquinho e mais doce, além da chávena (xícara) ser maior. Aprendi com a Fátima Kanitar a pedir o cafezinho como "café cheio", assim a xícara já pequena não é entregue pela metade. Fico na dúvida se Ilma, Neide e Marinalva iriam gostar desse café minúsculo. Neste período que Tony está por aqui, geralmente depois das 16hs, quando já estou meio vesga das leituras e da escrita eletrônicamente rabiscada, vamos aos cafés, para andar um pouco e espiar os jornais. Fizemos um tour da cafeína aveirense: Tulipan, Litoral Pan, Venepan, Doce Aveiro, Aveirenses, Magestic, Zig-Zag, Ramos. Tem aquele outro à beira da ria e o do centro da Praça Marques de Pombal. E todos os outros para os lados do Rossio. Tem outro naquela rua dos postes elegantes, onde venta demais.  O nosso café preferido é o Veneza, que fica junto da passagem para o Fórum. Do lado há um obituário, que costumamos consultar para ver quem morreu.  Gostamos desse café pois o atendimento é ótimo e há dois jornais de circulação nacional e um de circulação local.
Eu não leio jornal, olho o jornal. Quando me deparo com alguma reportagem que me interessa, leio.  Hoje, no Jornal de Notícias uma manchete me chamou atenção: em Coimbra, um processo por um furto de um saquinho de feijão verde vem dando trabalho aos magistrados. Um infeliz foi flagrado furtando o citado artigo de um supermercado alemão. Entregue a GNR, o fulano foi preso e processado. A juíza entendeu que o valor do artigo furtado era irrisório e não afetava ao patrimônio da empresa, arquivou o processo aplicando corretamente o que no Brasil conhecemos como Princípio da Bagatela. Agora, a empresa recorreu e solicitou a reabertura do caso, requerendo uma idenização de 300 euros. Detalhe: a embalagem de feijão verde foi recuperada pelos seguranças da empresa, cujo valor era de 0.77 cêntimos. O assessor de comunicação do grupo justificou que a empresa recorreu para desencorajar os furtos. E eu fico a pensar duas coisas: 1) o desespero de quem furta algo que custa menos que 1 euro por estar passando fome já é duplamente castigado: pela situação de extrema penúria e pela vergonha de ser flagrado. Não acredito ser possível alguém furtar um pão se não for por fome. 2) Que mundo é esse que um coitado que furta uma bobagem é preso e condenado, enquanto um fulano que tem todas as oportunidades na vida e rouba milhões, prejudicando muita gente, é beneficiado por uma série de dispositivos jurídicos? Injustiça não tem fronteiras. Apesar de não ser mais tão jovem, estas coisas ainda me incomodam. Não perdi a capacidade de me indignar.
Depois da leitura da reportagem, voltei para casa pensando no Princípio da Bagatela, que conheci com maiores detalhes através das leituras do Trabalho de Conclusão de Curso de Elton em 2009 na FDG, orientado por Marinalva. Naquela oportunidade, enquanto a banca discutia detalhes técnicos da aplicação deste "diploma legal" (eles falam assim!), eu divagava em outras possibilidades de aplicação do Princípio da Bagatela. Quando vejo uma mulher a ralhar com o seu homem por conta da tampa do sanitário erguida ou uma toalha molhada sobre a cama, fico a pensar que esse é um caso típico de princípio da bagatela do cotidiano. Afinal de contas, será que esta criatura não tem outras virtudes que descaracterize este crime contra a arrumação da casa? É uma coisa a se pensar na gestão dos relacionamentos. Relevar-se tolerante é um sinal de evolução espiritual.   
Tão certo como dois mais dois são quatro, ficarei com saudades dessas pausas vespertinas  para um café e um jornal, na melhor companhia que eu posso ter.
Até amanhã, fiquem com Deus.



   
  

4 comentários:

  1. Cecilia, vejo que ao deixares a terrinha, virás para cá com um nova profissão, ora pois, pois, és uma perfecta jornalista. Gostei do teu texto,simples e bem descritivo,ao ler despertou-me o desejo de tomar um cafézinho por ai,rsrsrrs.
    Vi que as injustiças também, são vividas em terras de elevada cultura, onde sempre achamos que só acontece por aqui.

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    1. Amigo Ornilo, eu confesso: estou com saudades de um bom Café Ouro Verde. Mas, em julho, estaremos aí, se Deus permitir para matar a saudades de vocês.
      Infelizmente, injustiça não tem nacionalidade ou fronteiras. O que percebemos com a experiência de morar fora do Brasil é que elas se repetem com maior ou menor frequencia, mas, infelizmente, persistem.
      Abraços!

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  2. Engraçado, Anninha, que hoje peguei uma sentença com um caso desses, de furto por fome: dois irmãos furtaram pães, um kl de queijo e um kl de manteiga, dando a importância de R$ 35,00, que foram recuperados e devolvidos ao dono. Ninguém teve prejuízo e o juíz entendeu que não havia porque continuar com um processo tão bobo e arquivou. Ninguém recorreu, não havia porque. Acho que, como você falou, a vergonha e a prisão já foram duras penas para quem está morrendo de fome e recorre ao furto, no desespero. Fiquei com vontade de tomar café também, só que dos grandes! Beijos e saudades de vocês.

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    1. Ô, Ilminha!
      Há umas canequinhas bem a sua cara... para aquele seu cafezinho após o almoço. Pois, o que me revoltou nesse caso é que o mercado, que é uma rede internacional, recorreu e está empombando pela causa. Já pensou? Além do valor irrisório do furto, os recursos públicos que a causa mobiliza? Isso é um misto de burrice e ruindade.
      Saudades imensas de você!
      Bjos.

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