quarta-feira, 21 de março de 2012

Nossa linda juventude

Não entendo nada de arte, já disse. Gosto do que os meus olhos gostam. E gosto dos desenhos de Escher. Das coisas que aprendi com Ilma, este artista é uma das minhas heranças prediletas de aprendizagem por aproximação. Ela cursou não sei quantos períodos de Artes Plásticas na UFPE, e naquele meio tempo, aprendi muito sobre arte, pois esta minha irmã é das pessoas mais generosas que eu conheço: sempre compartilha um pouquinho do que sabe, principalmente do que sabe fazer. Lembro de um livro que ela tinha (acho que ainda tem) deste autor holandês que produziu desenhos maravilhosos. Como a minha habilidade no desenho estacionou junto com o meu raciocínio lógico nos 8, 10 anos de idade, apreciar esta arte é o que me cabe. Todos temos nossas limitações, e das minhas mãos infantis só saem traços igualmente infantis.

O tempo passou e hoje olho para aquela que fui. Somos a geração que tomou consciência de sua existência nos anos de 1980. Outro dia, olhando os livros de História de Mariana, me deparei com a definição: "A década de 1980 no Brasil é conhecida como a década perdida", referindo-se a profunda crise econômica que vivemos nesta época, corroídos pela hiperinflação. Deixa relembrar para quem viveu e explicar para quem não conhece: a hiperinflação era assim: você recebia o salário hoje e tinha que correr para o supermercado para comprar comida. Enquanto colocava os itens da lista básica no carrinho, o menino do supermercado ia remarcando os produtos. Muitas vezes, um quilo de feijão custava o dobro do preço quando chegávamos ao caixa: havia sido remarcado enquanto compeltavamos a lista de compra. Crescemos no país de uma inflação de 184% ao mês, em 1989 foi 1764% ao ano. Fomos a geração do nunca teve, temos na nossa formação as cicatrizes do sucateamento da escola pública assolada por greves intermináveis, pela desacreditação da profissão de professor. Ouvimos muitas vezes de alguns de nossos professores calejados pelo duro cotidiano das salas de aula com 60 alunos a lúgubre profecia: "vocês nunca irão passar em um concurso público" ou "estudem para ver se arranjam um emprego no comércio". Mas, o que não nos mata, nos fortalece, e  isto é sabedoria da Bíblia. O tempo arranjou um jeito de, ao seu modo, ir consertando as coisas. E a geração da década perdida hoje está na faixa dos 40, cuidado de suas vidas, uns concursados, outros nomeados. Alguns são patrões, outros funcionários. Aos trancos e barrancos, sobrevivemos. E produzimos.

Hoje, acompanho a mesma geração em espaços sociais distintos: a geração à rasca e a geração carcomida por tempos melhores. Engraçado como estas gerações tem um aspecto em comum. 

A geração à rasca é a linda juventude portuguesa. São meninos na faixa dos 20-30 anos que se viram ameaçados pela pobreza, pelo desemprego, pela perda de direitos sociais. Estes jovens cresceram num mundo de faz de conta da União Européia, e sempre tiveram de tudo. Mas, como nós brasileiros e nordestinos bem sabemos, ser pobre não é fácil. E mais dificil é ser (ou acreditar que é) rico e ficar pobre. Sem esperança de conseguir espaço no mercado de trabalho, estes meninos com uma formação intelectual impecável se veem pressionados a fazer o mesmo caminho que os seus antecessores fizeram: emigrar. Só que a época das grandes navegações já passou há tempos, e agora, não há mais ninguém economicamente inocente. Estão atravessados por uma tristeza, um desalento que nem criatividade, nem esperança sobrevivem. É um sentimento de derrota que somente os muito calejados deveriam ter. Estão fazendo da vida um fado à flor da idade.

A geração carcomida pelos tempos melhores é a nossa linda juventude brasileira. Em linhas gerais, abrange uma faixa etária um pouco menor, vai dos 16 (que já votam, mas não conduzem nem casam!) aos 25.  Estes meninos são filhos dos aperreados da década de 1970-80, que fizeram das tripas coração para que os filhos não passassem pelo mesmo que os pais tiveram que vivenciar. É a geração de mais direito que deveres. Hábeis negociadores, os meninos conseguem o que querem de pais que não tem nenhuma autoridade sobre os filhos, nem mesmo o poder de barganha. Profético, Roger Moreira, da banda Ultraje à Rigor cantava a evidência em 1984: "Não vai dar, assim não vai dar não vai dar, assim não vai dar pra eu amadurecer sem ter com quem me revoltar."  Os pais que dão tudo acabam (de)formando uma geração carcomida pelos tempos melhores, não precisam ir em busca de nada pois tudo está em suas mãos. Não precisam dedicar-se e estudar com afinco, pois sempre haverá uma recuperação da recuperação, pois quem paga colégio caro tem o direito de consumidor de ter o filho aprovado, ainda que ele não tenha aprendido quase nada.  Sempre haverá mais um vestibular, sempre haverá mais um engov para curar a ressaca. Para quê esforçar-se se tudo vem na hora que o reizinho ou a princesinha quer? Só que papá e mamã não são eternos. Então, que tipo de filho àqueles que tanto se esforçaram para dar infinitamente mais do que tiveram estarão deixando ao mundo? Terão preparo emocional para enfrentar as adversidades e os tempos bicudos?

De um lado e de outro, vejo uma só linda juventude (mal) criada com as melhores das intenções.  O tempo irá pô-los à prova. Talvez seja melhor repensar hoje que o NÃO é amargo, mas tem o valor do SIM para minimizar os sofrimentos de amanhã.

Até amanhã,
Fiquem com Deus. 

PS: "Linda juventude" é título de uma música linda do 14 Bis, de autoria de Flávio Venturinni e Márcio Borges (Com a correção do Ed Cavalcante. obrigada Ed!).
   

2 comentários:

  1. Lembro-me bem da década de 80, a minha preferida das quase cinco que vivi. Sempre lembrada sob a ótica do “pejorativamente falando”. Desse período, o que mais me infernizava era mesmo a inflação. Terrível a incerteza do futuro provocada pela ciranda financeira provocada por ela. Mas sobrevivemos e estamos aqui falando dela e das músicas. Que bom!

    PS: Acho que o título da música é “Linda Juventude”, mas, ao fina das contas, ela é nossa e que seja o mais duradoura possível! kk

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    1. É, sobrevivemos! A década de 1980 nos fez mais fortes para viver melhor e conscientemente os tempos melhores. E, estás certíssimo! O "Nossa" saiu de atrevido, vou consertar. Beijooooooo!

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