quinta-feira, 7 de junho de 2012

Doidos

E na hora de começar a escrever o texto, as palavras fugiram, a correr dos meus dedos... Uma lousa branca, sem palavra nenhuma. Talvez seja o contrário da loucura, que para mim são muitas ideias embaralhadas. Há um ditado que diz: "de médico e louco, todos temos um pouco", é uma boa maneira de aceitar que é necessário algum desequilibrio para manter-se (in) sano neste mundo. Quem é muito certinho, muito contido, muito previsível é uma bomba relógio ambulante. Por isso, não se espante se aquele espécime que não erra nunca acabar chutando o pau da barraca. Pessoas não foram feitas para ser esticadas em bastidores, e os nosso bordados cotidianos sempre são um pouco imperfeitos, nem que seja o avesso.

A vida por si só, já é uma imensa fábrica de doidos. E nestes tempos de comunicação em tempo real, multiplica-se este potencial produtivo. Para além da seriedade do sofrimento da loucura, prefiro a comicidade da doidice, pois com doença não se brinca. Mas, há alguns casos que seriam trágicos, se não fossem cômicos. Quem não tem na sua história de vida um doido na vizinhança? A desilusão, a vergonha, a tristeza e a pobreza são fórmulas eficazes de converter uma cidadão aparentemente normal em um doido de rua ou doido na rua. Ainda muito cedo, no Magano, mamãe nos dizia para termos cuidado com os doidos pois não se sabe como eles irão agir. E quando corriamos de Ester Barroada, com a cruel  indiscrição infantil, mamãe dizia áspera: "Acabe com isso, essa coitada não faz mal a ninguém." Assim, ficávamos sem saber ao certo de quem deveríamos correr. A pobre Ester tinha sido uma mulher rica, com casas de aluguel. Uma traição roubou-lhe a beleza, a fortuna e a sanidade.Ficou apenas ela e dois filhos também loucos em um casebre, criavam porcos no quarto contíguo, e o menino pequeno conversava com os bichos, embora nunca tenha falado com gente. Um universo paralelo escupido pela miséria. No caminho da escola encontrávamos sempre Bode Cheiroso, uma alcoolico de rua, com uma história de abandono parecida com a da Ester. No meu romantismo infantil, eu achava que seria uma boa solução se eles se  casassem. Por lá sempre dizem que "o remédio de um doido é outro na porta".

Minha mãe tinha razão de alertar-nos sobre as dificuldades de convivência com os lunáticos. Somente muitos anos depois, já adulta, entendi que o João Bola Murcha era um pedófilo. E nós, meninas pequenas convíviamos com aquele sujeito, que hoje sei o quanto ele é (ou era, nao sei se é vivo, nem quero saber) esqueroso. Se inocencia é perigosa, a distração também o é. Numa ocasião, ao sair apressada do trabalho para a escola, esperava no ponto do autocarro, um doido chamado Jerimum cismou com a minha cara e deu-me um murro no antebraço. Passei vários dias com um hematoma enorme no membro magoado. Creio que foi neste dia que desenvolvi a minha fobia dos doidos de rua. Eu tenho a absoluta certeza, que como os besouros, eles tem marcação comigo. O querido amigo Geovani Melo diz ter: "um pára-raio para doidos em pleno funcionamento". É tanto, que um dia, Geovani e Tony esperavam o autocarro na paragem à frente do Hospital da Providência (Hospital psiquiátrico de Garanhuns) e dois internos observavam a rua do janelão fortemente gradeado, começaram a chamar-lhes a atenção: "Ei! ei! doido!" Enquanto os dois jovens discutiam a quem os malucos chamavam, um lá definiu a parada: "Ei, doido de verde." Às gargalhadas, perceberam que os internos chamavam por Geovani, vestido numa t-shit verde. Pois, eu sou tal e qual. Outro dia quando ia buscar Luiza na escola, um maluco aveirense que anda pelas a discursar em alto e bom som contra o Governo e a Troika, estava fazendo um comício bem no sinal. Vi-o de longe, mas decidi enfrentar a situação pois estava atrasada, não dava para dar a volta no quarteirão para evitá-lo. Quando atravessei a passadeira, ele tascou, apontando para mim com o dedo em riste: "E fora os estrangeiros quem estão em Portugal a roubar os nossos empregos!" Me encolhi toda e apressei o passo, o doido era Xenófobo! Pensei até em correr, mas não ficava bem. Por via das dúvidas, deveria correr pois "doido não tem juízo". Para minha infelicidade, outro dia entrei num supermercado, e lá estava ele, a discursar contra os empresários "todos ladrões". Ninguém merece.

Caetano Veloso explicou muito bem : "De perto, ninguém é normal". E a maior concentração de doido por metro quadrado está nas universidades. A doidice acadêmica atinge indistintamente o corpo docente, os funcionários e alunos. Excluindo aquelas situações que são caso de internação, as instituições de ensino superior formam um agradável e divertido assentamento de malucos. Na AESGA temos uma piada interna sobre a doidice do docente. Numa reunião do Conselho Acadêmico da FAGA, Prof. Elpidinho chegou com esta: o aluno comentou em plena aula de matemática financeira que para trabalhar na AESGA tem que ter três carimbos de doido. É, a doidice deve ser certificada.  Deste dia em diante, ao nos deparar com algum desvairado, nos perguntamos: "Quantos carimbos tu achas que ele tem?" Às vezes nós, os professores, somos vítimas da crueldade dos alunos. Esperávamos o professor novato, recém concursado. E no primeiro dia, o sujeito atrasou-se. Fomos para a porta da sala, olhar o movimento do corredor de baixo, pois a UPE tem uma arquitetura que favorece a "olhadinha". O professor veio, educadamente disse: "Boa noite", e passou direto, à procura da sala. Dimas sussurou: "esse é o cara", identificando no primeiro contato que o mestre cheirava a talco de bebê. Ficamos parados, olhando ele ir até o final do corredor. Na volta, cumprimentou-nos educadamente, com uma voz profunda, e passou direto para o outro corredor. Ficamos contendo as risadas. Pouco depois, ele volta. Nos cumprimenta pela terceira vez, e passa direto mais uma vez. Neste meio tempo, Evaneide chega a porta e pergunta impaciente: "Cadê o professor?" Dimas, responde divertido: "Tá aqui, passeando e cheirando a talco de bebê." Bispo completou: "Já passou aqui três vezes". A caminhada só foi interrompida quando a colega pulou na frente dele e disse: "Ô professor, o 7º de Geografia é aqui!" Aluno é mesmo a imagem do cão. Passamos um tempão tratando-o secretamente por "azualdo", em alusão a azuado, doido. Com a convivência, Prof. Josualdo se revelou um excelente profissional e uma boa companhia para as viagens. Hoje, somos colegas de profissão.          

O ministério da saúde deveria advertir: "o excesso de informação provoca doidice". Eu mesma ando meio perturbada estes últimos dias. Como Augusto dos Anjos, tenho visto couro de rinocerontes nestas árvores aveirenses. Quando estamos sós, as doidices afloram. E tudo parte da mania que tenho (e mania não é nada saudável) de interpretar as reações dos outros, pois o que vemos, pode ser tudo e pode ser nada. Ou pode ser alguma coisa que não poderá nunca vir a ser. Portanto, prefiro aceitar que tive alucinações, e, o que vi ou pensei que vi, não passou de uma miragem neste deserto povoado que atravesso. Nem de longe pretendo me transformar no Negão da Engenharia, o fulano lá no Magano que endoidou de tanto estudar. Se for para escolher um tipo de doido, prefiro o Joinha, o que amava as flores.

Tenham juízo à medida!
Até amanhã, fiquem com Deus.     

2 comentários:

  1. Esse texto foi influenciado por aquela imensa Lua cheia? kkkk Eu prefiro sempre a loucura que é muito mais reveladora do que a sanidade.

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    1. Não tinha pensado ainda nesse história do João bola murcha ser pedófilo! pensando bem acho que era!
      Acho muito que a loucura é uma linha muito estreita! vez por outra vejo gente tão boa com tanta doidice!

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