terça-feira, 19 de junho de 2012

Fechando as malas

Enfim, olho para o calendário com a figura de Nossa Senhora de Fátima e uma paisagem do amanhecer em Jericoacoara e, já é dia 19 de junho. Como diz Tony Neto, depois que passa, o tempo passa rápido. Faz 60 dias que contamos os dias para chegar amanhã. É que como aquele quadro célebre  do Gugu, "De volta para minha terra", amanhã vamos atravessar, finalizando a primeira etapa desta temporada portuguesa. Nem precisa dizer que estou com imensa saudade da minha gente, da minha casa eternamente em obras, da minha vizinhança simples, mas, muito humilde e solidária. Sinto falta do meu trabalho, dos meus colegas e dos meus alunos. Já é hora de voltar.

Temos aproveitado muito a oportunidade que a vida nos deu. Sair do Brasil e vir estudar em Portugal numa das 100 melhores Universidades do mundo é um privilégio. E fazer um doutoramento a tempo integral é um privilégio aumentado: a maioria dos meu colegas dividem-se entre o trabalho e o estudo, em cursos modulados. Apesar dos tropeços do início, cursei os créditos no primeiro ano, e o segundo ano foi dedicado ao desenvolvimento da primeira versão do embasamento teórico da tese e para a construção dos instrumentos de coleta de dados e dos modelos de intervenção, que serão aplicados no período de julho a setembro, na AESGA. Escolhi a instituição que trabalho como terreno da investigação como forma de retorno ao investimento que tem sido feito nesta formação. Vivo aqui à tempo inteiro para investigação com o meu salário de professora de ensino superior. Apesar de muita gente achar que vivo nadando em dinheiro e sem nada para fazer, a realidade é exatamente o contrário: a Europa está atravessando uma profunda crise econômica e hoje, diferente de 12 anos atrás, quando o meu orientador e sua esposa trocaram o Brasil por Portugal, não há disponibilidade de bolsas de estudo, principalmente para estrangeiros que tenham alguma fonte de renda. Assim, temos contado as moedas para manter-nos. Além disso, há que se dedicar muito tempo à investigação. Ninguém pense que vem para uma Universidade européia, e que vai poder fazer as coisas à meia boca. É necessário sentar-se e gastar o tempo em estudar, principalmente para reduzir as deficiências da formação. Assim, acostuma-se a passar 7 a 10 horas diárias, sentadinho na cadeirinha, estudando. No início o corpo dói, a cabeça gira, há mil e uma coisas mais interessantes para fazer do que ler uma carrada de artigos e escrever uns tantos outros.  Mas, faz-se o hábito. Afinal, vim aqui para isso.

Terminou também o ano letivo para Luiza, que concluiu com avanços significativos o 3º ano. Desenvolveu muito bem a leitura e a escrita, além de ter alcançado grandes progressos na matemática. Para quem chegou aqui, como diria minha mãe "puxando uma cachorra", mesmo tendo concluído o 2º ano no Brasil, inscrita novamente no 2º, só conseguia média 60 em matemática, alcançar média 82 é uma melhoria importante. Está estudando bem inglês, embora escreva melhor do que fale, e continua gostando muito de estudo do meio, uma junção de Geografia, História e Ciências. Acostumou-se com a ginástica, muito mais puxada que no Brasil; adora as ciências experimentais e a música. Convive bem numa escola multicultural. Na sala de Luiza só falta um Russo para ser a miniatura do BRIC - Luiza é do Brasil, Ayat é da Índia. Nuno Hong e Angelo Wong são chineses. A professora Purificação aproveita-se da diversidade e promove o intercâmbio de saberes entre os meninos. No final, todos saem ganhando. Só não teve acordo com o xadrês: odeia! Quando o professor não está olhando, as meninas passam o tempo a inventar histórias românticas com os cavalinhos e peões. Participa atividades extra, como o cortejo das energias renováveis, manifestação pública das escolas do agrupamento para desenvolver uma consciência ambiental sustentável. Outro dia, estávamos estudando, e ela veio com os símbolos da nacionalidade. Disse-me solenemente que iria cantar o hino do nosso país, e tascou, desentoada: Às armas, às armas, sobre a terra, sobre o mar..." Interrompi a cantoria: "Ei, que hino é esse?" ela respondeu-me como seu eu fosse uma totó: "É o hino do nosso país, né, mãe!!!" Expliquei que esse era o hino de Portugal, o do Brasil é outro. Ela interrompeu: "então o hino do Brasil é: 'Alto padrão de civismo e de glória, templo sagrado de luz e saber...'" Expliquei entre risos que esse é o hino do Colégio Diocesano, onde ela estudou até vir para cá. Minha filha anda a fazer confusões, entre outras coisas, com o parlamentarismo e o presidencialismo. Ainda tentei ir explicando as duas realidades, mas desisti. Quando voltarmos definitivamente, ela conseguirá destinguir melhor, com a vantagem de conhecer outra cultura.  

Gosto de Portugal. Não estou aqui contrariada e cumpro à risca o juramento que me fiz um dia de somente sair de Garanhuns para viver em um lugar melhor. Espero que a nossa cidade chegue um dia a ser como Aveiro: limpa, organizada, educada e elegante. Uma cidade pequena, mas que tem tudo, onde não andamos nas ruas com medo, onde os condutores param na passadeira, no cumprimento das leis de trânsito, esperando o pedestre atravessar. Uma cidade com uma Universidade realmente universitária, onde não importa de onde você vem, nem como se veste. A efervecência criativa da produção do conhecimento é tão grande que não importa se a pessoa está de chinelos e bermuda, de véu ou de sari. Importa mais as contribuições de cada um para a partilha de saberes. Não há tempo para miudezas.  

Viver fora do seu lugar é uma aprendizagem de amplo espectro: aprende-se de tudo e em todos os lugares. Aprende-se sobretudo a observar para tentar fazer as coisas mais certas o possível. Defendo arduamente o direito do estrangeiro em cometer uma ou outra parvoice, afinal, por mais semelhanças que tenhamos, são culturas absolutamente diferentes, para além do que o Prof. Fernando Ramos classificou como "dois países irmãos separados por uma língua." Com o tempo, vamos aprendendo a entender e comunicar melhor. A convivência ensina que o abuso dos portugueses é apenas o jeito deles, e vamos aceitando-os da maneira que são. Quando me dão uma resposta brusca a troco de nada, dou risada, até porque um  português com a simpartia mulata e a cordialidade indígena é um brasileiro legítimo.

Deixamos alguns amigos, um T0 fechado com uma parede coberta por desenhos. Ficam também alguns livros, roupas e brinquedos. Voltaremos em finais de setembro, junto com as gaivotas.

Até amanhã, fiquem com Deus.

3 comentários:

  1. Valeu Anna!!!!! venham estamos com saudades de vcs...as pessoas que te admira, te respeita estão a te esperar.

    ResponderExcluir
  2. Gostei dessa frase: "(...)um português com a simpatia mulata e a cordialidade indígena é um brasileiro legítimo." E é mesmo! Somos um povo feliz e abençoado pela mistura. Mas, mudando de assunto, outro dia eu estava comentando com as meninas que as aves migratórias voam para o sul, quando chega o inverno; já as "aves Aninhas", fazem o contrário, voam para o sul no verão! Sejam bem vindas e que Deus as abençoe na viagem. Beijos e saudades de vocês.

    ResponderExcluir
  3. Oi Anna, tenho uma parente que vai estudar na Universidade de Lisboa, e gostaria de saber de ti, como ela deve se vestir, se usa short jeans, ou melhor seria calça jeans? Qual o melhor bairro pra morar próximo a Universidade. Gostaria se possível que me desse umas dicas. Te agradeço. Rosangela.

    ResponderExcluir