domingo, 29 de julho de 2012

Leituras e Reflexões: A noiva judia

Sempre, quase todas as semanas, vamos dar uma peruada nos livros nas livrarias aveirenses. Em regra geral, nos deixam em paz, olhando à vontade. Só uma livraria antiga que há ao lado do CTT é que o velho fica perseguindo-nos, farejando-nos. Parece até que vamos carregar uma enciclopédia desbotada debaixo do braço. Só fui uma vez, nunca mais voltei. Não aprecio vendedores em meus calcanhares. Em Garanhuns, sempre que podemos, damos uma paradinha na Casa Café para mexer nas estantes e conhecer as novidades. De quebra, tem um barista simpatísissimo, que além de ótimos cafés, desenha muito bem. Somos sempre muito bem recebidos pela Yve, proprietária da loja. Fica difícil sair de lá sem carregar alguma coisa debaixo do braço (sem sacolas, por favor). Numa dessas visitas à Bertrand do Fórum em Aveiro, percebi com curiosidade uma série de obras do Pedro Paixão. Não sei o que me chamou atenção, talvez o nome do autor: conheço uns cinco “Pedros”, um nome que bem que poderia ser o do filho que não tive. Puxei um dos livros, aleatoriamente, olhei a foto da contracapa: só os olhos de óculos e uma cabeleira despenteada. Li a primeira página do texto e gostei da conversa. Devolvi cuidadosamente o livro ao seu lugar, e peguei outro. Neste, havia a foto do autor esticado em um sofá. Li a primeira página, gostei mais ainda. Como o velho e bom dinheiro não havia chegado, devolvi o livro à prateleira, e ao chegar à casa, consultei a minha traficante de leitura: A biblioteca da UA tem me fornecido verdadeiros tesouros. Entre artigos de cansativa leitura técnica, saquei A noiva Judia, já na 6ª edição, publicada pela Editora Cotovia. Um livrinho fininho, composto por vários contos, histórias fragmentadas compostas por pensamentos soltos de alguém não conhecido.
A primeira frase do livro é: “Quase gosto da vida que tenho”. Já me identifiquei, pois por mais que nos esforcemos na busca pela felicidade, ao longo da vida é sempre uma busca não concretizada, até porque a felicidade é composta por momentos e a vida é uma eterna busca. Quem sabe o que procura, corre o risco de encontrar. E quando encontra o que se busca, é necessário jogar o objeto lá adiante, se não a vida perde o motivo e a razão. Segundo o autor “o erro não é das pessoas, a vida é que está errada. Devias pensar unicamente no que pode acontecer, não no que acontece. O que acontece tem pouco interesse.” (p. 25) E essa citação acabou por lembrar-me um texto da Mónica Aresta (não sei qual, mas está em http://agaveta.sapo.ua.pt), no qual sentia-se saudosa do tempo em que a vida era uma possibilidade em aberto. Tudo poderia vir a ser.
Em “lágrimas” o autor desenrola a história de uma mulher que forçava-se a chorar após o encontro com o amante com vistas a “dissipar o brilho dos olhos e a intensidade vermelha dos lábios de quem tinha passado pela excitação extrema de ter traído” (p.61). E depois de tudo, deitava-se ao colo do marido, que a consolava por algum desrespeito sofrido na rua, história inventada de última hora para merecer o consolo do parceiro traído. Há gente para tudo nesse mundo. Inclusive a quem apetece viver a mentira. Mente demasiado que acaba por acreditar na invenção. Conheci um a moça assim, ela mentia tanto e com tanto talento, que mesmo sabendo que tudo aquilo era mentira, acabávamos acreditando nos seus longos enredos. E mais interessante: a mentira que contava hoje repetia amanhã e um mês depois, aumentando só um pouquinho, sem nunca se esquecer de algum detalhe desimportante.
Talvez o que me chamou atenção no livro foi o título. “A noiva judia” poderia ser eu. Embora não tenhamos nenhuma tradição, nosso nome e a nossa cara não nega a herança judaica de alguma família fugida da inquisição, aportada em Pernambuco para recomeçar seus dias como cristãos novos. Além de mim, Izabel e Ilda também tem feições judias. As outras quatro são mais morenas, carregam mais o DNA indígena de minha mãe. Á mesma época da leitura desse livro, Luiza estudava multiculturalidade e etnias na escola. Quando lhe contei do nosso judaísmo pernambucano, reconhecida pela minha cara e pelo meu nome pelo Prof. Moreira e por Eliane, ela perguntou-me: “Eu também sou?” Achei graça. No Brasil, somos tudo. Expliquei-lhe que a decantação sanguínea em busca de uma classificação étnica do brasileiro é uma luta inglória. Tudo se misturou com tudo, e somos a junção de vários povos, uma singularidade caótica, harmônica.
Pedro Paixão descreve a vida com palavras leves, filosóficas. Em “O menino”, define que o problema da convivência é que “duas consicências fechadas num quarto nunca pode dar um bom resultado” (p.72). Desviemos, pois, das dualidades e dicotomias, viabilizando nossas buscas, sem nos deixar escravizar por elas.
Até amanhã, fiquem com Deus.

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