domingo, 23 de setembro de 2012

Gisberta, a canção e o outono

Não era sobre isso que eu ia escrever. Mas, somente hoje abri a minha lista de música no YouTube e a primeira da lista, ou seja, a última que adicionei foi a Balada de Gisberta, de Pedro Abrunhosa. No meu vídeo quem canta é Maria Bethania. Foi como eu deixei em junho, quando arrumamos nossas coisas e partimos para os trópicos em pleno verão europeu. Deixamos o sol faiscando e descemos o mundo para cruzar a linha do Equador. Mas, me lembro que quem me mostrou a música foi meu querido amigo Telles, um menino inteligente que ganhou meu coração em um semestre. Deixei a canção na voz de Maria trancada cá no quarto, onde hoje busco as letras no escuro do sono de Luiza.
 
É uma canção trágica. Fui buscar a história que inspirou o Abrunhosa, pois quando sabemos do contexto a história fica mais bonita. Apurei que foi um caso de violência urbana, ocorrido no Porto. É, essa cidade encantadora é cosmopolita também nas dores. Impressiona-me mais como transformar uma história aterradora em uma canção maravilhosa. A história de Gisberta seria somente mais uma manchete de jornal, esquecida e superada por todas as outras não menos trágicas que lhe seguiu.  
 
Talvez porque hoje é o primeiro dia do outono que eu reencontrei a voz de Maria, prevista nas folhas amarelas e castanhas que correm desvairadas no asfalto. Ou porque o vento que agita a copa das árvores fazendo um som de xiiiiiiiii enquanto cruzamos as calçadas, e nos surpreendemos com os mesmos pequenos cães que ladram no portão do casarão verde desbotado da esquina. É o mesmo vento que desmancha meu cabelo e levanta sorrateiro a barra do meu vestido que será encerrado no guarda-fatos daqui há mais uns dias, inadequadamente verde de verão. E enquanto a água escorre ocasional na janela, eu invento brincadeiras para distrair-nos e comemos ameixas frescas, mais pelo leve azedo da casca, que pela polpa sumarenta, em uma interminável tarde de domingo, cheia de cinza e ventania.
 
Ouvi umas tantas vezes perto da meia noite, com meus fones baratos. A cantora nos golpeia com sua interpretação, especialmente, no final, entre os 2:09 - 2:15.
      
Deixo-vos a letra e a música de um encontro perfeito entre um compositor portugues de excelentes palavras portuguesas encaixadas em linda melodia e uma intérprete hábil na arte de comover até as lágrimas.
 
Balada De Gisberta
Perdi-me do nome,
Hoje podes chamar-me de tua,
Dancei em palácios,
Hoje danço na rua.
Vesti-me de sonhos,
Hoje visto as bermas da estrada,
De que serve voltar
Quando se volta p'ró nada.
Eu não sei se um Anjo me chama,
Eu não sei dos mil homens na cama
E o céu não pode esperar.
Eu não sei se a noite me leva,
Eu não ouço o meu grito na treva,
E o fim vem-me buscar.
Sambei na avenida,
No escuro fui porta-estandarte,
Apagaram-se as luzes,
É o futuro que parte.
Escrevi o desejo,
Corações que já esqueci,
Com sedas matei
E com ferros morri.
Eu não sei se um Anjo me chama,
Eu não sei dos mil homens na cama
E o céu não pode esperar.
Eu não sei se a noite me leva,
Eu não ouço o meu grito na treva,
E o fim vem-me buscar.
Trouxe pouco,
Levo menos,
E a distância até ao fundo é tão pequena,
No fundo, é tão pequena,
A queda.
E o amor é tão longe,
O amor é tão longe… (…)
E a dor é tão perto.
 
 
 
 
Até amanhã, fiquem com Deus.

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