sábado, 17 de novembro de 2012

Marido

"E então, o que quereis?" O título do poema do Maiakovsky, popularizada no Brasil pela declamação mais que perfeita do João Bosco na mais bem sucedida versão da canção Corsário, bem que poderia ser uma pergunta adequada ao processo decisório do casamento. Tá bom, tem muita gente pensando, com a leitura destas primeiras mal traçadas linhas, que já vou eu filosofar sobre casamento. Contudo, me dê algum crédito, pois tenho aprendido alguma coisa com os 16 anos e meio de convivência, otimizados com a velha e indiscreta prática de olhar a vida alheia, como diria (o maravilhoso) Prof. Alexandre Nunes, movida apenas por curiosidade científica.
 
Uma das estratégias de coleta de dados da minha tese foi assistir aulas dos meus colegas professores. A intenção era coletar as perguntas que os professores formulavam durante duas aulas. E foi assim que entrei numa aula de Direito Civil, com Dr. Márcio. O colega professor é muito bem quisto pelos acadêmicos e muito respeitado no mundo da magistratura. Apesar de ter ido assistir a aula com objetivo bem claro (as perguntas, pelamordedeus!) aprendi alguma coisa. O tema da aula era Negócio Jurídico. A uma certa altura, o professor pergunta aos estudantes, conforme as interações devidamente registrado no relatório da investigação:

"Professor – Qual um exemplo de um ato voluntário que pode ser...? Qual é? O sonho de toda mulher?
(a turma se agita. Surgem várias conversas paralelas)
Aluno 3 – Ter filhos...
Professor – Nããããão! O casamento!
(Há uma grande manifestação da turma, que diverte-se. Algumas alunas protestam. Explica o casamento como um contrato voluntário).

Mais a diante, o professor formulou a seguinte pergunta retórica:

"Professor – O que é um casamento? É uma manifestação de vontade."

Pronto. Sem querer, mesmo com "um olho no padre e outro na missa", como disse Giane Lira, ao me questionar se aprendi alguma coisa em sua aula de cálculo I no curso de engenharia, aprendi que o casamento é um contrato voluntário, já que teoricamente, ninguém é obrigado a contrair matrimônio (parece até doença). Casa-se quem quer e com quem quer. Contudo, os motivos para o casamento são os mais diversos, bem como igualmente inúmeros são as razões para manter-se casado. Seja por amor, costume ou conveniência, os contratos de casamento permanecem como uma instituição social que atravessa os tempos, adequando-se aqui e ali as novas dinamicas sociais.
 
Encontrar um bom marido não é tarefa fácil. Até porque os critérios de inclusão do sujeito como bom marido tem sido cada vez mais exigentes, o controle de qualidade da mulher tem se aprimorado a cada geração.  Minha mãe nos dava dois conselhos paradoxais sobre o casamento. O primeiro, exaustivamente repetido nos meus ouvidos de adolescente, sentenciava:  "O melhor marido é um bom concurso. Estudem e se ajeitem na vida, depois vocês se casam". O que a minha sábia mãe queria dizer é que a dependência financeira mina qualquer relacionamento, de parte a parte. Logicamente, que as regras do companheirismo estabelecem que há momentos em que é necessário ajudar ao outro a fazer opções. Não há mau em pagar a conta, desde que não se torne encargo exclusivo de uma das partes. É muito mais  difícil romper um contrato de casamento quando a situação economica é de estável a boa, e que a contribuição é desigual. Tenho acompanhado a  vida de mulheres que mantém relações miseráveis, com vistas somente a manutenção do status social. Carregam a cruz para não perder a pose e não ter que ralar para pagar o aluguél... Cada um com suas opções. Contrariamente, o outro conselho que minha mãe dava acerca do casamento era: "Quem escolhe muito, fica sem nada". Esse conselho de mãe também me diz muita coisa, para além da possibilidade de ser incluída no rol das "moças velhas caritozeiras". Percebo, através das palavras simples da minha mãe que a perfeição não existe. Exigir que o marido seja bonito, rico, sincero, caridoso, cheiroso e carinhoso, elegante, atencioso, educado, delicado, generoso, pontual, responsável, organizado, estudioso, trabalhador, que odeie futebol, que curta filmes de amor, que seja criativo, espirituoso, conheça de etiqueta, de arte, de artesanato, tenha uma percepção sobrenatural para perceber nossas (in)disposições e achaques, comentem positivamente nossos novos cortes de cabelos e tinturas imperceptíveis, opine adequdamente na nossa roupa de festa, e , acreditem piamente nas nossas dores de cabeça reais e fictícias é muita especificação para um produto com as imperfeições de um ser humano. Um marido é apenas uma pessoa e NINGUÉM - nem eu nem você - reune tantas qualidades. A probabilidade de encontrar o ser humano pefeito para ser o seu marido é igual a de ser abduzido por ETs ao meio dia em ponto em plena Avenida Guararapes. Todos temos nossos defeitos de fabricação e esta é a graça da linha de produção da humanidade.
 
Esta fase da nossa vida tem me ensinado muita coisa. Já são quase dois anos que vivemos - eu e Tony - separados pelo grande açude (como ele tem chamado o Oceano Atlântico). Nestes vinte dois anos e meio que nos relacionamos e nos dezesseis e meio de convivência desenvolvemos estratégias de vivência marital que podem soar como bizarrices: não comemoramos dia dos namorados, pois, sempre nos trouxe azar. Não sabemos a data oficial do nosso casamento, preferimos a extra-oficial de quando fomos morar juntos. Decidimos juntos e planejamos ter uma única filha e um apoia os projetos do outro. A paciência desse homem comigo é uma capacidade que literalmente desconhece fronteiras. Afinal, me diga ai: Quantos homens você já viu conferir exames com o ginecologista, em substituição à doida que está do outro lado do oceano? (arrastamos o médico gente-fina nas nossa bizarrices... Parece-me que Dr. Alcindo é também simpatizante do surreal!) E que arranja o jantar enquanto escrevo esse texto?  Na convivência intermitente dos últimos dois anos, aprendi que uma toalha molhada sobre a cama ou a tampa de uma sanita levantada são apenas sinais inequívocos de sua presença física, perto de mim, e não motivos de cobranças e ralhetes. Não sou sua mãe, somos companheiros para a vida que escolhemos viver juntos. Esse conflito de papéis torna a vida cinza. Temos consciência que o nosso tempo é muito curto para miudezas e idiotices. Pretendo levar essa consciência de finitude para minha vida inteira e extrair do nosso tempo disponível o que temos de melhor.
 
O homem que é meu marido não é bom. É o melhor para mim.
 
Imperfeitos, assimétricos e inconstantes. É assim que somos, humanos.
 
Até amanhã, fiquem com Deus.

 
 

2 comentários:

  1. Eita, Anninha!!! Definitivamente (e cada vez mais) sou sua fã!!
    Cheiro grande... No marido também, viu?
    Cema

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