sábado, 23 de fevereiro de 2013

23%

Vamos, então, para a última semana de fevereiro. Segundo Agualusa em Milagrário Pessoal, "fevereiro em Portugal não é um mês, é uma condenação." Não posso me furtar a reconhecer que o escritor angolano de Portugal tem alguma razão. Ontem, a sexta-feira foi uma provação climática a que somente os fortes sobrevivem. Para mim e Luiza, a sexta-feira é um ordálio, pois nele nos acordamos às 7h40 por decreto. Já temos repetido a rotina durante toda a semana e no quinto dia consecutivo, vamos literalmente à pulso. E ontem foi com requintes de crueldade: já haviamos saído da escola na quinta às 17h45 debaixo de chuva. E voltamos a escola na sexta pela manhã, sob a mesma chuva. E durante o dia, o tempo alternou em chuva, um pouquinho de sol, um vento gelado que o amigo Carlinhos tipifica como "frio rompedor". Caminhar pelo passeio do Hospital em Aveiro é o mesmo que de moto em Garanhuns no máximo do inverno. Depois, choveu de novo, fez mais uma nesga de sol, e depois veio o granizo. Hoje, nos levantamos para um dia ensolarado, com o céu mais azul e um friozinho básico sob o sol de geladeira. Só Portugal consegue ter um clima tão bipolar.
 
Para além das doidices climáticas, temos enfrentado dificuldades na alimentação. Visitar Portugal é como visitar a casa da vovó: uma imensa variedade de doces, almoços fartos, com muitos cozinhados de porco e muita batata. Tudo muito bom, tudo muito bem, para passar uns dias e com um orçamento reforçado pela economia obtida no planeamento das férias. Mas, morar cá é diferente. Paga-se água, energia, gás, internet, tv  e telefone. Paga-se as propinas da Universidade. São compromissos que, quem vem de férias, nem se lembra que existem. Além dos custos há o desgaste quotidiano com a culinária local. Somando-se as nossas frescuras pessoais, tem sido dificil encontrar prazer nesta necessidade básica do ser humano. Luiza se desgastou com o almoço da escola. Quando a Escola da Glória era cá junto, o refeitório funcionava melhor e ela não reclamava tanto da comida. Contudo, este ano a escola entrou em reforma e mudou-se para uma escola enorme. Já vos contei isso no post "Rotinas escolares de quase inverno" (http://digaasnovas.blogspot.pt/2012/11/rotinas-escolares-de-quase-inverno.html) . Foram feitas adaptações no espaço físico, mas o refeitório é o mesmo, com a mesma equipe cozinhando e servindo refeições para 500 crianças e adolescentes. O resultado reflete na qualidade da comida. Luiza vive a reclamar da sopa e pegou um horror a peixe (paaaixe!). Quando vemos no menu abróteas, carapaus, solha, arinca, maruca, douradinhos, lulas e esses bichos esquisitos do Atlântico Norte tenho que fazer almocinho em casa e sair às carreiras para buscá-la na escola e depois devolver para o horário da tarde. E haja andar. Do meu lado, estou que não aguento ver um porco na minha frente. A galinha ao molho foi erradicada da minha cozinha, deusmelivre, não aguento aquilo. O feijão em lata é insuportável, até o cheiro.  E quem enfrenta o quotidiano de cozinha sabe que há momentos que não suportamos mais comer o que produzimos. Minha sogra sempre comenta que a comida que ela faz não tem gosto de nada. E o feijão de Nilza é o melhor do mundo. É a rotina que tira o sabor da comida. Imaginem quando se trata de uma criatura como eu, cujo talento culinário restringe-se aos pratos honestos, como a velha e boa lasanha?!
 
No Brasil, quando entramos nesta roda-viva, a saída é terceirizar o almoço, jantar de vez em quando no Estação Doçura (já provaram o bolo de milho de lá? aquela mulher é uma criminosa!) e, provar o sanduiche de queijo de manteiga ou o bode com pão, ouvindo as conversas dos funcionários de Ferreira Costa lá no Bar de 'seu' Manuel. Porém, em Portugal não dá para fazer da alimentação "rueira" uma rotina. Não é que não exista comida boa, é que o dinheiro da professorinha licenciada, atualmente estudante a tempo inteiro é pouco para financiar o hábito. Comidinha por um preço mais acessível está nas praças de alimentação dos centros de compras, como o Fórum. Mas, a crise econômica que assola a (ex) rica Europa afeta um setor que normalmente é o último a sofrer efeitos dos arrochos econômicos. O primo Clodoaldo me explicava essa semana que, quando ele atuou como consultor financeiro do Banco do Brasil, os clientes procuravam oportunidades de investimentos menos arriscados, recomendavam o setor de alimentação. Pois em Portugal, o setor da restauração (alimentaão fora de casa) sofreu um golpe duríssimo com o aumento dos impostos. Quando cheguei aqui em 2010, pagávamos entre 6% e 10% de imposto no serviço de restauração. Hoje, pagamos 23%!
A fatura ao lado explica melhor. No intervalo entre os turnos de trabalho, passei no café e pedi um café e um pastel da nata. A conta deu 1,60. Destes, 0,30 corresponde aos 23% de IVA,  Imposto sobre Valor Acrescentado. O problema é que o empresário recolhe o imposto que nós pagamos na fatura, e tem que repassar para o governo, com a emissão do documento fiscal. Daí, dá-se a desgraça: com a crise, o empresário vai fazendo malabarismos para pagar aos fornecedores, funcionários e manter demais custos operacionais. E o dinheirinho do imposto vai-se embora. Na hora de acertar as contas com o fisco, cadê dinheiro para pagar a dívida? Neste dia que consumi esse lanchinho, aproveitei para folhear o Jornal Público e me deparei com uma notícia terrível: no ano de 2012, em Portugal, registrou-se um aumento assustador de suicídios de empresários da área da restauração.  No ano passado verificou-se o fechamento de 11 mil empresas da área. Em três meses, aconteceram 9 suicídios (copiei as informações no verso da fatura!). Como a maioria destas empresas são de base familiar, quando ocorre a falência, não é só a empresa que quebra, mas a família inteira. E o monocromático povo português não tem resistência ao aperto financeiro, além de serem muito tementes às leis.  Cá, os empresários emitem nota de um palito de dentes e por conseguinte, pagam imposto.  Na mesma situação, o empresário brazuca sempre desenrola um jeitinho de aliviar a mordida do leão. Certo, não é, mas dá-se um jeito de sobreviver. Afinal, jacaré que fica parado, vira Lacoste!
 
Até amanhã, fiquem com Deus!
 

  

Um comentário:

  1. Por cá, as grandes empresas se omitem de recolher os impostos que saem dos nossos bolsos, ao serem cobradas, entram na justiça com um efeito suspensivo da cobranças. Nos, a plebe, somos obrigados a pagar sob ameaça de confisco, do pouco que amealhamos durante a vida. É mole!

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