sábado, 30 de março de 2013

Leituras e reflexões: Os Novos Mistérios de Sintra

Tenho feito muitas leituras não registradas neste espaço. Em parte, por ter a mim mesma prometido que não iria viver a resenhar livros, pois alguns já estavam a rotular este espaço como blog literário. E eu não tenho a mínima intenção de fazer o que quer que seja "literário". O que tenho feito é conversa pura, da mesma maneira que converso com minhas irmãs e meus amigos. A cada obra consumida, faço pequenas anotações nas sebentas (rascunhos) que utilizo para organizar as tarefas da investigação. Aliás, as sebentas estão cada vez mais parecidas com o milagrário pessoal da personagem  de José Eduardo Agualusa, cuja leitura já contei aqui em 27.03.2012 (http://digaasnovas.blogspot.pt/search?q=agualusa). Nas minhas sebentas anota-se de tudo: trechos de livros, referências de artigos, cálculos de frequencias de dados quantitativos, roteiros de viagens,  títulos de músicas e referências multibanco para pagar a conta do gás e da luz. É tudo misturado, parcialmente riscado e completamente rabiscado. Nem precisa escrever em código, pois aquilo lá só quem entende é a dona. São mistérios do cotidiano, um diário de bordo caótico absolutamente indispensável. Penso que não conseguirei viver a segunda metade da minha vida sem esses registros do dia-a-dia. Quando tenho que inaugurar um novo volume, reviso o anterior para copiar os dados indispensáveis (como o CEP de Ilma e alguns endereços eletrônicos), e marco as anotações que poderão servir como base de alguma coisa com post-its. Os antigos, vão para o armário da cozinha, pois cá dentro já não cabe mais nada.
 
Então hoje abri dois volumes passados, coincidentemente com capas vermelhas,  para resgatar algumas anotações decorrentes da leitura de Os novos Mistérios de Sintra. Havia muito tempo que estava namoriscando esse romance, que me esperava pacientemente na Leya. Todas as vezes que ia lá, lia uma página ou duas, me promentendo que o dia de levá-lo iria chegar. Então, numa promoção foi impossível resistir. A ação se desenvolve numa das mais lindas cidades de Portugal. Sintra é realmente uma cidade mágica. Mesmo que a visite 100 vezes, sempre há um lugarzinho que não havia visto. É um sítio que se revela aos poucos, somente para encantar e tornar cativo o visitante, mesmo o mais distraído. Este romance também tem uma particularidade: foi ecrito por sete escritores: Alice Vieira, João Aguiar, José Fanha, José Jorge Letria, Luisa Beltrão, Mário Zambujal (de quem ando namoriscando duas ou três obras) e Rosa Lobato de Faria (de quem já li "A trança de Inês", registado no post http://digaasnovas.blogspot.pt/search?q=A+tran%C3%A7a em 12.08.2012). Essa ideia maluca de escrever um romance coletivo surgiu, de acordo com os autores, da discussão do romance O mistério da Estrada de Sintra, cuja autoria é partilhada por Eça de Queiroz (meu autor preferido dos mais antigos) e Ramalho Ortigão. Essa obra, publicada em 1887, é o primeiro do gênero romance policial português. Além do ineditismo leva o curioso fato de ser uma obra partilhada entre dois autores. Imaginem a confusão que é decidir o que fazer com o destino das personagens, quando dois mundos absolutamente diferentes se encontram numa obra escrita. Esta obra de estilo arrojado e quase modernoso está na minha lista de leituras, mas não é tão fácil de encontrar nas livrarias. Já muito vasculhei, sem sucesso. O dia que encontrar, não namoriscarei, caserei logo.
 
Pois bem, se dois escritores deve provocar confusão, imaginem sete! Um escreveu o primeiro capítulo e repassou para o segundo desenrolar a ideia, que sempre deixava uma bomba chiando na mão do próximo. O resultado é uma obra histórico-policial muito movimentada e divertida. A história, naturalmente, decorre em Sintra. O personagem principal é um historiador. A pessoa mais comum do mundo, casado com uma investigadora na mesma área (ah, esses casamentos felizes na mesma área de concentração da investigação... quase tenho inveja!), com dois filhos, respectivamente pré e adolescente. Numa visita ao Palácio Nacional de Sintra, conhecido como Palácio da Vila, Gonçalo entra numa sala misteriosa que o remete a uma trama sobrenatural de reincarnação, disputa de  heranças perdidas e muitos crimes. No desenrolar da trama, os autores descrevem os monumentos e relatam particularidades da história de Portugal, numa riqueza estílsitica tipicamente lusitana:
 
"Gonçalo deveria saber que há portas que nunca devem ser franqueadas, que há chaves que nunca devem ser introduzidas em fechaduras secretas, que há mistérios e são tantos, que não devem ser devassados por simples curiosidade." (p. 93)
 
Mesmo sabendo que a escrita é partilhada, não encontramos falhas no estilo. A coerência deve ter sido fruto de muita conversa em torno de muito café expresso. Percebe-se que os autores se divertem em criar armadilhas para o próximo colega. Além da história, nos provoca a reflexões:
 
"O poder, a cobiça e a inveja são os mesmos de sempre, intemporais e eternamente repetidos." (p. 94)
 
São esses sentimentos que motivam os personagens numa busca de tesouros lendários, que não se tem certeza se algum dia existiram. Nas intrigas reais, entre palácios, passagens secretas e cavaleiros templários, desenrola-se um enredo de amor-e-ódio, tipicamente humanos. A leitura se torna ainda mais interessante quando tivemos a oportunidade de conhecer alguns sítios descritos in loco e comprovar que a descrição da luz de Sintra sob as enconstas cobertas de mata é uma perfeição. É por isso que vou dar um jeitinho e quando minha sogra vier em junho, vou usar a desculpa de leva-la a Sintra, só para conhecer a Quinta da Regaleira e comer umas queijadas na Sapa, já que não bebo Gijinha.
 
O livro, já não o tenho mais. Enviei para Alcione, como prenda de formatura. Uma pessoa especialíssima, que, como ela mesma diz, certamente foi traça na outra vida.
 
Até amanhã, fiquem com Deus.

PS: Só para matar as saudades, algumas fotos que fizemos em Sintra em Dezembro de 2011.

    

  

3 comentários:

  1. Interessante que o saudoso Professor Marco Camarotti fazia um exercício de criação parecido com esse de várias pessoas criarem uma só história, só que sám coisas absurdas da nossa lavra! Queria um dia ler esse livro, parece muito bom. Beijos e saudades de vocês. :)

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    1. Quando voltar, vou pedir emprestado a Alcione, Ilma! O livro é muitíssimo interessante. Beijos!

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