sábado, 20 de julho de 2013

Lições do FIG - Parte 1

Excepcionalmente, estou a escrever à lápis. E confesso que isso não é nada  fácil. Penso que a última vez que escrevi à sério de próprio punho foi na prova do concurso da AESGA, em 2008. De lá para cá, somente rabiscos de ideias, trechos de livros, estrofes de músicas, referências de livros. E lista de compras em folhas esparsas e lista de tarefas inadiáveis na sebenta. Considero que escrever em papel é muito estranho, ainda mais quando as mal traçadas linhas serão publicadas em meio eletrônico. As linhas vacilam, a esferográfica pesa. Com vistas a aproveitar os minutos de espera para o início do concerto, em meio ao cheiro de flores recém arranjadas em vasos grandes, escrevo, risco, corto, corrijo sob o olhar piedoso dos santos, da vigilância do Cristo crucificado e do olhar curiosamente disfarçado do holding vestido com a camisa do Santa Cruz. Me abrigo nos bancos austeros da Catedral, desenhando palavras num pequeno bloco de notas. Às vezes, os textos esbarram na curiosidade sobre quem passa ou nos desenhos de Luiza. Interrompo o  curso e retomo mais à diante, enquanto espero pela música. Estamos em Julho e é preciso aproveitar os pequenos momentos para transformá-los em grandes memórias.

Acompanhei lá do outro lado a polêmica acerca da marca do evento, essa imagem que é a abertura do nosso post de hoje. Eu não entendo nada de publicidade, de propaganda ou de marketing. Contudo, considero que a marca do 23º FIG é de extremo bom gosto. A éfige da moça é uma homenagem a Simoa Gomes, a fazendeira que doou à paróquia o território que hoje é a cidade. Além disso, a proposta deste ano é render uma homenagem a Janete Costa, uma proeminente arquiteta garanhuense. Essa marca causou uma discussão intensa nas redes sociais, muita gente a reclamar da ideia. De tudo isso, eu conclui que as pessoas de Garanhuns que estão zanzando nas redes não se identificam com as populações indígenas, apesar de sermos notadamente herdeiros da cultura indígena, nem tampouco com a tradição quilombola, uma riqueza da nossa região. É lamentável, pois nada é mais ridículo que defender preconceito contra a sua própria origem.
 
A cidade fervilha de gente, de arte e de conhecimento. No final da ladeira do Sesc, topei com um caboclo de lança. Não é todo dia que o trânsito atravancado da cidade ganha as cores e o som do maracatu rural. O Caboclo de lança sempre me impressiona, seja pelo jabor bordado em lantejoulas miúdas, pela vasta cabeleira colorida ou pelos guizos roucos abrindo passagens. Me deixo parar e ficar olhando para o cabra da zona canavieira, sem medo de confusão com qualquer flerte ou paquera. É só lindo o som que ele faz a cada passo ladeira a cima. Durante o FIG o tempo deve ser muito bem gerido pois há muito o que ver, aprender, aproveitar. As pessoas são um espetáculo à parte. Parei mais uma vez para espreitar o samba que comia solto no forró de Zé Freire. Em dias normais, não é um ambiente muito recomendável. Neste período tornou-se ponto cult dos jovens descolados, numa das mais surpreendentes metamorfoses do FIG. Fica a lição que o ambiente é culturalmente construído e e a horda de moderninhos acaba por resgatar recantos discriminados da nossa cidade. Que sejam sempre bem vindos para soprar o bolor do preconceito dos nossos cantos. 

Sempre evoco a desculpa de levar as crianças ao circo. Mas, na verdade, eu que adoro um espetáculo no picadeiro. Ontem, juntei os miúdos: Luiza e seus amigos, os irmãos Mari e Matheus e fomos ao circo. Na pista de apresentação estava o Circo Aéreo, com vários números especializados em equilibrismo. O que mais me encanta no circo é a dedicação de famílias inteiras a esta arte. A abertura do espetáculo foi feita por um cover do Michael Jackson. Por sinal, bem acima do peso. Mas, valeu a música e a boa intenção. Depois, vários números de equilibrismo sem rede de proteção. De olhos para o ar e boca aberta acompanhamos o risco calculado que corriam os artistas em suas peripécias. Não haviam desafios às leis da física. Tenho certeza que uma pessoa com maior competência na área do que eu, poderia perceber, pontuar e até explicar cientificamente as acrobacias. O equlibrismo na escada, executado pelos Irmãos Dantas foi muito bom. E me despertou analogias com o mundo organziacional. O circo dá uma aula sobre trabalho em equipe. Para o sucesso da apresentação, é fundamental a cooperação de todos: do sujeito que segurava as cordas, do holding que lançava as maças para os malabares, do sujeito que fazia o contrapeso para equilibrar a escada. O protagonista da ação só consegue executar os movimentos com precisão e arrancar aplausos da plateia boquiaberta, se todos contribuírem. No final, o sucesso é coletivo. Lá para diante, Mari identificou o artista principal do primeiro número a ajudar na execução da apresentação da colega, e sussurrou: "É o artista do começo que está segurando as cordas!" Até uma criança de 7 anos consegue perceber que cada um tem o seu momento de aparecer e seu momento de contribuir. Quem bom que os nossos gestores e colegas de trabalho percebessem isso.  Assim, produziríamos mais e perderiamos menos tempo com vaidades. Talvez eles precisem ir mais vezes ao circo.

Eu, o primo, Wellington, Neto e Tony

No nosso inverno tropical e nordestino, hoje foi um belíssimo dia de sol. E foi também o dia de encontrar pessoas amadas. Assim que Tony ligou o telemóvel, o primo Clodoaldo ligou nos convidando para o almoço. Lá estariam também Wellington e Nell, ele irmão de Tony, que mora há mais de 20 anos no Amapá, região da Amazônia, no norte do Brasil. Além de reencontrar meu querido primo já quase recuperado de um transplante hepático, fomos recebidos por Ana, uma mulher admirável. Sempre de bom humor e bem disposta, é garantia de boa conversa, sonoras gargalhadas e excelente cozinha. Ana é a competência em forma de dona de casa. Depois, chegaram os familiares da Ana, entre eles o Antonio, que estudou comigo na Especialização de Gestão de Pessoas. Mais tarde, chegou o Bola, irmão do primo, com um grupo de amigos do Belém (Pará). 

Fiquei muito feliz em ver tanta gente boa junta. Fomos muito bem recebidos com tanta hospitalidade por Carol e Neto. O FIG também trás oportunidades imperdíveis de abraçar velhos e novos amigos, além do calor e carinho dessa família que me recebeu também, e da qual me considero parte. Família é a parte mais importante da nossa vida. É para onde corremos quando temos problemas, é com quem importa dividir alegrias e vitórias. Considerando que cada um tem seu jeito, e que problemas existem e acontecem nas melhores famílias, eu, como sempre, fico com a parte boa: o carinho, a afeição, as histórias divertidas. É com eles que aprendemos, dividimos e nos multiplicamos.
 
O pianista Eduardo Monteiro explicando os prelúdios de Debussy
Depois do almoço, mas já nos meados da tarde, cheguei afogueada na Catedral de Santo Antonio sem nem saber o que era da programação. Um recital de piano, era a única informação que tinha sobre o programa. Um impresso de muito bom gosto nos foi entregue por um jovem muito educado. O concerto seria com Eduardo Monteiro, livre docente da USP, um dos expoentes do piano no Brasil. No repertório, o professor, que foi solista das filarmônicas de São Petersburgo, Moscou, Munique, Bremen, Sinfônica Nacional da Irlanda, Orquestra de Câmara de Viena, executaria Mozart, Villa-Lobos, Debussy e Liszt. Pacientemente, explicou cada peça, contribuindo com a formação de plateia, ação que o Conservatório Pernambucano de Musica (CPM) tem desempenhado desde 2008 com afinco e competência.  O concerto foi excelente, a plateia calorosa, o concertista muito simpático e agradecido com a atenção do seu público. Quem diz que música erudita não tem público, não conhece Garanhuns.     

Ainda tem mais oito dias de evento. Aos poucos, vamos marcando os horários, esbatendo agendas e viabilizando encontros com pessoas queridas, em casa, nos pólos de atividade do evento, nos cafés. Para além de divertir, o FIG ensina. É preciso estar atento, como Ney Matogrosso, aos sinais. Nem tudo é didaticamente explicado, mas, com tudo é preciso aprender um pouco mais. 

Até amanhã,
fiquem com Deus.

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