domingo, 4 de maio de 2014

Perfume


Invernou do lado de cá. Há uma semana que só chove, alternando entre fortes pés d'água e a garoinha fininha, típica do Planalto da Borborema. Entre um tipo de tempo e outro, abre um solzinho tímido, trazendo um calor abafado, somente para enganar os cães, que correm doidos pelo meio da rua, pulando nas poças, e as donas de casa, iludidas pela ânsia de secar a roupa que se acumula nos varais. Já não sinto mais o frio de que tanto os munícipes se queixam, e que eu mesma sentia há anos atrás,  bem como não temo mais a chuva. Quarta feira, Tony foi a uma audiência em Caruaru, e nós nos desmotorizamos. Sem drama e com um guarda-chuvas em punho, sai do Hospital às 11h30 (acompanhava minha irmã numa cirurgia, depois eu conto) para buscar Luiza na escola. Fazia tempo que não andávamos nós duas sob a chuva. Depois que acostuma, é até bom. O nosso treinamento de inverno foi bem feito.

Como chove muito, já não se sente o cheiro da terra molhada. Isso é coisa de chuva de verão. Com menos calor é possível até usar um perfuminho mais forte, mesmo que para nós não tenha a mesma função dos perfumes nas temperaturas negativas. Sob 20 graus é possível ir a praia, portanto, não há desculpa da ausência do sagrado banho de cada dia. O certo é que no inverno o perfume pode ser um pouco mais evidente, por ser reduzir as reações químicas inevitáveis sob o calor de 36 graus. Contudo, um alerta é necessário: perfume não disfarça cheiro de guardado, nem cheiro de "à pulso" (aquela roupa que demorou a enxugar e ficou com cheiro de cachorro molhado), ao contrário, evidencia-o. Portanto, cuidado: um pouco de senso crítico ofativo não custa nada.

Perfume é algo muito pessoal. Nem sempre o que vai bem com uma pessoa é adequado a outra, pois tudo depende do modo com que a substância irá reagir com a pele e o metabolismo do usuário. Parece conversa de químico, mas é constatação empírica. Outro dia, senti um perfume maravilhoso quando Thayze passou. Indiscretamente, perguntei o que era. A colega, sem pudores, deu-me o nome. A primeira oportunidade, lembrei-me e experimentei. Não gostei em mim, ficou muito doce. E eu não sou lá muito doce para andar por ai como um buquet de flores. Depois de refletir um bocadinho, percebi que o problema era outro: eu, que nunca repito o mesmo perfume duas vezes, sou fiel a apenas um enquanto uso. Se ainda tem, vai só aquele. Que sejamos felizes enquanto durar. Mas, não importa o que vai em mim, mas o que me trás o cheiro dos outros. Semana passada, Claudinha abraçou-me na coordenação da FDG e eu passei o dia inteiro com o agradável perfume a minha volta. E há pessoas cujo cheiro supera a distância e o tempo, como o cheirinho bom, mistura de seiva com fruta vindo do cabelo esvoaçante da Mariana Martinho. Aliás, essas Marianas, meninas-louva-a-deus são muito cheirosas. Será que é coisa do nome? 

Por melhor que seja o perfume, precisa saber usar. Nós tínhamos uma amiga, que, antes dela aparecer  na sala de aula, já sentíamos o cheiro, e alguém sempre dizia: "lá vem Eliane!"  Num dos serões regados à vinho barato, ela entregou a fórmula: primeiro, óleo de banho. Depois, óleo de coco, para cachear o cabelo. Depois uma boa dose de uma colônia teen, famosa na época. Uma verdadeira  farmacopéia que a companheira utilizava que anunciava a sua presença antes dela chegar. Mas, era bom. Quando ela cheirava demais, dizíamos sem cerimônia: "Vai pra lá Eliane, que hoje foi demais". Igual a um amigo de Tony, a quem ele dava carona todas as manhãs. O sujeito vinha tão perfumada, que Luiza começava a espirrar. Passamos a chamar o cara de "Perfume", e quando Luiza estava muito atacada da renite e quando aproximávamos da parada do ônibus, e Perfume estava distraído, passamos reto e ligeirinho. O problema não era a carona, era a crise de espirro que acometia a menina. Felizmente, Perfume comprou um carrinho e atualmente só trocamos buzinadelas educadas. Por causa do perfume, na gravidez enjoei do perfume do Padre Emerson. Minhas aulas eram as duas primeiras da segunda feira pela manhã. E lá vem o aluno-Padre todo cheiroso, me revirando o estômago. Um dia, pedi-lhe que ficasse perto da porta, pois o vento se encarregava de dispersar o perfume, que era bom, o  problema era comigo. Cheguei a pedir-lhe que não tomasse banho antes de vir a escola, o padre cheirava demais. Ele exclamou: "Agora, pronto! Vou ser um padre fedorento por causa dessa mulher!" Foi uma unidade inteira de chacota com o perfume do padre, e eu só parei de enjoar pela manhã quando ele deixou de ser meu aluno. 

Me ocorreu essa história toda de perfume por dois motivos: O primeiro é que há um filme que é incansavelmente repetido nas madrugadas,  e que anda me perseguindo. O título: O Perfume. Nunca assisti todo, e, a maior parte das vezes que perco o sono e vou me distrair vendo um pedaço de filme, é este que vai terminando.  Um filme muito louco, cujo ator principal não pronuncia uma única palavra. Pelo pouco que entendi, o argumento é que o perfume era feito com uma essência mágica, que fazia com que as pessoas se apaixonassem por quem usasse. Reservando-se os exageros poéticos, há realmente perfumes que nos despertam boas lembranças ou nos trazem uma sensação inexplicável, um dèja vu, alguma coisa que me traz aqui, mesmo sem antes ter estado. E esta é a segunda razão: sexta-feira passada alguém cumprimentou-me com um beijinho, e me deixou uma estranha sensação. Da proximidade, ficou o perfume. Um cheiro quente, conhecido, já identificado, mas não classificado, catalogado. Situação similar ao cheiro daquela árvore que tinha na casa de D. Dorinha, e que eu me lembro toda vez que sinto-o, mas não sei que árvore exala. Fica a lição de que o perfume precisa deixar a pessoa ser. Assim, torna-se sua assinatura, a versão olfativa de sua personalidade.

Uma semana bem cheirosa para vocês.
Até amanhã, fiquem com Deus.

Música pode lembrar algum perfume? Mas, o contrário, certamente.  Música para lembrar do perfume que eu não sei.




Nenhum comentário:

Postar um comentário