domingo, 10 de agosto de 2014

Uma leitura, um filme e uma pequena reportagem

Em Garanhuns, chove há três dias. 

E nestes dias gris, só nos dá vontade de ficar em casa a ver filmes e a ler numa cama quentinha, alternando cochilos e cafezinhos. Sair, só por obrigação. Não é pelo frio, que não me assusta mais. É pela lama das ruas não pavimentadas, pelo trânsito escorregadio nas vias ladeiradas. Sair, só por um lazer bem a meu molde. Ontem, aproveitando um raro sábado sem atividades acadêmicas, levei Luiza e Mariana ao cinema. Deixei-as lá e fui para a Casa Café, namoriscar livros e beber cappuccinos, até chegar a hora de buscar as meninas, felizes com sua nova independência. Depois, um lanche e uma série de brincadeiras no playground da Bebelu, devidamente abrigadas da chuva e dos ventos. Enquanto isso, eu aproveitei meu tempo no sofá confortável para ler uma parte do livro "Não conta lá em conta lá em casa". A garoa faz parte do cenário de um dia bem aproveitado.

Apesar das correrias e imprevistos há sempre tempo para uma leitura diferente, desanuviando a mente de lei educacionais, relatórios e PDIs. E, apertando bem, ainda dá tempo de partilhar nossas experiências para que estas sejam multiplicadas pelos pais e filhos, através de uma pequena reportagem num telejornal local. No próximo mês de outubro, Garanhuns sediará a I FLIG - Festival de Literatura Infantil de Garanhuns. Trata-se de uma excelente iniciativa, em parceria público-privado, para despertar o gosto e criar hábitos saudáveis e constantes de leitura. Como os livros foram meus companheiros desde sempre, tornou-se até natural que a nossa menina tivesse um interesse acentuado pelos livros. Cá na nossa casa, lê-se por prazer. Parte da renda familiar é destinada a comprar livros, sejam eles novos ou usados. Não temos preconceitos. É investimento em lazer, para além da formação. Em relação ao hábito de leitura de Luiza, os tios e tias têm um papel importantíssimo. Mahria e Ilda presenteiam com livros desde que a guria era bebê. Ilma deu um livrinho com pop ups, que é o livro do coração: a menina não repassa a obra de jeito nenhum. O Tio Rocha repassou para ela todos os livrinhos que adquiriu para Matheus e Pedro, de forma que a estante ainda está repleta e quando ela o visita, sempre trás alguma coisa nova. Realizamos as leituras em duas formas: 1) Ela faz a leitura sozinha e depois me conta. Geralmente são livros que ela mesma escolheu e comprou. 2) Lemos juntas antes de dormir contos, aventuras, poesias. Assim, criamos um hábito diário, exceto quando chego tarde do trabalho. Penso que assim se faz um leitor: de casa para o mundo. A escola valoriza as leituras e incentiva a escrita e nós nos apoiamos mutuamente. Desta forma, a leitura não fica sendo um encargo na vida do jovem, nem uma cruz para os professores carregarem, uma vez que é inegável a importância da leitura para a aprendizagem. A ausência deste hábito na universidade torna-se falha de formação, de modo que frequentemente discutimos estratégias para dá a volta no problema. Este semestre, propomos a formação dos professores para entenderem a leitura como estratégia de ensino e de aprendizagem. Apesar de ter ouvido a pérola de que a leitura não é essencial para os cursos de exatas (!), insistimos e a formação teve uma boa repercussão, com pedidos de novas sessões, mais práticas.

Em razão deste hábito que cultivamos, um amigo de Ana Paula indicou Luiza para participar de uma reportagem sobre a leitura na infância. O jovem repórter estava com a pauta do FLIG e precisava de uma criança que tivesse livros em casa. Depois de tudo devidamente autorizado, a equipe marcou conosco aqui em casa e fizeram a matéria no quarto dela. Um take curtinho que, após a edição, não chega a ser 30 segundos. Mas, deu-nos algum reconhecimento no supermercado e na sapataria, e que informou como temos a leitura como parte do nosso cotidiano. 

Dois aspectos me chamam atenção nesta experiência. O primeiro remete a educação não formal, ou seja, aquela que decorre do exemplo. Não se ensina a gostar de ler se não valoriza a leitura. Para além das condições financeiras de adquirir as obras, é possível aos pais ajudar na mudança da máxima de que "brasileiro não gosta de ler". Ao visitar a Praça da Palavra, no Festival de Inverno, encontrei minha amiga Cema infartando com uma mãe que insistia em tirar o livro das mãos da menininha (bem pequena, devia ter uns dois anos) e colocar uma boneca. E a menina jogava a boneca, e pegava o livro. É preciso incentivar, apoiar e participar para que o livro se torne uma companhia constante. Igualmente, ler para o outro é uma forma de pavimentar um caminho que será construído autonomamente. Em "memória de minhas putas tristes" (li-o a semana passada), Gabriel Garcia Márquez relata que a leitura fazia parte do romance do nonagenário. O idoso lia para a puta adormecida O "pequeno príncipe" e as "Mil e uma noites", observando que "o seu sono tinha diversos graus de profundidade segundo o seu interesse pela leitura" (p. 86). Igualmente, no filme "O leitor" (2008), o romance entre a mulher madura e o garoto adolescente na Alemanha pós segunda guerra mundial é alinhavado por leituras de clássicos como "A Odisséia" e "Madame Bovary". E a leitura é o fio condutor do filme, além de proporcionar lindas cenas românticas. A leitura partilhada  aprofunda vínculos, pois cria pontes sobre gaps comuns entre eu e o outro. Eu e Lu já lemos todos os livros citados nas duas obras, exceto o da senhora Bovary, pois ainda não é adequado a faixa etária da minha pequena. Cada coisa em seu tempo.

Leitura é como honestidade: se ensina em casa e desde pequeno. No futuro, pode até ser que o sujeito mude, mas, ficam os brotos dos valores em sementes bem plantados.

A reportagem com Lulu está disponível em http://g1.globo.com/pe/caruaru-regiao/abtv-2edicao/videos/t/edicoes/v/garanhuns-sedia-festival-internacional-de-literatura-infantil/3532198/

Até amanhã, fiquem com Deus.         

Um comentário:

  1. Pois, pois, Aninha... E ainda querem o Brasil um país de leitores. Coooomo????
    Cheiro grande!
    Cema

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