domingo, 7 de setembro de 2014

Sete de setembro e as memórias de minhas torturas cívicas

Tá certo que a figura ficou meio fora do calendário, mas o sentimento é o mesmo. Acho um absurdo que feriados caiam no domingo. E para não deixar dúvidas, o segundo semestre de 2014 castigou: todos os feriados do calendário civil brasileiro caíram nos domingos. Datas perdidas e imensamente lamentadas. Tá certo que esse ano está para lá de zebrado, pois juntar Copa do Mundo de Futebol com Eleição Presidencial é um pouco demais. Mas, um feriadinho aqui outro ali ajuda a manter a sanidade mental. O jeito é se contentar com o sábado - para quem tem sábado, pois em Setembro, ontem foi o meu último sábado livre, os próximos estarei em sala de aula, se Deus permitir! - e os domingos à jato. Feriado, só 25 de dezembro e o dia do funcionário público, para quem se enquadra na categoria, que é o meu caso. Mas, aí tem aula para a criança e não dá para ficar inventando moda, pois a educação pelo exemplo ensina mais do que o que o "faça o que eu digo". Abomino a moleza desse povo que vive de imprensados e arranjinhos, e educa os filhos na maciota do jeitinho. Depois ainda abre a boca para reclamar de corrupção. Mas, isso é outra história. 

Hoje é sete de setembro. E a data sempre me trás a memória de minhas torturas cívicas. Sempre odiei os famigerados desfiles escolares. Já pedi até demissão de emprego público, e um dos fatores que motivou o meu desligamento foi, sem sobra de dúvidas, a praga do desfile escolar. A tortura começava bem antes do evento. Enquanto os outros meninos comemoravam a interrupção das aulas para os ensaios, eu lastimava ter que entrar na fila e marchar como uma imbecil sob o sol inclemente. A bandinha da nossa escola resumia-se a três míseros instrumentos que marcava o (des)compasso de nossas passadas vacilantes. No início dos anos 1980, recém saídos da ditadura militar, a professora teve a brilhante ideia de convidar uns soldados do exército para nos ensinar a famigerada "ordem unida". Foi naquele momento que tomei ódio aos militares. E no dia em que o sujeito meio vesgo, com a boina arriada inventou de agarrar o meu braço para me por na fila, ele despertou a subversão latente contra o poder instituído. Passei o resto do ensaio apertando o braço para manter a marca dos dedos do soldado no meu braço, pois a pele clara sob o sol ficara marcada. Quando terminou o ensaio, me debulhei em lágrimas na diretoria, denunciando a agressão. Assustadas, as professoras me acalmaram, me deram água e um bolinho. Não voltei à sala de aula até o final do horário. Não sei do desdobramento do caso, nem se por isso, mas, sei que no outro dia, os soldados não voltaram mais. E nós nos livramos dos abacates do governo. A esperteza sempre foi a principal arma dos oprimidos!

Na verdade, sempre achei desfile cívico uma bobagem. Na minha época de criança, acordávamos muito cedo para vestir nossas fardas lavadas e muito engomadas. Já na saída, recebíamos muitas recomendações de não nos sujarmos e nos mantermos arrumados até chegar no ponto alto da parada, que era a passagem no palanque das autoridades, armado na Avenida Santo Antonio, em frente à Prefeitura. Coisa de cidade do interior mesmo! Pois bem. Morávamos no Magano, um bairro relativamente distante, íamos à pé para a escola. De lá, já formados, íamos marchando da rua XV de Novembro à Dantas Barreto. É uma reta, mas, considere que éramos crianças de 6 a 10 anos. Tudo era mais longe. Nesta rua, formava-se um "engarrafamento" de escolas para descer a rua Barão do Rio Branco até chegar a Santo Antonio. Então, era a hora do lanche. Já viram um bando de crianças passarem até 2 horas quietas e comportadas, arrumadas e limpas, paradas no meio da rua? Pois. Era a missão impossível que nos impunham. Os meninos comiam, chupavam picolés, balas e pirulitos, bebiam água de torneira nas pracinhas, flau de ursinho, doce de corte. Partilhavam biscoitos, pipocas, bananas e laranjas trazidas de casa. Essas comidas de rua escorriam pelos braços, pingavam na farda tão cuidada, pegavam poeira. E os meninos, que saíram engomados de casa, iam se transformando em uns pequenos monstros. Enquanto isso, pedaços da banda do Diocesano corria de lá para cá, levando escolas que não tinham banda.    

Quando chegávamos a avenida, parte do público aplaudia, outros davam risadas dos meninos cansados e desgrenhados, que não conseguiam mais manter o alinhamento das fileiras. A esta altura, os meus pés já estavam roídos dos terríveis sapatos colegiais, cheios de calos. Ainda teríamos que subir a ladeira do Santa Sofia e dispersar somente na praça D. Moura, mais mortos do que vivos. Me digam, isso é um feriado? Por isso mesmo, todo Sete de Setembro eu fazia questão de adoecer. Minha garganta inflamava, tinha coceiras, aparecia sempre alguma coisa que me dava um atestado médico legítimo que me impedia de participar do desfile. Hoje, mantendo a tradição, o tempo amanheceu fechado. Todo Dia da Independência do Brasil, em Garanhuns, chove. Prefiro ficar em casa aproveitando o dia cinza para organizar umas pendências e planejar os sábados que seguirão. Que o meu grito dos excluídos seja virtualmente ouvido, e que os ensopados desfilantes me perdoem, mas, destes atos, prefiro não participar. 

Até amanhã, fiquem com Deus.   

Um comentário:

  1. No meu tempo era obrigado desfilar, o colégio todo, dos menores alunos até o último ano. E acontecia isso mesmo que você falou: chegávamos à Av. Santo Antonio todos amarrotados. Há anos que não assisto ao desfile do dia 7, principalmente por que Antonio não gosta. Amém!

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