Lunguismo

E hoje, apesar de termos outras coisas para comentar, acordamos com a notícia da morte de Seu Lunga. Não há nordestino que não conheça pelo menos uma história desse cearense cheio de boas respostas, como também, duvido que exista alguém nascido e criado por estas paragens que não tenha se arriscado no lunguismo ou mesmo não tenha mordido a língua para não tacar na cara do interlocutor aquela resposta mais que merecida a uma pergunta ou comentário bobo. Já diria Mons. Adelmar da Mota Valença: "respostas estúpidas para perguntas idiotas." Ele, que era um homem que devotou a vida à Deus pensava assim, imagine eu, uma pobre pecadora? 

Há muito folclore em torno da personalidade de Seu Lunga. Mas, é bem verdade que o sucateiro octogenário tinha sempre uma resposta ríspida para o interlocutor. Num diálogo com Seu Lunga, sempre alguém saía para casa  com um tapa na orelha retórico. E a fama espalhou-se de uma forma que muitas matérias foram feitas na imprensa, e o velho foi ficando conhecido. Todos que passaram por Juazeiro do Norte têm uma história sobre a forma, digamos, direta, de Seu Lunga, de tratar de seus assuntos. Tanto, que nos últimos anos, o pessoal passava lá na loja dele, só para ganhar uma má resposta. Sandro Carrapicho foi com um dos irmãos (que mora lá para o sertão do Ceará) testar a pouca paciência do velho. Quem cruzasse os batentes da loja do homem que dizem ser o mais ignorante do mundo, que comprasse o objeto pelo preço marcado. Nem se aventurasse a pedir um desconto. Nossos amigos levaram uma porca de parafuso, e perguntaram se  Seu Lunga tinha uma porca como aquela. Lá das profundezas do balcão, Seu Lunga respondeu que sim e foi atender ao cliente, bem disposto, trazendo uma caixa com milhares de porcas já há muito bem guardadas. Quando o atendimento já estava quase concluído, Sandro perguntou o preço. O velho disse lá um valor e o amigo apelou: "Ô, Seu Lunga, tá caro, dê um desconto." O Velho tomou a porca da mão do rapaz e jogou novamente dentro da caixa, que deveria ter para perto de mil porcas, de vários tamanhos e formas. E sentenciou: "Pronto, meu filho. Pode procurar. Se você achar, leve de graça. Mas, desconto, eu não dou não." 

Através das redes sociais, a fama de pouca paciência e respostas nada delicadas espalhou-se rapidamente. E Seu Lunga virou o patrono dos Trolls, aqueles espertinhos que gostam de pregar peças nas pessoas e transformar em comédia as situações mais surreais. Tanto que temos hoje um verdadeiro séquito de seguidores, os Lunguistas. E as respostas ríspidas se transformam numa diversão entre amigos. No carnaval, Garanhuns se transforma num túmulo. Quem pode e quem não pode, viaja, pois ficar pela cidade é quase uma desonra social. Há uns anos atrás, Sandro (o mesmo lá do "caso da porca") foi ao supermercado, parou a motocicleta no estacionamento e subiu para o piso principal com o capacete preso ao braço. No caminho, encontrou com Cacá, a quem perguntou: 

- "Viajasse não, Cacá?"

- "Não, Viajei. Quem está aqui é o meu espírito."

Sandro saiu, vencido. Fez as compras e encontrou com o colega novamente nos caixas. Cacá perguntou:

-"Ô Sandro, estás de moto é?"

(Pronto. Chegou a hora da revanche!) 

-"Não, Cacá. Estou a pé. É porque como é carnaval, eu gosto de andar assim, fantasiado de motoqueiro." 

Touché! 

Sob as gargalhadas do pessoal que estava junto, Sandro colocou o capacete e saiu, vitorioso. Um lunguista que se preze sempre espera a oportunidade devolver uma má resposta, muito bem humorada.

Como convivo há quase 25 anos com um lunguista por convicção, aprendi a identificar somente pelo olhar quando faço uma pergunta idiota. Hoje mesmo, estava providenciando o almoço na casa de Ilma, e quando cheguei à sala, Tony, Luiza e as duas Marianas já estavam lá bem sentadas. Com minha cara de mané, perguntei: "E vocês já estão aí, bem sentados?" Recebi um sonoro "nããããão" como resposta e várias respostas alternativas para a minha perguntinha descabida. Já nem me ofendo. E o pior é que a genética é terrível e a menina não roubou, herdou. É uma lunguista em formação. Eu, por mim, vou dando risada, pois, essas más respostas nada mais é do que um humor refinado, exclusivo de quem tem a resposta certa para a pergunta mais idiota. 

Foi-se embora Seu Lunga, mas fica a lenda, que vai transformando-se em mais um mito nordestino.

Até amanhã, fiquem com Deus e com esse cordel sobre Seu Lunga.