domingo, 14 de junho de 2015

Festas juninas: Start!

Pronto, então já anda o mês de junho e no nordeste do Brasil é época das festas juninas. Sempre gostei deste período, apesar da chuvinha insistente, da fumaceria sem fim das fogueiras e dos sustos com o espocar dos fogos de artifício. Compensa a animação, a música  regional, o colorido das ornamentações. Adoro ver as bandeirinhas dançando ao vento, os balões de mentirinha, as saias rodadas, os chapéus de palha. Nesta época, o nordeste fica mais legítimo, e, quando estava fora, passei a valorizar ainda mais esse período. A miscigenação fez contribuiu positivamente com as festas dos santos. E vamos combinar: mesmo sem ser católicos, acabamos por festejar Santo Antonio, São João e São Pedro porque o meio do ano é um bom motivo para fazer uma festa. 

Sempre gostei destas festas. Quando éramos crianças lá no Magano, nunca fizemos uma fogueira, porque mamãe era evangélica. Mas, ainda assim ela fazia uma forcinha no minguado orçamento e comprava uns cortes de tecido florido para Ilma nos fazer uns vestidos mimosos. Eu morria de raiva porque, mesmo sendo um vestido novo, tinha que vestir um casaco para não ficar doente da garganta. E, se chovesse, tinha que voltar para casa, mesmo sob protestos, enquanto as "grandes" ficavam a namoriscar os jovens da vizinhança. Foi numa convocação como esta, e, por causa do sereno que eu perdi a célebre frase de Vilma, quando "pedida em namoro" pelo garoto mais fofo do bairro eternizou o "acho que vou entrar" como resposta. Na nossa família, esta frase é um clássico proporcional ao  "I want to be alone" de Greta Garbo. Eu morria de raiva porque no melhor da festa, mamãe colocava a cara na porta e gritava: "Anninhôôô! pra dentro", e daí eu só sabia das coisas de ouvir falar. Pronto, mas, voltando às festas juninas, íamos aproveitar as fogueiras dos vizinhos porque lá em casa não fazia. Mas, todo São João, mamãe ia à feira e comprava duas mãos de milho (100 espigas) para fazer pamonhas e canjica. Por conta dos gostos do meu pai, aprendemos a comer pamonhas salgadas, cuja receita só leva milho verde ralado, água e sal. Como nunca acertamos fazer as pamonhas amarradas, como tradicionalmente se faz, fervemos as palhas e costuramos a extensão, amarrando no fundo, formando uma espécie de bolsinha. Nela se coloca o creme de milho, que na minha casa é feita mais fina, e depois de devidamente amarrada, coloca no caldeirão de água quente para cozinhar. Geralmente, mamãe utilizava o fogão à carvão lá da área de serviço externa, e era muito bom ficar sentada aos pés "das grandes" esperando as pamonhas cozinharem, ouvindo-lhes as conversas. Então era a hora de mexer a canjica. A que mamãe fazia não era boa pois resultava do subproduto das pamonhas. Mas, nunca deixou de mexer a panela e contar a história da canjica do Cid, um homem muito exigente que havia lá em Ribeirão, quando ela foi empregada doméstica. Prontas as pamonhas, ela tirava com uma escumadeira e colocava as pamonhas para secar em uma grande peneira de palha redonda, enquanto contava histórias do seu tempo de menina. Então, colocava-se o milho mais maduro levemente raspadinho para cozinhar, e o caldeirão passava a noite no braseiro. Espantava-se o frio fazendo essas comidas de milho, que são muito trabalhosas, mas que só existiam nesta época, pois não havia a tecnologia do milho transgênico, nem era comum o plantio irrigado. Dependia-se do ciclo da chuva para plantar, colher e comer. A lembrança mais vívida destes tempos é o cheiro dos braseiros, da lenha seca queimando. Essa memória olfativa é acionada quando senti o cheiro dos fogões de sala e lareiras europeias. O inverno português tem cheiro de São João.

Tony também sempre gostou destas festas. Como Santo Antonio é um santo meio desprestigiado, e o pessoal só lembra dele quando quer arranjar um namorado, poucos fazem fogueiras no dia 12 de junho. Quando criança, ele fazia uma fogueirinha pequenininha na calçada em frente de sua casa, na rua Joaquim Távora e ficava lá com dois ou três amigos. Certamente, Valfredo estava entre eles, pois eles são amigos desde os 4 anos. Então, desde que voltei da cruzada portuguesa, nos organizamos para juntar as famílias no dia 12, para comer umas pamonhas e canjicas. Como eu sou um zero na culinária regional, compramos tudo pronto, pois fazer pamonhas dá mais trabalho do que pintar uma casa. Enfeitamos o espaço externo da nossa casa com bandeirinhas (e bandeiras. Sempre coloco a bandeira de Garanhuns, de Pernambuco, de Portugal e do Sport nas paredes. Ajuda na decoração e esconde as marcas da eterna reforma!), arranjamos mesas e cadeiras emprestadas. Esse ano, compramos uma fogueira de madeira seca. Tony esperou Cândido chegar, pois esse pessoal do Exército Brasileiro (mesmo reformado) tem habilidades de selva. Pelejaram para acender a fogueira, e mesmo com algumas estrelas no céu, a danada se apagou. Há na sabedoria popular uma crença de que se a fogueira não acender, o dono da casa morre no ano seguinte. E todo ano, fica o suspense e a galhofa com a fogueira que não pega fogo de jeito nenhum. Então, Tony diz que quem vai morrer é o Antonio mais velho (no caso, Cândido), que por sua vez, dá a oportunidade ao mais novo (Antonio Carlos). Para ninguém morrer, ano passado Petronildo comprou quase um litro de gasolina para acender a fogueira que não funcionou no Santo Antonio e ficou para o São João. Este ano, Joana D'Arc colocou ordem na selva, foi lá e fez a lenha arder. Ironia, Joana D'arc entender de fogo! Nesta festa também, pela primeira vez na vida, comprei fogos. Na minha infância não podíamos comprar fogos, pois mamãe dizia que "não ia estourar o dinheiro das compras". Coisas do final da década de 1970. Mais de 30 anos depois, compramos fogos. Nada daquelas bombas imensas que só fazem barulho, assustam a vizinhança e matam os cães do coração. Compramos fogos ornamentais e inofensivos que fizeram a alegria de Luiza, Mari, Vinícius e Antonio. Somente depois chegaram Clara, Júlia e a neta de Carlos e Graça. Foi animado. Este ano vieram 7 da minha família e uns 13 dos Ferreira. E ainda vieram uns 6 caras do futebol, com suas respectivas esposas-namoradas. Coisa simples e sem frescuras, numa casa em eterna reforma, mas, divertido, sincero. Como diria Ilma: "é de pobre, mas é limpinho". O negócio é pedir a Deus que nos preserve para que no próximo ano contemos os mesmos "causos", como a da canjica de Cid e as aventuras de David. Assim, perpetuamos nossa história e reforçamos nossa identidade familiar e social.

Nós, com dois dos Antonios (o outro estava lutando com a fogueira) e D. Nilza.
As fotos são de Ana Paula Ferreira. 
Boas festas juninas para vocês todos.
Até amanhã, fiquem com Deus. 
       

3 comentários:

  1. Foi uma das coisas que constatei, Anninha : Roma à noite, tb tem cheiro de fogueira, à partir do outono. Foi mto boa a festa dos Antonios!

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  2. Anninha, Petronildo comprou foi cinco litros de gasolina. kkkkk

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  3. Esse ano não foi possível comprar gasolina para a fogueira.

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