domingo, 7 de junho de 2015

Invernagens

Desde o finalzinho de maio que atreve-se uma chuvinha fina por cá. Felizmente, nem tudo está perdido, apesar de não ter chovido no 19 de março. Como o tempo está mudando, é necessário também que nos adaptemos às novas configurações. Quem sabe esse ano não fica friozinho até outubro, como o ano passado? Acertamos quando instalamos os janelões na cozinha. Agora, mesmo nos dias úteis, temos tempo de olhar o tempo, enquanto bebericamos nosso café. Na mesa, o sol da manhã já incide no lugar de Luiza, mas, com grande frequência, o céu cinzento escondem o lugar da luz. Do mesmo lugar escrevo essas linhas nas manhãs (in)úteis de domingo, olhando a chuva miudinha e a algazarra dos pardais na laje do muro e nos fios de alta tensão. Os pássaros não estão nem aí para a garoinha que empapa a rua sem pavimentação e tranca os moradores em suas casas. Somente cães dialogam à distância, e, eventualmente, ouve-se gritos de crianças encarceradas, distraindo-se em alguma brincadeira de sala. Invernou. Vou tomar mais um café.

Esta semana, chegou uma máquina de café lá na área das coordenações. É certo que em escola e em hospital, não é possível trabalhar sem um cafezinho. A bebida, além de esquentar, nos põem em alerta e ativa as ideias, espantando o cansaço. No nosso departamento há verdadeiras lendas consumidoras de café. Frequentemente, Paulo volta para sua salinha a reclamar que "alguém" tomou todo o café antes das 10 da manhã! E vocês precisam ver a canequinha básica que ele carrega: proporcional ao seu tamanho. Dada a necessidade, e em vista de melhorar as condições da preparação do café, a Presidência mandou uma máquina de café para a área das coordenações. Então, na terça pela manhã, chegou a tal máquina. Parecia um ovni aportando na sala dos professores. Muitos colegas foram lá, conferir pessoalmente a oitava maravilha do mundo dos viciados no cafezinho. Um alarido que me tirou do sério, falando a verdade. Até fotografias com a tal máquina fizeram e distribuíram pelo what's app. Daí, começou meu calvário: a tal máquina fica numa sala que na frente da porta da sala em que trabalho. Todos que passavam para visitar a máquina, se viam na obrigação de me cumprimentar por tal aquisição. Enquanto isso, eu, em plena TPM, remoía um projeto que se arrasta há mais tempo que merece (sem comentários, por favor, que ainda não terminamos. Esse projeto parece o Jason de Sexta Feira 13.). Apenas recomendei que instalassem câmeras de segurança para detectar quem iria quebrar a tal máquina, que a proximidade entre nós, não me fizesse testemunha de seu destino certo. Desconsideraram o meu mau humor e o primeiro café saiu doce demais. Segundo Paulo, "abria-se a torneirinha e saltavam rapaduras". Finalmente, chegou a hora do almoço, e depois de quase infartar por ter cometido um erro de impressão do tal projeto, fui-me embora cuspindo impropérios. À tarde, o café ficou sem açúcar, e as criaturas que vinham servir-se me interrompiam a formatação dos planos de curso do tal projeto, ora perguntando onde estavam os copos, ora procurando pelo açúcar. Maldita hora que desaprendi a trabalhar com a porta fechada. Aguentei heroica e bravamente até as 17h30, quando começava a chegar o pessoal da noite. E a cafeteira a pleno vapor. No outro dia de manhã, quando passei pela sala, nada da cafeteira. Pensei com meus botões que deviam ter mudado de lugar, agradeci aos deuses. Lá para as 10 horas, a jovem que preserva nosso ambiente limpo informou-me que a cafeteria deu o prego: esqueceram de colocar água e a resistência fritou-se à seco. Alegria de pobre dura pouco. Voltamos às velhas garrafas térmicas gastas e com vazamentos. 

Há coisas boas a se fazer na invernagem. Já perdi o costume de trafegar nas ruas molhadas, sob o eterno guarda-chuvas, quase uma extensão do corpo. Retornei aos meus costumes agrestes de olhar para o céu e me perguntar: será que vai chover? E a depender da resposta, e da condição do compromisso, vou ou não vou. Em Aveiro, quando começava a chuvarada, era certo só acabar no final. Aqui, a coisa é diferente: tanto faz amanhecer com cara de frio, e no momento seguinte, abre um sol de rachar. É preciso ter alternativas para não ficar empacotado e morrer cozinhado sob vinte e cinco graus ou levar uns pingos descuidados e resfriar-se pela infeliz opção pela sandália rasteirinha. Aliás, nisso as mulheres daqui são engraçadas: saem armadas de sombrinha, pois a chapinha não sobrevive a uns pingos de chuva, e o pixaim pode se manifestar de acordo com a inconstância do tempo, casaco de couro ou similar, calças ou shorts, a depender da idade, e sandálias que deixam os pés expostos ao frio e a chuva. Obviamente, para nós, o "frião" daqui é "friozim": além de pouco é rápido. O que pega em Garanhuns é a umidade. Lidar com 88% de umidade relativa do ar é quase viver uma piscina a céu aberto. E com as aberturas de sol, vem o bolor. E, lá para o final de agosto, quem não tiver ao menos uma parede embolorada em casa, sinta-se privilegiado.  

Das coisas boas, para além do festival de inverno, a invernagem trás mais tempo para fazermos coisas em casa. Ler, escrever, ver um filme (ou uma parte dele) na TV são boas formas de curtir o tempo. Nestes dias, a título de preparação para corrigir mil e cem monografias (tenho a previsão de 25, apenas) resolvi diversificar a leitura, optando por obras infanto-juvenis. Não sei se por coincidência, os dois últimos livros que li a sério, as personagens principais morrem no final. Talvez os autores tenham lançado mão da estratégia de Ariano Suassuna, que confessou não saber o que fazer com as personagens e matar todas no final. Então, para reduzir as rugas da alma e reforçar as estruturas da paciência, li numa semana dois livros da biblioteca de Luiza. Dei muita risada com o "Diário de um Banana" e com "Querido diário otário". Além de contar histórias engraçadas do universo dos pequenos, há muitas figuras interessantes. É interessante saber como os adolescentes veem os adultos, definindo seus balizadores na construção da própria personalidade. Às vezes é necessário aliviar a carga e reduzir a responsabilidade, até porque não é possível se levar tão a sério. E é preciso aproveitar os momentos de sol para andar com o cão, comprar legumes frescos na feira, antes da próxima pancada de chuva.

Mantenham-se aquecidos!

Até amanhã, fiquem com Deus. 




    


4 comentários:

  1. Uma maravilhosa leitura, seus escritos me transportam para cada cena aqui narrada.
    Parabéns!

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  2. Vi-me na sua narrativa das sandálias rasteiras na chuva. Hoje ao sair do Shopping Boa Vista, mesmo com sombrinha, até chegar à casa de Mayda, fui alcançada por uma chuvinha recifense e fiquei sambando nas minhas molhadas sandálias de laçarotes azuis. Mas, que venha o inverno, já era tempo!

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    1. Hihihihi, é bem assim, Mahria: eu já passei por uma dessas na Av. Domingos Ferreira e quando cheguei a tua casa a sandália foi pro lixo! Beijos!

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