domingo, 19 de julho de 2015

Mais-valia

Um dos ditos populares que eu mais gosto é "cada um sabe de si", pois traduz exatamente , e com extrema simplicidade, a relatividade das coisas. O que pode ser bom para mim, pode não ser para o outro. Mas, uma coisa é certa: é necessário pesar e medir, além de colocar-se no lugar do outro para viver na prática o senso de justiça que muitas vezes professamos em altos brados, mas, de boca pra fora. 

Nestes últimos dias tenho refletido muito sobre as relações de trabalho e suas nuanças. A bem da verdade, três fatos despoletaram as minhas elucubrações acerca do termo "mais-valia" proposto por Karl Marx: 1) a situação funcional da nossa empregada doméstica, 2) a extinção do recesso do FIG para os professores que tem parte de suas cargas horárias em serviços administrativos, na escola em que trabalho, 3) Um convite de colaboração à uma Universidade particular. Começando pelo começo: as leis trabalhistas deram uma volta de 360 graus na vida de patrões e empregados domésticos, obrigando o cumprimento das leis quanto a garantia do direito trabalhista. Juro que tentei, mas, a carga tributária encarece imensamente o trabalho da doméstica, de forma que, seguindo a maré, convidei a nossa colaboradora a uma conversa para revermos o seu contrato, uma vez que não consigo cumprir com as obrigações patronais. Afinal de contas, não somos empresa com fins lucrativos. Pagar salário (e tributos) quando se é assalariado é difícil. Hoje em dia, só tem empregado doméstico quem pode MESMO. Além disso, chega a hora em que precisamos refletir se realmente existe uma necessidade da colaboração. Quem tem menino pequeno, deve cortar um dobrado, mas, a minha já está uma moça, além disso fizemos um estágio de sobrevivência na Europa, onde empregado doméstico é artigo de alto luxo. Ninguém morre por cuidar da própria vida, e o plano é contar somente com a colaboração de uma diarista, eliminando os vínculos empregatícios. Como diria minha mãe, "em terra de sapo, de cócoras com eles." Tenho certeza que não sou a única que se encontra nessa encruzilhada. 

No segundo fato, perdemos o recesso da escola, embora eu tenha argumentado da importância do trabalhador da educação ter um tempo técnico para organizar as ideias. Na verdade, meus argumentos não têm lá muito peso na gestão da IES, mas mesmo assim, o vício em reivindicar não me permitiu exercitar o direito de ficar calada. E essa semaninha do FIG nos fará imensa falta. Para o trabalho do professor ser bem sucedido é necessário desenvolver a criatividade. Este aspecto é alimentado a partir das aprendizagens, nomeadamente, na construção de saberes que não estão diretamente relacionados com o objeto de trabalho. Ou seja, quando aprendemos coisas que não tem nada a ver com o que trabalhamos, desenvolvemos capacidades de mobilizar saberes para enfrentar novas situações, através da inovação. Infelizmente, os tribunais de contas da vida não têm a capacidade de perceber as especificidades laborais, e joga todo mundo no mesmo balaio que eleva o "bater o ponto" ao aspecto mais importante da vida do trabalhador. Educação com qualidade se faz com educação de qualidade. A repetição de velhas fórmulas desgastada somente favorecem o comodismo. De qualquer forma, "manda quem pode, obedece quem tem juízo." Assim caminha a humanidade.

O terceiro fato, lembrou-me um texto escrito pelo colega José Maria Leitão, quando fazíamos mestrado. Em linhas gerais, o texto relacionava o valor da hora-aula dos professores com a hora laboral cobrada por outros trabalhadores, como os prestadores de serviços. O colega, de forma bastante bem humorada, relatou no texto que, numa manobra de trânsito, o seu veículo havia sido atingido e amassado de leve o para-choques traseiro. Quando levou ao conserto, ficou impressionado com o valor cobrado pelo lanterneiro. No mesmo dia, deveria levar um saco de estrume para adubar o jardim, daí, foi inevitável comparar o preço do serviço do lanterneiro, da bosta de boi e da hora-aula do professor da rede pública estadual. Pois, esta semana, a tubulação do nosso banheiro resolveu entupir. Quando utilizávamos o chuveiro, a água ficava empoçada, e demorava uma eternidade para escoar. Recorri a Ilma, que conhecia um homenzinho que fez um serviço parecido na casa dela. Contatos feitos, 'Seu" Miguel veio à nossa casa, e com uma super engenhoca aspiradora, sugou o que estivesse impedindo a passagem da água a partir da caixa de gordura. Cobrou-nos 375 reais, por mais ou menos 45 minutos de trabalho, sem sujeira, sem quebrar nada, sem estresse. Foi caro, mas, ficamos satisfeitos, afinal como diz Tony: "eu não saberia fazer". Então, foi inevitável relacionar com a proposta que me foi feita por uma unidade universitária para um serviço. Um dia de trabalho (e não era qualquer dia, era um sábado, em que até taxista cobra bandeira 2), das 9h às 17h, com a gratificação simbólica de 300 reais. Então, comparei o meu trabalho com o de "seu" Miguel e cheguei a triste constatação que o companheiro José Maria Leitão chegou na sua experiência, brilhantemente relatada há mais de 10 anos: o trabalho intelectual não vale nada. E se for relacionado à educação então, a situação é gritante. Na última vez que cumpri a penitência de pintar cabelos (agora já não é mais uma diversão: é obrigação, pois os pratinhas começar a fazer minha cabeça!) Kátia, cabelereira-e-professora-de-português da rede estadual pernambucana, me mostrou um vídeo de um sujeito fazendo uma conta, comprovando que é melhor ser pedinte do que ser professor. O sucateamento da profissão é tão evidente, que outro dia, a Professora Edilma me dizia que se um filho dela inventasse de ser professor, levava uma sova. A mais-valia de Karl Marx, da exploração do homem pelo homem aplica-se com crueldade ao cotidiano dos professores, seja de forma explícita, como na rede estadual pernambucana, seja na forma implícita, e não menos cruel, como o corte de verbas destinadas à pesquisas, pois corta-se o investimento mas não se reduz em um milímetro as exigências aos docentes, transformando o professor de ensino superior num refém do Currículo Lattes.

Tratando a educação como negócio, busca-se aumentar as margens de lucros. E os interesses dos trabalhadores são relegados a segundo plano. Talvez estejamos militando em uma profissão em extinção. Nesse caminhar, pergunto:quem irá ensinar os seus filhos a ler?

Até amanhã, fiquem com Deus.
        

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