domingo, 12 de junho de 2016

Ostentação

Pronto. Então, quase sem querer o ano já corre solto para sua metade. Tenho a impressão de que o tempo acelerou-se ultimamente. Talvez seja efeito da idade, pois quando éramos crianças pequenas lá no Magano, custava muito chegar o mês de junho. Do Natal ao São João, era uma eternidade, hoje em dia, o tempo passa num piscar de folhinhas. Para Domenico De Masi, isso tudo é efeito colateral da tecnologia. Segundo o autor da teoria do ócio criativo (adoro essa teoria. Pena que não pegou.), a criação de soluções tecnológicas servem para "desafogar" o já afogado tempo do ser humano contemporâneo-pós-moderno. Contudo, como a contradição faz parte da nossa essência, em vez de aproveitar a folga para cultivar a vida, arranjamos mais compromissos e mais trabalho, mais preocupações, menos saúde, menos felicidade. Num mundo em que se considera  dispor de tempo livre uma desonra, impera a burrice movida a tecnologia.  

É importante salientar que a tecnologia não é boa, nem é má. Esses adjetivos competem ao uso que se faz dela. Com a comunicação em tempo real, temos uma imensa distorção de valores, divulgadas exaustivamente através de práticas que beiram ao absurdo. Ultimamente, das coisas que eu odeio, a ostentação vem em primeiríssimo lugar, pois essa prática resulta da associação de pequenos-grandes males da humanidade: a vaidade, o orgulho e a arrogância. Além disso, é a prova cabal de uma imaturidade generalizada. Criança birrenta é que tem que exibir o que possui, com aquela cantilena do "eu tenho, você não teeeem!" Será mesmo que para ser feliz é necessário tanta publicidade e propaganda?

Na graduação, tínhamos uma professora que trocava o conteúdo da aula pela exaltação às qualidades do marido. Quando estávamos muito cansados, perguntávamos pelo consorte, daí, adeus conteúdo. Dimas até que tentou nos convencer a denuncia-la à coordenação do curso, mas a turma do "deixa disso" acabou ganhando. Entre uma tragada e outra no seu indefectível cigarro. Na década de 1990 ainda não era proibido fumar nos prédios escolares, dependíamos do bom senso do fumante para não tragarmos passivamente. Aprendemos que bom senso e fumante são praticamente impossíveis de congregar. Pois bem, tempos depois de termos pago a penitência de estudar com uma louca dessas, soubemos que o tal casamento perfeito havia terminado, e que o consorte foi procurar a sorte com uma ex-aluna da nossa professora. Moral da história: que divulga demais o produto acaba atraindo a concorrência. 

Naquela época, não existiam as redes sociais para dar vasão à ostentação, então, os coitados dos alunos eram as plateias preferenciais. Hoje em dia, o povo perdeu a noção e tudo é motivo de exibição na rede. Sei que daqui, muitos vão lá conferir no meu Facebook se o texto não é um faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço. Compartilho também. Acompanho o crescimento da primeira sobrinha-neta do lado da minha família, vejo pelo feed as novidades dos amigos, tenho notícias dos companheiros portugueses. Quando tenho um sonho rui com alguém,  no outro dia consulto a "fofoqueira online" para conferir se vai tudo bem. Gosto de fazer um clipping com imagens de momentos da vida, mas, procuro não perder o bom senso. Me digam quem, além das fofoqueira de plantão, irá ter a pachorra de ver um álbum de 150 fotos de uma viagem, por melhor que ela tenha sido? Três ou quatro fotografias são suficientes para  registrar e partilhar a felicidade de quem foi. Não há nada que deponha mais a favor da mediocridade do que a repetição exaustiva de fotos "com copos na mão". Na passagem do dia dos namorados no Brasil (o 16 de Fevereiro do resto do mundo), vale a pena exercitar o senso crítico e avaliar se acrescenta alguma coisa a autoimagem partilhar aquela foto do beijo, que, por mais romântico que seja, quando feita sem técnica, lembra a cruza de um tamanduá com um rinoceronte. É fundamental ter construir o senso de ridículo, pois, mesmo a amor sendo lindo, certos retratos sem jeito seriam prudentemente rasgados no tempo da fotografia analógica. Hoje em dia, sem qualquer prejuízo, é só acionar o delete. E fim de papo.

Até logo mais,
Fiquem com Deus

3 comentários:

  1. Anna, nem lembrava dessa parada de denunciar a professora.Tens memória de elefante!Um abraço.

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  2. E ostentar na internet ainda pode chamar atenção dos ladrões, que hoje também estão usando a rede para facilitar o seu trabalho. Beijos. :)

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  3. Ostentar, principalmente o "amor" pode dar confusão! Um determinado jornal da cidade publicou em sua coluna social foto de um casal apaixonadíssimo, aos beijos! A foto era de dezembro e saiu na edição de janeiro. Quase foi processado! O casal tinha se separado e ambos já estavam com outros "amores" e apaixonadíssimos!

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