domingo, 10 de julho de 2016

Arrumação

"Arrumação" é uma cantiga de viola, composta pelo grande Elomar Figueira. Só tive a oportunidade de conhecer um pouco dos cantadores de viola, menestréis do sertão nordestino, quando fui morar uns dias com Edna Maria. Aprendi a sonoridade que já havia conhecido por escrito através do Jorge Amado, que descreveu de modo belíssimo os desafios dos cantadores em obras como Seara Vermelha e Terras do Sem fim. Depois, reencontrei os cantadores e os cangaceiros em Rachel de Queiroz. Mas, com Edna, abri meus ouvidos para acompanhar a sonoridade ímpar da cantoria. Por um acaso, também ouvi uns dedilhados de André Auderjan (que eu nunca mais encontrei), um excelente músico-bombeiro-cantor, nativo ali de São João. Me aproximei ainda mais da cantoria. Assim comecei a prestar mais atenção. A série Cantoria, acabou amaciando meus ouvidos pop, e hoje, creio que a cantoria é o que há de mais perfeito na música brasileira. Ainda perdi uma apresentação de Elomar, Xangai e Geraldo Azevedo num Festival de Inverno, porque estava trabalhando em Caruaru. Anos depois, concordei com Arthur Moreira Lima, conhecido maestro brasileiro, decretar que Elomar estará para a música brasileira assim como Bethoven e Bach estão para a música mundial. Esse talento vive recluso numa fazenda no sertão da Bahia, tocando somente para amigos convidados. "Arrumação" é uma de suas lindas canções, eternizadas neste show por Francisco Aafa, um músico piauiense que tem uma voz de anjo. Infelizmente, a mídia não permite que esse pessoal faça sucesso de massa e somente um público seleto conhece esse patrimônio musical, que um dia será mundial.

Eu já sei o que vocês estão pensando: O que é que Marie Kondo tem a ver com Elomar? Quem acompanha essas conversas, sabe que eu reservo algum tempo, pelo menos duas vezes no ano para fazer uma arrumação nas coisas da casa. Essa arrumação consiste em separar tudo aquilo que não usamos ou não queremos e destinarmos para a reciclagem, doação ou lixo mesmo. Então neste mês de junho estava cutucando nas prateleiras de livros das Lojas Americanas, em busca de um livrinho que me interessasse. Qualquer um. Desde que a Casa Café fechou eu vivo catando leituras, como m viciado, já estou frequentando a estante de Luiza. Por falta de acesso a livros para minha faixa etária, e movida pelo vício de ler qualquer coisa, até bula de remédio e rótulo de Pinho Sol, ando atacando as estantes de Ana Luiza, e nessa brincadeira, li "Percy Jackson", "A menina que não sabia ler II" e estou lendo "Jogos Vorazes". É uma carência imensa. Então, numa dessas buscas desesperadas, me deparei com Marie Kondo e a sua teoria da arrumação. Como o período da resignificação das coisas estava chegando, comprei o livro. Na verdade, fui impulsionada por uma matéria publicada na Revista Superinteressante, a última que consegui ler, pois Durvalzinho é contra a imprensa escrita. Quando o boy joga a publicação pelo muro, ele acredita que é uma provocação pessoal, e desfaz a revista em confete. Já troquei o endereço de entrega, mas o bicho é implacável. Outro dia, Tony trouxe um jornal de circulação local (O Século, acho), interessado em ler um artigo publicado pelo Nivaldo Tenório. O cão chegou primeiro e estraçalhou o jornalzinho. Esse anticristo canino tem me dado um trabalho imenso. Mas, voltando: comprei, por absoluta carência literária, o livro da japonesa arrumadora. E há algumas coisa bem legais, como o incentivo ao desapego. Guardar coisas inúteis, que não tem utilidade para ninguém que more da casa é mesmo uma bobagem. O acumulo de objetos somente aumenta a bagunça. Outra coisa que ela diz é que não se deve comprar mais do que necessita. O mundo não vai acabar se não tiver uma reserva de papel higiênico. A autora relata casos que, para mim, são quase patológicos. Para quê uma pessoa precisa ter 60 escovas de dentes? Para quê possuir 81 unidades de plástico filme? A menos que queira repetir a ótima cena de vingança de jovenzita protagonista do filme Cidades de Papel, isso é absolutamente desnecessário. Mas, também a japonesa expõe sinais da sua doidice mansa. Já diria Caetano Veloso, que de perto ninguém é normal. A jovem cumprimenta os sapatos, e agradece ao casaco pelo serviço prestado. Também argumenta que não se deve guardar as meias como bolas, pois elas não se sentirão amadas. Me poupe. 

Impulsionada pela leitura, coloquei o CD de cantoria 2. Enquanto o "ceguinho" cantava "Arrumação", eu fazia a triagem dos objetos, roupas, papeis, cabos de energia, e uma infinidade de bagaceiras que habitam o "clubinho", como Luiza apelidou o quarto do meio, que já foi dela, quando ela era pequenina. Enquanto os cantadores balançavam a viola e desenrolavam as suas histórias, eu ia destinando coisas que não me serviam mais. 


Fica a canção de Elomar, na linda voz de Francisco Aafa.

Fiquem com Deus.

2 comentários:

  1. Li o teu texto e mandei Antonio colocar o pequeno 14, velho e quebrado, na rua. Desapegar faz bem. Beijos.

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    1. Muito bem, Ilma. Para tudo aquilo que não vale a pena ser guardado, o caminho é o lixo!

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