sábado, 27 de outubro de 2012

Vovó



Nesta última semana andei às voltas com as tecnologias. Nunca fui propriamente um ás nas coisas eletrônicas principalmente porque odeio ler manuais. Não tenho a mínima paciência de tentar decifrar aqueles desenhos minusculos e aquelas letras tamanho de formigas. Cá na Europa é ainda pior, pois quando consigo encontrar a versão portuguesa, já tenho tentado ler em espanhol, italiano ou inglês e me enganchado em uma ou em várias sentenças vitais para operação da traquitana eletrônica. Quando era jovem tinha mania de ler bula de remédio. Deixei depois que comecei a sentir todos os efeitos colaterais das drogas. Com tanta coisa ruim que pode acontecer, é melhor tomar um copo de veneno. Além disso, a vista anda curta, embora ainda não tenha sido (ainda) acometida da síndrome do braço curto, cujo principal efeito é ter que afastar o papel e franzir o cenho, apertando os olhos para tentar ver melhor. Então essa semana, as tecnologias se manifestaram nesta pequena casa: a impressora ficou possuída, o teclado do notebook (cá chamam-no portátil) deu pau. A torradeira I veio a óbito ainda no Brasil: voltou para a terrinha para encontrar-se como seu destino. Já comprei outra, uma tinhosa que ainda não nos entendemos muito bem. E o manual vem num CD que eu não tenho a mínima vontade de abrir. Tenho tentado dá a volta a isso tudo, mas tem hora que dá vontade de jogar essas maquininhas pela janela. Mas, no memento seguinte, acabo fazendo as pazes. Ruim com elas, impossível sem elas. Pierre Levy, em seu "Cibercultura", defende a ideia que em si, a tecnologia não é boa nem é má. Mas também não é neutra. Influencia, condiciona, mas não determina. Talvez seja por isso que observo tantas mudanças no comportamento e no modo de vida das pessoas. E muitas dessas mudanças são positivas e me trazem uma imensa esperança para o meu futuro. O nosso futuro comum.
 
Me dou conta disso porque de uma hora para outra algumas de minhas amigas tornaram-se avós. É, reconheço que a maioria de minhas amigas são um pouco mais experientes do que eu. Quando eu era criança lá no Magano, tinha uma amiga muito querida, D. Júlia, de 80 anos. Ela era avó do meu companheirio Valdinho. Adorava ir a casa dela no final da tarde, depois da escola. Levava comida para os preás, conversava vendo-a costurar numa maquininha à manivela. Ela fazia imensas mantas de retalhos, uma paciência infinita de coser os paninhos com as mãos trêmulas. O tempo passou e a imagem da vovó na cadeira de balanço foi se solidificando no meu imaginário. A ficção também ajudou a cristalizar padrões: para mim, ser avó era ter um canarinho e um gatinho, como a vovó do piu-piu, uma casa arrumadinha com cheiro de sacristia, um domingo cheio de netinhos barulhentos, uma segunda-feira eterna até a próxima visita dos filhos estressados e apressados.
 
O tempo tem me mostrado uma nova avó. Elas são jovens avós cheias de compromissos profissionais, vaidosas em sua beleza madura, com projetos pessoais bem definidos. Vivem suas vidas de casadas ou descasadas sem prestar contas a ninguém. Sonham, viajam, aprendem, produzem. Apresentam os netos, orgulhosas. Não fazem mais questão de ser confudidas com "irmães". Cumprem à risca seu papel, enchendo os netos de mimos. Colocar na linha e manter a ordem é atribuição de mãe. Cabe a avó estragar os netinhos, e a mãe que se vire depois para voltar tudo para o lugar. Edilma disse-me ser o amor de avó mais delicioso por ser um amor tranquilo. A experiência não permite que se atribulem com resfriados ou joelhos esfolados. Brincam, passam o dia e a tarde e, no mais tardar à noite, os pais vêm resgatar a cria. As avós pós modernas até ajudam, mas desde cedo já educam seus filhos a assumirem as suas resposabilidades. Estas tecno-avós não são refens dos netos, nem se submetem a exploração dos filhos. Quem pariu, que o balance, pois as vovós também vão para a balada. 
 
Sempre quando lia as histórias em quadrinhos (banda desenhada) da Disney ficava a imaginar da impossibilidade de administrar uma quinta sozinha, como a Vovó Donalda. Eu sempre achava que ela devia se casar com o Tio Patinhas. Mas, aquele não seria nunca um bom marido e hoje vejo que a vovó estava certíssima em manter o parvo do Gansolino por ali, somente para fazer o serviço pesado. Já era um prenúncio do que estava por vir. Na cibercultura após a pós modernidade, as vovós administram suas vidas como a Vovó do filme Deu a Louca na Chapeuzinho, cuja última palavra é sempre "Banzai" e que a aparição entre nas nuvens para aconselhar a neta nada mais era do que um voo de asa delta! Vovós que fazem uso da cadeira de balanço apenas para uma pausa, pois sempre tem muito o que fazer.
 
É a avó que vejo em Eliane, Edilma, Josi, Joana, Elielda, Valdira e Marinalva - a avó de um dia! - que eu quero ser quando chegar a minha vez. Ouvirei Eric Clapton com os meus netinhos à mesa da cozinha!

Até amanhã, fiquem com Deus. 

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