sábado, 23 de março de 2013

Digam-lhe que fui ali: Évora

Basílica de Évora
Então, as férias de páscoa estão em curso. São 15 dias de pausa para análise do rendimento dos meninos e para que eles descansem um pouco antes de arrancar para o final do ano letivo. Nestes dias, Portugal anda absolutamente bipolar. Dias que começam com sol, e no meio do caminho, arrepende-se e tome chuva. A nossa vantagem é que cá a previsão de tempo é ciência exata, nunca falha. Assim, é possível se preparar para as indecisões dos tipos de tempo. Apesar de já ser primavera, as temperaturas estão baixas este ano. Mas, o momento mais difícil já passou e agora faltam apenas 89 dias para Tony chegar. O que são 89 dias para quem já esperou três meses? Já estamos no último período desta temporada. Ao mesmo tempo que o tempo a correr me trás uma alegria imensa, pois aproxima-se a hora de fechar o T0 e mudar de mala e cuia para o nordeste do Brasil, me causa uma ansiedade pois o tempo urge e o serviço é muito. Ainda falta tanto para ter uma primeira versão da tese concluída... Contudo, ainda assim, é preciso mediar, pois decidi que não vou enlouquecer com isso. Farei o possível para construir, da melhor maneira. Mas se não der jeito, paciência. Levo esse trombolho para concluir no Brasil, embora as condições de cá sejam infinitamente mais favoráveis. Enquanto isso, vamos trabalhando. Um pouco a cada dia é sempre um pouco mais perto de terminar.
 
Praça do Giraldo
Pois, por isso mesmo, na primeira semana das férias de páscoa, arrumamos nossas coisas em uma mochila e nos botamos para o Alentejo. Já havia planejado uma visita à Évora, mas cometi um erro no roteiro. Acabamos não indo à cidade onde nasceu Florbela Espanca. Depois de uma pesquisa mais detalhada para evitar erros no percurso, decidi que iríamos de autocarro. Saímos de Aveiro às 8hs, com um enlace em Lisboa. Para quem já andou de Jotude, os autocarros portugueses são um luxo: novos, limpos, bem equipados. As rodovias portuguesas são aquilo tudo que vemos na TV. Bem sinalizadas, limpas, pavimentação perfeita. Tudo bom, tudo maravilhoso, se não fosse a determinação de que os autocarros só podem trafegar a 80km/h. Para viajar de ônibus é preciso ter muuuita paciência. A uma certa altura, me lembrei com um sorriso de "seu" Baiano. Andei com esse lendário motorista da Jotude quando trabalhava em Alagoas. Já no final da carreira, "seu" Baiano fazia a linha Arapiraca-Recife. Naturalmente, passava na Palmeira (Palmeira dos Índios, Alagoas), fazia uma paragem em Bom Conselho e me deixava em Garanhuns. Seu Baiano tinha o perfil adequado para trabalhar nos autocarros portugueses. Pense num motorista descansado. Com a repetição das viagens, o passageiro fica conhecido. Um dia, sentei-me na poltrona 2, que ficava bem ao lado do condutor. Neste dia, seu Baiano estava especialmente descansado, veloz como um caracol de jardim. Dei uma cochilada e quando me acordei já estávamos próximos a Terezinha. Eu disse: "Oxe, e já passou Bom Conselho? eu nem vi..." Seu Baiano virou a cabeça para mim, espantado: "hein? Vixe, professora, que eu me esqueci de entrar em Bom Conselho." E caimos na risada. Uma figura, esse motorista, que Deus o tenha. 
 
Zona comercial de Évora
Voltando a nossa história: com a leseira peculiar aos motoristas dos autocarros portugueses, chegamos à Lisboa às 11hs. Com tantas voltas dentro de Lisboa para chegar a estação de Sete Rios, Luiza ficou enjoada. Mas segurou-se bem. Após um lanche rápido no snack da rodoviária, entre turistas perdidos e pombos esganiçados, tomamos o autocarro para Évora às 12h35. Para pegar o caminho, atravessamos o Tejo pela Ponte 25 de Abril (é minha!). Depois que passa de Setubal, a paisagem é tal qual o percurso de Garanhuns à Bom Conselho, em épocas de boas chuvas. Começa a mudar de cara próximo a Arraiolos (a região do famoso tapete), cuja paisagem é marcada pelo cultivo de oliveiras. Os campos abaixo das arvorizinhas espantadas, com diz Luiza, estavam cobertos de florinhas amarelas e azuis. Cenário de cinema. Atenta ao caminho, conheci uma charneca em flor, como no poema da Florbela.  Chegamos à Évora às 13h35.
 
Parque infantil
Após fazermos o check in na Pensão Policarpo, fomos em busca de um lugar para comer. O moço da pensão nos deu um pequeno mapa. Neste percebemos que estávamos na cidade muralhada. Entramos no "Cantinho da Beatriz", motivadas pela teoria de Mano do Caetano: se há gente esperando é porque o serviço é melhor. Pedimos um bitoque de  vitela com ovos. Estava até bom, apesar do ovo estar mal passado. Alimentadas, fomos andar pela cidade toda branquinha e amarela. Raras são as casas que tem os detalhes em cinzento ou em azul. É tudo tão lindo e bem cuidado que parece cenário de novela. Descemos a rua até o Hospital e dobramos na primeira viela à esquerda. Luiza ia com o mapa à mão e tagarelava o tempo todo sobre o caminho mais adequado a seguir para chegar ao Parque de Évora. É um espaço muito bem aproveitado ao pé da muralha, com um playground bem legal. Havia muitas crianças a brincar por conta das férias de Páscoa. No centro do parque há um palácio manuelino muito bonito, embora não esteja aberto a visitação. Depois, fomos a famosa Capela de Ossos.
 
Capela de Ossos
 
 
 
A Capela de Ossos é uma construção franciscana do século XVII. Após pagarmos o meu ingresso de 2 euros, mais 1 euro para poder tirar fotografias (Luiza não paga!), entramos no santuário. Este foi idealizado como um espaço de reflexão acerca da rapidez com que a vida passa, e como o orgulho humano é um sentimento inutil. Logo à entrada tem uma bela frase no pórtico de granito: "Nós ossos que aqui estamos, esperamos pelos vossos." Não consegui reprimir um risinho, lembrando de Pablo, meu sobrinho. Esses frades eram uns trolls!
 

    
Luiza ia fotografando tudo, pois o 1 euro foi por ela custeado. Quando saímos, passamos na Igreja de São Francisco. Nesta tivemos a oportunidade de acompanhar um ensaio da Orquestra e Coro da Universidade de Évora. Estavam a passar as peças para o Concerto de Páscoa que ocorrerá dia 26 de março. Enquanto Luiza anotava suas observações em uma folha solta do meu caderno, eu acompanhava o trabalho. O maestro parava  constantemente em um trecho e fechava com a cara dos jovens dos violinos. Depois, reclamou muito com as vozes masculinas do coro. Onde ele via erros horríveis, eu só ouvia beleza. É a felicidade da ignorância. É bom não saber de tudo. Como era segunda feira, o mercado estava fechado, subimos pela rua 1º de Maio e chegamos a praça do Giraldo. Luiza estava cansadíssima, e sentou-se nas escadas do Banco de Portugal. Ficamos lá um tempo, olhando a praça e as pessoas. Muitos turistas zanzavam pelas arcadas comerciais do outro lado da rua. Como já eram quase 19hs, era hora de procurar um jantar e voltar para a pensão. Luiza pediu uma tosta mista e eu preferi uma bifana. Estava bom, mas Luiza não gostou da manteiga da tosta. Resultado: comeu a metade da minha bifana (sanduiche de bife de suíno).
 
 
Quarto da Pensão Policarpo
 
Voltamos a Pensão, doidas por nossas caminhas. Na verdade, antes de chegar nos perdemos duas vezes. As vielas são muito iguais. Em vez de ir à direita, desci para a esquerda, demos a volta e retornamos para a mesma rua onde estávamos, entre risadas. Nos instalamos num quarto de teto alto e arredondado e piso de madeira. Na hora do banho, depois da briga com o polibam, um tipo de chuveiro espanhol, que tem mais torneiras e botões que uma nave espacial, brincamos no enorme chuveirão, dispensando as toucas de plástico que não davam conta dos nossos cabelos. Como no quarto não havia televisão, falamos com Tony pelo Skype (viajamos sempre com o magalhães de Luiza e a pen da Sapo. Assim, com internet móvel e um computador de criança, temos acesso á itnernet em qualquer lugar) e fomos dormir por volta das 22h30. O dia tinha sido puxado, mas muito produtivo. E no outro dia, Évora nos mostraria uma outra face: a chuva!
 
Até amanhã, fiquem com Deus. 
 
PS: Para quem não conhece, segue o poema da Florbela Espanca, "Charneca em Flor". Penso que vi pelo caminho o mesmo cenário que ela vivenciou durante seu tempo alentejano.
 
Charneca em flor


Enche o meu peito, num encanto mago,
O frémito das coisas dolorosas...
Sob as urzes queimadas nascem rosas...
Nos meus olhos as lágrimas apago...

Anseio! Asas abertas! O que trago
Em mim? Eu oiço bocas silenciosas
Murmurar-me as palavras misteriosas
Que perturbam meu ser como um afago!

E, nesta febre ansiosa que me invade,
Dispo a minha mortalha, o meu burel,
E já não sou, Amor, Soror Saudade...

Olhos a arder em êxtases de amor,
Boca a saber a sol, a fruto, a mel:
Sou a charneca rude a abrir em flor
 
 

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