Desde que o mundo é mundo é assim: mais dia, menos dia, você, minha senhora, vai ter que se agarrar com o cabo da vassoura. Exceto no caso das grandes fortunas, evita-se as tarefas domésticas. Afinal de contas, é muito prazeroso uma boa refeição caseira, com uma família barulhenta e divertida, mas os pratos não se lavam sós. É preciso o ânimo humano fazer as coisas acontecerem. Na sociedade brasileira, nomeadamente nordestina e interiorana, as tarefas domésticas ainda estão no âmbito dos encargos femininos. Logicamente, há alguns companheiros (seja filho, marido, irmão ou amigo) que dispõem-se a colaborar com as lavagem dos pratos ou a arrumação das camas. Contudo, dificilmente vamos encontrá-los a lavar uma casa de banho ou a passar roupas. Isso já está no campo das excessões. Para evitar maiores conflitos e aliviar a nossa carga de trabalho, inventamos o caminho do meio e nos acostumamos a ter a ajuda da empregada doméstica. Essa atividade é majoritariamente executada por mulheres - o empregados domésticos masculinos geralmente são jardineiros, motoristas ou seguranças -, que deixam suas casas e as suas atribuições domésticas para assumir essas tarefas na casa alheia como trabalho profissional. Com a ajuda da "menina que trabalha lá em casa", assumimos outras atribuições e mediamos a vida pública e privada. Assim caminha a humanidade.
Certo?
Foi assim até a semana passada. A bem da verdade, o trabalho da empregada doméstica sempre foi fundamentado na exploração da atividade profissional subalterna, com alguns matizes herdados da escravidão. Além desse legado histórico, nós, brasileiros, temos a tendência de construir relações baseadas na familiaridade. Um exemplo claro é tratar a professora como tia, a empregada como "quase da família", desprezando-se aspectos essenciais à construção de uma relação de trabalho. Afinal, quem é da família tudo suporta em nome da paz e da harmonia familiar. Então, nestes dias, acompanhamos pela internet e pela TV a votação da PEC das Domésticas. Este projeto de emenda à constituição brasileira visa garantir os direitos trabalhistas das empregadas domésticas, garantindo-lhes entre outros direitos, o pagamento de salário mínimo, FGTS, férias e 13º salário, bem como o estabelecimento da carga horária de trabalho. Ou seja, todos os direitos que qualquer trabalhador brasileiro tem há muitos anos. A discussão acalourada ainda vai render muito.
Direito é direito e não se discute. O maior problema é querer ter o que não se pode ter. Eu me enquadro na parcela da população que já manteve uma empregada, mas que hoje percebe que é economicamente impossível arcar com os sagrados direitos trabalhistas dessas colaboradoras. Afinal, uma empregada doméstica custa muito caro. Fizemos uma conta superficial e orça em torno de 13 mil reais por ano, pois os encargos trabalhistas pesam e muito no bolso do empregador. Como não somos uma empresa com fins lucrativos, somos apenas uma família dando pernada no mundo para construir sua história, após a PEC, "a menina que me ajuda" lá em casa está dispensada. Entenda-se: não sou contra os direitos das empregadas domésticas, mas não disponho de lastro financeiro para mantê-la. Quando sai do Brasil em finais de 2010, encerramos o contrato e a Ana Cláudia ficou como diarista. Ainda vai lá em casa duas vezes por semana fazer uma limpeza, lavar e passar a roupa de Tony. Pelo lado de cá, nestes últimos dois anos, aprendi a me virar sozinha. Basta olhar para a vida alheia para entender que na Europa, trabalhador doméstico é exclusividade de grandes fortunas. Quem não faz parte desse reduzido jet set, tem que pegar na vassoura, ou melhor, no aspirador de pó. Em Portugal, os "remediados" e até mesmo os "bem de vida" não tem empregada. As famílias inscrevem os bebés e as crianças em infantários (públicos ou privados), a jornada escolar é em tempo integral, de 9h às 17h45. Almoçam na escola, à um custo de 1,49 por refeição. Enquanto espero Luiza à saída da escola, vejo que a família se ajuda na atividade de levar-e-buscar crianças: muitos avós, tias e irmãos maiores esperam pelos pequenos. A baixa violência também ajuda e os meninos após os 10 anos vão sós à escola, como antigamente em Garanhuns. Há também as empresas especializadas que fazem o transporte das crianças e levam-nas para atividades extra escolares que não são oferecidas pela escola. No serviço da casa, a maioria das residências são automatizadas. Até no meu micro T0 há uma máquina de lavar roupas, eletrodoméstico essencial ao funcionamento sustentável de uma casa. Uma ou duas vezes por semana, aspiram a casa, vassouras são para lavar casa de banho e calçada. Eventualmente, contratam numa empresa especializada em limpeza a faxina necessária para tornar a casa habitável. Comida pronta, refeições fora de casa ajudam a não ter tanto trabalho na cozinha. Para a louça, máquina de lavar. Economiza-se um enorme tempo de vida com essas tecnologias. Tudo funciona sem a colaboração da empregada doméstica ou da babá. Quando os miúdos entram em férias (de verão, de natal ou de páscoa) há sempre empresas que oferecem atividades para ocupar o dia inteiro. Nas férias de páscoa desse ano, viajamos uma semana e na outra, Luiza passou de segunda a sexta das 10h às 18hs com os Profs. Ivo e Mimi, da Pantopéia, um casal de talentosos arte-educadores que oferecem sempre atividades para os pequenos. Por 50 euros, Luiza passou uma semana (muito chuvosa, por sinal) na companhia de outras crianças, brincando, criando, se divertindo, enquanto eu trabalhava duro na tese. À longo prazo, esta conjuntura cotidiana portuguesa tem apresentado efeitos na formação da população. Os casais reduziram drásticamente o número de filhos, tanto que o ministro estava na TV à semana passada anunciando um programa de incentivo à natalidade: os casais que quiserem ter filhos terão a redução da carga horária para part time, sem prejuízos no salário. Afinal, os efeitos colaterais na arrecadação da previdência já são perceptíveis. Com tão pouca gente para trabalhar no futuro, onde arranjar recursos para pagar as reformas de ex-trabalhadores longevos?
No retorno para o Brasil, pretendemos aplicar essa experiência ao nosso cotidiano. Continuaremos com a ajuda da diarista, mas, é preciso automatizar a casa, pois os serviços elementares devem ser feitos por máquinas. E penso até que a PEC das domésticas terá um efeito inesperado: a oportunidade de negócios para empreendedores que percebam a crise promovida pela mudança de um padrão cultural como um nicho de mercado a ser explorado. Também vai render para os advogados, movimentando o escritório de Tony e Mirella, na rua das Pedrinhas, n. 171! A lei das empreguetes poderá influenciar um novo ordenamento social no Brasil, e isso não deixa de ser engraçado, pois, afinal, a esperada transformação vem pela mão de quem varre, lava e passa.
Então, vou-me, pois, são horas de arranjar essa casota. No sábado, isso aqui amanhece parecendo a casa de um ex-combatente da Guerra do Golfo em filmes de CSI!
Então, vou-me, pois, são horas de arranjar essa casota. No sábado, isso aqui amanhece parecendo a casa de um ex-combatente da Guerra do Golfo em filmes de CSI!
Até amanhã, fiquem com Deus.
PS: Quando me refiro às trabalhadoras domésticas como empreguetes não é preconceito. Penso que é um termo divertido e moderno, infinitamente melhor do que o "Secretárias do lar", que somente disfarça o preconceito sob o manto do politicamente correto. Eu nem posso ter preconceito, pois minha mãe foi empregada doméstica, na década de 1950, em Ribeirão, zona da mata pernambucana. E ela contava histórias divertidíssimas do tempo que trabalhou na casa de "seu" Abílio.
Acho normal arrumar uma casa, cuidar de plantas no jardim e no quintal, sempre fiz isso. A pior parte de tudo é ter com quem deixar as crianças para ir trabalhar, pois aqui não há creches para todos. Talvez com essa lei esse setor melhore bastante, com criação de novos espaços para as crianças. Beijos e saudades de vocês.
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