Chegamos em Garanhuns numa
madrugada chuvosa. E, infelizmente, diferente da Europa, a água que
corre pelas guias nem sempre encontra sumidouro em estruturas subterrâneas de
saneamento. Resulta dessas corredeiras superficiais, uma cascata que carrega o
que encontra ladeira abaixo, acumulando-se logo lá no plano. Uma conta
invernal, simples de fazer: chuva + rua sem pavimento = lama. E esse tem sido
nosso esporte cotidiano: pular poças, evitando chapinhar na lama, para
conseguir chegar ao destino o mais limpo possível. Nos acostumamos facilmente
com as coisas boas, ainda que tenhamos a consciência de que são transitórias.
É, ninguém disse que isto ia ser fácil.
Um sábado desses, estávamos zanzando na Bertrand após o
retardado almoço. Como acordávamos um pouco mais tarde (escrevia cedo para o
Brasil por causa do fuso horário!), o almoço sempre ficava por volta das 14hs.
Depois olhávamos as lojas, e fazíamos um pit stop obrigatório na Bertrand de
Aveiro. Uma dessas ocasiões, sentamos lá na frente e ficamos contando quantas
pessoas saíam da loja com suas saquinhas. Um movimento intenso, de clientes
diversificados. Em Portugal, apesar da crise, vende-se literatura à crianças,
jovens, adultos e idosos. Pareceu-me ser um bom negócio. Desde que chegamos lá
instituímos "o livro do mês", apesar dos nossos minguados recursos.
Nas fases mais apertadas, Luiza apelava, piscando levemente os cílios: "vá
lá, vá lá... papai paga, lá no Brasil". Era a senha para amolecer meu
coração e me fazer sacar o "navalhadas" da carteira. O cartão de
crédito entrava em ação e nos fazia um pouco mais felizes com um pouco mais de conhecimento
e diversão. Foi numa dessas que, a despeito da minha extensa lista de espera,
bati os olhos no livro do Paulo Farinha. Impossível não vê-lo em meio aos
demais: a capa, de um "amarelo Carmem Zilvania" (uma amiga nossa e
colega de trabalho que adora essa cor, empresta o nome aos mais variados
matizes do amarelo, que vai do "desmaiado" ao "Deus me
livre", que anda na moda lá no inverno europeu) com dois bonequinhos,
sinalizando com corações áreas estratégias (e específicas) de homens e
mulheres. Apesar da pequena arbitrariedade quanto a questão de gênero, a
proposta do livro despertou-me o interesse: "À procura da relação perfeita
num mundo cheio de modernices".
O autor alerta que o livro baseia-se em histórias reais, e
facilmente, identificamos pessoas parecidas em situações idênticas às relatadas
no livro, cujos textos tem uma linguagem fácil e divertida, sem desprezar o bom
português lusitano. Já no primeiro capítulo, identifiquei a desculpa ideal para
sair com o livro na saquinha. O título provocador, "Tecnologicamente
emocionais ou emocionalmente tecnológicos?", propôs uma reflexão sobre as
relações afetivas em tempos de internet. Com o livro na mão, localizei Luiza na
seção infanto-juvenil, indecisa entre fadas, bailarinas e cães investigadores, ocupei um dos assentos coletivos para conhecer melhor o
autor e sua obra. Aleatoriamente, abri na página 35, com o título: "Erros
de português? Iço já comessa a irritarme." Fiz a leitura entre
risinhos e olhares desconfiados e divertidos dos companheiros de acento, já
convencida de que o livro iria comigo. Voltei ao começo e li mais uma crônica: "Fizeste-me um like no Facebook. Isto quer dizer que me amas, certo?"
E caí de amores pelo Paulo Farinha, atual editor da revista Notícias Magazine,
suplemento do Jornal de Notícias, que circula em Portugal.
Como disse, o livro é uma reflexão sobre os costumes, tão alterados
pela integração das TIC à comunicação. Que o mundo não é mais o que era
antigamente, todos sabemos, sentimos e por partes sofremos, e por outras,
agradecemos. A comunicação em tempo real facilitou o trânsito de riquezas, a
geração e disseminação de conhecimentos, aproximou pessoas dispersas no globo.
E isso já parece parte introdutória da minha tese. A integração das TIC também
influenciou na adoção de novos - e nem sempre claros - padrões comportamentais.
As técnicas de flerte, de paquera, a aproximação, e até mesmo a consumação de
uma relação afetiva-emocional-sexual pode ser mediada pela tecnologia, apesar
da frágil segurança da nossa privacidade. Namorar hoje não é mais como era antigamente. Quando
eu era adolescente, e isso foi no século passado, quando me interessava por
alguém, tratava de descobrir a rotina do dito cujo para vigiar-lhe o caminho.
Às vezes o acaso ajudava, e, antes de conhecer oficialmente o Tony Neto, eu já
sabia que era aquele sujeito que morava na Av. Caruaru e que sempre esquecia de
alguma coisa quando saía de casa. Naquela época, não havia telemóveis. Marcávamos a hora de telefonar e passávamos o constrangimento da
mãe do cara atender o telefone, forçar-nos a identificação e chamar-lhe em alto e bom som: "Ôoo Fulaninho, é
aquela moça, de novo!" E sem e-mail, se quiséssemos mandar alguma coisa
escrita, tinha que ser uma folha de papel, elementarmente escrita à
esferográfica. A missiva era lida e relida, e talvez "passada a
limpo" umas três ou quatro vezes para evitar os erros de português e fazer
uma letrinha mais jeitosa. Quem era mais caprichosa, sacrificava uma folha de
papel de carta daquelas pastas classificadoras que guardavam as preciosas coleções
e remetia-se o bilhete, que escorregavam debaixo das portas ou eram dispendiosamente emitidos
pelos correios.
Reminiscências dum tempo em que os carteiros entregavam
cartas e não contas. Hoje, tudo é mais fácil. É possível saber antecipadamente,
através dos perfis nas redes sociais, qual o tipo de música que o sujeito
gosta, se bebe, o quê bebe e o quanto bebe. Se trabalha, estuda ou é sustentado
pelos pais, se pratica esportes para além do popular "levantamento de
copos" e "esquentamento de sofá". Quem são os amigos, amigas,
concorrentes diretos e indiretos. Antes de pegar na mão, já sabemos o tipo de
pijama e até a cor da cueca de estimação do alvo preferencial. Inegável que
hoje é mais fácil de coletar informações, contudo, isso não ajuda a decidir com
mais eficiência. E talvez por isso mesmo os relacionamentos nos tempos de
internet aparentam - digo aparentam, pois o que parece, às vezes não é - superficialidade.
Outro dia, "ri litros" com minha prima Katty que disse que a "nêga"
em menos de uma semana, passou de "solteira"
para "um relacionamento sério" e voltou a ser "solteira".
Tudo isso num piscar de Facebook, sem marcas indeléveis dum amor perdido. E
viva o fim da dor de cotovelo! Em tempos de internet, a fila anda em velocidade
4G, embora essa realidade ainda demore muito a chegar nas nossas redes
interioranas. É namorar, casar e descasar em um átimo, esperando apenas que
Obama não esteja olhando!
Até amanhã, fiquem com Deus.
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