Então, nos últimos dias da semana passada, sob um calorão e
um sol quase eterno, providenciamos a mudança. Quem já enfrentou mudanças sabe,
de experiência própria, que os objetos se multiplicam e quase não temos como
encaixotar tantos trastes. Como já vos disse em outro post, essa foi a minha
16ª mudança. Mesmo com tantas idas e vindas, sempre há um estresse. Quando
morávamos todas juntas, sempre que havia uma necessidade de mudar de casa, mandávamos
mamãe para Recife, e somente quando ela dizia que iria voltar é que avisávamos
que havíamos mudado de endereço. Mamãe chateava demais nas mudanças: tinha
mania de guardar todos os troços, não queria jogar nada no lixo, nem doar para
quem precisasse, mesmo que aquele objeto estivesse encostado há anos. Além
disso, tinha o zelo excessivo com as "prantas" (era assim que ela
pronunciava 'plantas' e não havia jeito de fazê-la dizer corretamente). O
mínimo galho que se quebrasse ou a folha amassada, era um Deus nos acuda. Para
evitar esses conflitos, era melhor deportá-la para a casa da Mahria, e fazer o
que tinha que ser feito.
Por mais que tenha tentado me adiantar, parte substancial do
serviço ficou mesmo para os últimos dias. Primeiro, a maratona para
cancelamento dos serviços de água, luz, gás e internet. Os três primeiros, não
apresentaram problemas: fui ao balcão da empresa e pedi o cancelamento somente
na sexta-feira, pois assim, poderíamos desocupar o T0 apenas no domingo pela
manhã, conforme planejamos. No atendimento eletrônico da PT Comunicações me
'receitaram" uma série de burocracias, mas, no atendimento local, as
coisas foram mais fáceis.
Passamos o sábado a arrumar as malas. Como já disse, mudança é
sempre complicado, pois há a multiplicação dos objetos. Pensem, portanto, no
sacrifício que é fazer uma mudança intercontinental. O espaço que tínhamos eram
7 malas com até 30 kg cada. Como são
dois volumes por pessoa, ganhei o direito de mais uma mala por conta de D.
Nilza que levava apenas uma. Apesar de termos nos blindado contra o consumo
excessivo, evitando acumular muita coisa, tive que me desfazer de muitos
objetos. Louças, talheres, toalhas, cobertores, edredons foram doados, bem como
a TV, a impressora, uma mesa de trabalho (que os portugueses chamam de
'secretária' e que nós chamamos de 'birô', abrasileiramento de bereau), uma
mesa de cozinha com quatro cadeiras, foram todos para o Florinhas do Vouga,
organização filantrópica que auxilia a população desfavorecida na região de
Aveiro desde 1940. Junto também foram casacos de inverno de Luiza, impossíveis
de usar no inverno tropical. Nada disso para nós foi um sacrifício, pois, se
conseguimos adquirir estes objetos, com a ajuda dos amigos ou com recursos
próprios, repassamos com alegria àqueles que precisam. Não temos qualquer apego
a bens materiais, principalmente quando são objetos de uso cotidiano. Também não
faz parte da nossa cultura familiar vender objetos que já usamos. Da mesma
forma que aceitamos o que nos doam (outro dia, Neide e Paulo mandaram-nos um rack
de sala maravilhoso, que está servindo muito bem) com gratidão, doamos de
coração aberto. Neste aspecto, os livros são a minha limitação. Prefiro doar as
roupas e voltar com "a roupa do corpo", do que doar os livros, que
até empresto, mas não dou. Só se for prenda.
Pronto. No domingo pela manhã, tomamos o autocarro para
Lisboa. O motorista queria dificultar o nosso embarque, alegando excesso de
bagagem. Tony negociou a pesagem das nossas malas, que seria feita na próxima
paragem, em Coimbra. Chegando lá, o motorista nem nos deu sinal, e nós não
fomos em busca. Quando desembarcamos em Lisboa, veio reclamar porque não fomos
pesar e acabou nos dispensando. Só para chatear. Na estação de Sete Rios,
felizmente, há aqueles carrinhos de transportar bagagem em aeroportos. Deu para
fazer o caminho da plataforma de desembarque para o elevador, e deste até o
ponto de táxi com aquela tralha toda, duas bonecas, uma criança e uma idosa. Um
jovem do leste europeu nos ajudou a arranjar as bagagens em dois táxis e ficou
com as moedinhas que destravam os carrinhos. Ele vive disso, a exemplo de
muitos jovens oriundos dos países do leste.
Conseguimos chegar no hotel, no Rossio, o mesmo que havíamos
nos hospedado no dia 20.06. Somente à tarde, eu percebi que naquela
tralha, faltava a mochila do meu computador.Fiquei arrasada por dois motivos:
1) o livro novo do Agualusa estava na bolsa. Tony e Luiza haviam me dado como
prenda de saída de Portugal na sexta-feira. Havia lido apenas as orelhas e a
contracapa. 2) As bonecas Monster High, que Luiza adora, estavam na bolsa.
Fiquei surpreendida com a reação da menina, que ao me ver enlouquecida em busca
da bolsa, consolou-me: "tem nada não, mãe. O livro, a gente compra outro.
E as bonecas, tu compras outras." Felizmente, na segunda-feira, depois que
fui ao consulado do Brasil autenticar os documentos de escola de Luiza, liguei
para a central de táxi e o gestor lá disse-me que o condutor havia encontrado e
deixado na Esquadra de Benfica (Delegacia de polícia). Cheguei com a boa nova e
um saco de cerejas no Hotel, e ainda deu tempo de tomarmos um táxi e ir a tal
esquadra, pegar a bolsa. Fui atendida pelos agentes Guerra e Susana, que
rapidamente me devolveram a tal mochila. Segundo D. Nilza, o achamento da
mochila deveu-se a lei do retorno: eu havia doado tanta coisa, que as "forças
do bem" atuaram para que encontrássemos nossos pertences.
Daí, a próxima etapa era o aeroporto. Tony foi no primeiro
táxi com a mãe e eu fiquei com Luiza e quatro malas. Por um equívoco, fiquei
com a "mala monstruosa", a maior de todas, que quase mata o taxista
já idoso. Coitado. No aeroporto de Lisboa, o tumulto de sempre. Este é a porta
de entrada da Europa e ponto de partida para o mundo inteiro. É engraçado ficar
olhando as pessoas de todos os sítios que lá estão de passagem. É um divertido "não-lugar",
como classifica a antropologia. O check
in foi tranquilo, apesar de uma pequena burocracia quanto a nossa passagem,
minha e de Lulis, pois, foi comprada no Brasil, só de retorno. Coisas da TAP.
Segundo Tony Neto: "Ó mar salgado, quanto do teu sal são lágrimas de quem
espera pela TAP de Portugal." Bagagens despachadas, tudo fica mais simples.
O embarque foi tranquilo, nos beneficiamos pelo fato de acompanharmos uma
criança e uma idosa, driblando a fila de 200 e tantas pessoas ansiosas. Há suas
vantagens. Após 7h40 sobre o atlântico, chegamos ao Recife. Depois da
perseguição às bagagens, pegamos subindo para Garanhuns.
Chegamos às 1h05 da madrugada da terça, sob uma chuvinha fina
nas ruas desertas da cidade que dormia.
Feliz por voltar.
Até amanhã, fiquem com Deus.
Cada vez me encantas mais com escrita perfeita!!!!louca para te ver. Obrigada por tudo. bjs.
ResponderExcluirBeijos! obrigada pela companhia!
ExcluirAna, querida, voltou de vez? Concluiu o "doutoramento"? Seus textos me encantam com a clareza, deverias pensar num livro. Bjin!
ResponderExcluirEd, querido amigo, obrigada pelo carinho. ainda estou a esperar as correções. E ainda falta a defesa. Mas, de residência mesmo, voltei para Garanhuns, cheia de saudades. Bjs!
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