Já há algum tempo que tenho andando com a cabeça nos pés. Mais precisamente, com a atenção voltada aos sapatos. Estes objetos são necessários para prolongar a vida dos humanos sobre a terra. E deve ser uma invenção imemorial, sem dúvida uma das mais importantes na caminhada civilizatória. A história dos sapatos já foi sistematizada, mas, eu a vejo assim: os primeiros sapatos devem ter sido confeccionados com folhas atadas aos pés por cipós. Era o auge do "verdinho básico". Depois, devem ter surgido os sapatos de pele de animal, curtido ao sol. Apesar de mais bonitos, duráveis e mais quentes, deveria resultar num chulé danado. Mas, para quem ainda habitava as cavernas, esse datalhe talvez não fosse relevante. A disseminação cultural no uso dos sapatos deve ter sido uma troca interessante: de repente, alguém chegou e o outro olhou para os pés e percebeu o acessório inovador, e pensou: "Também quero um!"
Tenho observado que, das obsessões facebookianas, o culto aos sapatos é uma constante nas postagens femininas, só perdendo para as fotos de comidas, mensagens espiritualizantes e indiretas bem diretas. Mulheres adoram uma competição, mas isso é outro assunto. As fotos de sapatos, às vezes com modelos dos mais bizarros vem sempre acompanhadas com vários e sonoros "eu queeeeero!" Felizmente, querer não é poder, pois entre a vontade e o objeto existe o abismo do limite do cartão de crédito. Algumas se aventuram e arriscam as finanças pessoais e o sossego familiar, e como um viciado em crack, afundam-se em juros e multas só para possuir aquele novo modelo de uma marca famosa. Outro dia, assistia nestes programas de mulher na GNT um personal organizador a dizer que ninguém precisa ter mais que 10 pares de sapato. E vocês precisavam ver o desespero da mulherzinha que buscou a ajuda desse profissional para livrar-se da acumulação. Aos prantos, ela teve que dispensar 148 pares, ficando só com os 10 necessários. Tem muita gente doida nesse mundo do consumo. Na rede social, fiz um comentário a respeito dessa obsessão que não foi muito popular. Muitas se declararam amantes dos sapatos. Minha querida professora Eliane presenteou-nos com uma análise sociológica: o culto aos sapatos, sobretudo aos saltos deve-se ao estabelecimento de uma relação de poder. As mulheres, desde que Luis XV inventou de elevar os calcanhares e reinventar a silhueta, sentem-se poderosas nos saltos altos. Eu tenho uma teoria: o efeito psicológico vai além da pisada firme com a ponta dos pés. Os sapatos são mais fáceis de comprar, embora nem sempre sejam mais fáceis de usar. O número do sapato é mais fiel que o tamanho da calça ou da blusa. Ninguém corre o risco de calçar 37 num dia e na semana seguinte calçar 38 ou 39, exceto se for à Europa ou aos Estados Unidos, pois cada país tem uma numeração diferente. Nestes casos a culpa é da indústria e não das calorias consumidas à mais num final de semana com feriadão à beira mar ou numa festa de aniversário de criança. E as mulheres valorizam muito a fidelidade. Daí, o amor incondicional aos sapatos.
Sempre que falo em sapatos, lembro-me do Jorge, um índio Fulni-Ô com quem estudei no nível médio. O Jorge caminhava muito engraçado e toda vez que chegava na sala, a primeira coisa que fazia era descalçar os sapatos, independente da temperatura da noite. Certa vez, ele foi apresentar um trabalho e estava muito enrolado no discurso, incomodado frente à turma. Pediu licença a professora e tirou os sapatos. Não é que o desempenho do colega melhorou sensivelmente? Nada pode ser pior que um sapato que aperta, machuca e deforma os pés. Se o intestino é o segundo cérebro, nos pés se localiza o segundo coração. Acho lindos os saltões (em Portugal chamamos "tacões"!) e as frentes afiladas, ou as milhares de tirinhas brilhosas que cobrem pés ou sobem pernas acima. Mas, infelizmente, não consigo usá-los. Como ninha amiga Eugênia, esse tipo de sapato é para ir à uma festa. São calçados no carro à porta do local, me conduzem (depois de uma alta concentração para não andar como uma ema) até a cadeira onde me sentarei, de onde só sairei quando for embora. Uma vez no carro, os sapatos serão diligentemente retirados em meio a pragas e reclamações. Odeio esses sapatos que são lindos, mas não são meus amigos. Tenho a impressão que eles abrem boquinhas invisíveis para moder os meus pés. Proporcional a minha aversão pelos sapatos afilados e incompatíveis com os meus pés meio índio, meio banto, é a minha admiração pelas minhas amigas que fazem uso destes sapatos impossíveis até mesmo no trabalho. Há uma semana, Thayze estava com botas pretas de saltos finíssimos, numa elegância de miss, enquanto corria de lá para cá a providenciar os detalhes de matrícula dos alunos sob sua coordenação. Os sapatos de Fabiana são os mais lindos: quando a vejo, ela sempre parece recém saída das páginas da Vogue. Adriana é também elegantíssima, nunca a vi de tênis. Algumas mulheres resistem heróica e bravamente à sanha dos sapatos assassinos. No Festival de inverno, conheci uma co-cunhada de Betinho Cândido, uma jovem muito bonita. A certa altura do show, a jovem pareceu-me passar mal. Pensei que fosse uma queda de pressão, mas quando ela sentou-se do meu lado, disse-me que os sapatos estavam matando-a! Contudo, mulheres elegantes sempre tem uma estratégia de sobrevivência: achei graça um dia, quando descia uma ladeira de Sintra e Genésia parou junto a um murinho, e sem qualquer cerimônia, abriu a bolsa e tirou de lá umas sapatilhas de lona para substituir os sapatos elegantes. Grandes caminhadas precisam de sapatos solidários. Confesso que me surpreendi ontem, quando ouvia a Gabriela ligar para o marido e pedir-lhe que trouxesse um par de Havaianas, já que o próximo pitstop após um dia de trabalho extra, seria o supermercado.
E para quem pensa que os sapatos povoam somente o imaginário feminino, gostei de saber o conselho de Clávio para Tony, que iniciava-se na sua profissão de operador do Direito. Segundo o irmão da Gabriela, sucesso chama sucesso. Para se tornar um bom advogado é preciso um bom carro, um bom terno e bons sapatos. Ninguém confia uma causa a um mal arrumado. Advogado jambolão não funciona mais nem em porta de cadeia, pois não passa credibilidade. E entre os itens essenciais, lá estão os sapatos. Para aprofundar no universo masculino e os sapatos, vou precisar de uma investigação mais detida. Quem sabe, não faço disso o meu próximo objeto de pesquisa?
Concluindo, é preciso competência para aguentar elegantemente esses sapatos durante um dia inteiro de trabalho. Essas jovens e elegantes senhoras me ensinam que realmente são poderosas. Eu, por meu lado, já abdiquei do poder e, nos melhores e piores dias, enfio os pés nos All Star. Já faz parte da minha personalidade de "Mafalda" (a das tirinhas!), mesmo após os 40.
Que os seus sapatos sejam sempre amigos e companheiros, e nunca carrascos, dos mais competentes.
Até amanhã, fiquem com Deus.
Acho essencial a todos os profissionais que querem credibilidade andar bem vestido e bem calçado! Nada pior de que assistir aula com uma professora desmantelada, de mãos mal cuidadas, cabelos mal cortados, sem qualquer assessório e sapatos feios. Nao sou a melhor modelo do mundo, mas tento andar arrumadinha. Se nao aguentamos andar em salto 15, escolhamos entao um de salto 5, mas que harmonize com o visual.
ResponderExcluiré verdade, é bom andar arrumadinha!
ResponderExcluirÉ preciso! :-)
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